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UM PASSO A FRENTE - Oswaldo Romano





UM PASSO A FRENTE
Oswaldo Romano



         A chuva contínua e pesada impedia o Tiãozinho de sair do casebre para a escola.

         Era seu segundo dia de aula, do quarto ano, levava o resultado da lição anterior.

         Quando ela deu trégua, percebeu que chegaria muito atrasado. A escola ficava há uma hora caminhando, andando bem.

         Quem o atrasou foi a chuva. No horário certo Tiãozinho estava pronto. Uniformizado, meinhas brancas, calçava alpargatas. Então, por que não ir agora? Impaciente falou alto:

         Manhê, agora eu vou...

         —Zinho não, não vai dar tempo.

         —JÁ tô arrumado, eu vou. Tchau manhê.

Tiãozinho sai, quase correndo, não dando chance à canseira que viria pela pressa. Mas é vencido, respira sôfrego.

         Para, olha pra frente, vê o caminho se perder nas nuvens. Desce a mochila, arreia no chão, olha em volta, ninguém! Mas não estava só. No pasto um cavalo branco com mancha preta na testa, vendo-o, deu aquele rincho, mostrando presença.  De companheiros, tinha vários cadernos. Eles não conversavam, mas diziam muito. O livro de história na mochila foi apanhado e na falta do que fazer, ia virar suas páginas.

         De início folheava-o com pouco interesse. Estava focado na aula perdida. Mas uma foto que mostrava a cidade, chamou-lhe a atenção. Descansou um olhar sobre ela, pensando: um dia, sei lá quando, sou muito criança ainda, eu vou lá. Vou engraxar sapatos, um jeito de conhecer homens ricos.  Meu amigo Pedrinho faz isso na cidade. Engraxa até botas dos fazendeiros! A gente não precisa ir atrás deles, eles é que veem ter com a gente.

         Três anos depois, Tiãozinho viu realizado seu sonho.

Acomodou-se num barraco onde tinha outros que dividiam seus ganhos com a Julia, a dona do casebre.

         Construiu sua caixa de engraxate com sobras de taboas apanhadas no lixo do mercado.

         O que programou, estava acontecendo. Sujou de graxa a caixa, simulando seu constante uso.

Foi para a praça. Perambulou até aproximar-se de um velho engraxate, soube chamar-se Escovão.

         Ainda com a caixa nas costas mirava o Escovão que não demorou, perguntou: — O que é que você quer?

—Não, não é nada não.

—Vai andando, vai. Cuidado, o juiz de menores te pega.

—Eu tenho o conduto. Quero aprender um pouco mais com o senhor.
         O velho nesse momento sentiu-se professor.

—Esse ponto é meu, faz muito tempo.

—Sei sim, senhor. Se me deixar aprender engraxando o dinheiro fica pro senhor.

Escovão começava a achar o garoto interessante.

—Tá bem, você me ajuda, mas eu digo quem você pode pegar.  Pensamento logo imaginou quais chatos jogaria para ele.

—O senhor me dá uns trocadinhos para eu comer?

—Tá combinado. Volte amanhã. A propósito, como é seu nome?

—Tiãozinho. Eu sei que o senhor é o Escovão. Foi o que disse aquele varredor do jardim.

         Logo cedo Tiãozinho estava a postos.

Tornaram-se bons amigos. Alguns fregueses achavam, serem tio e sobrinho.

         Poucos anos se passaram, foi construída na rua principal da praça, a nova sede da Prefeitura. Deu novos fregueses que disputavam horário para serem atendidos. Nunca antes se viu marcarem horário com um engraxate.

Tiãozinho, agora Tião, com 21 anos e o velho engraxate, formaram a Escovão&Tião.com.br donos de seis cadeiras, sendo quatro arrendadas.

         Nesse meio tempo ingressou na Escola Caetano de Campos, ali junto a praça. Estudando a noite, levantou seu diploma.


         Escovão não podia deixar de assistir à diplomação, e quando viu Tiãozinho de Toga não conseguiu segurar o choro. Pegou seu melhor lenço, limpo, mas manchado de graxas, e enxugou as lágrimas.

         Tiãozinho sempre acreditou que atrás daquele bigode pousava uma generosa alma.

Escovão viu o que imaginava impossível. Alguém seu, transitando por aquela escadaria, que todo dia via luzir, observada do seu consagrado posto.

         Juntos fundaram a sapataria UM PASSO A FRENTE.



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