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Passagem - (crônica) - José Vicente Camargo




Passagem  -  (crônica)                                                  
José Vicente Camargo



Neste domingo de Páscoa acompanhei minha esposa na missa das 18:30 na igreja do bairro. O ambiente era festivo de abraços e sorrisos desejando uma Feliz Pascoa. Uma voz anuncia que as luzes do templo se apagarão e que os fiéis acionem a lanterna de seus celulares. O efeito foi comovente. Sob milhares de luzinhas tal qual show de artista pop que se apresenta nas arenas da cidade, ascende surge entra pela porta principal a imagem do Cristo Ressuscitado amparado pelos ombros orgulhosos de fiéis de semblantes compenetrados. As pessoas de olhos úmidos e mãos postas juntas em graça se benziam. A atmosfera era de união na solidariedade, no amor e na paz.  

Na homilia o padre celebrante mencionou que páscoa significa em hebraico “passagem” de uma situação ou de um estado de espírito para outro melhor, significando um novo renascer, por isso simbolizamos a Páscoa com um ovo que gera vida nova. Cristo ao nascer da virgem, adquiriu, além do espírito divino, também o espírito humano de homem mortal. Na Sua paixão na cruz sofreu como humano as dores da crucificação e quando ressuscitou, três dias depois, ressuscitou também seu lado humano, possibilitando assim a todos que nele acreditam, a ressurreição da carne e a vida eterna. Portanto os cristãos devem ver na pascoa a passagem para uma vida nova, que deslumbra um futuro mais justo, mais promissor, sair de uma situação de perigo e abandono para uma de paz, de um estado doentio para um saudável, de malfeitor para benfeitor, protetor dos mais fracos, dos injustiçados. Deixar o ódio, a raiva, a fobia contra raça, gênero, religião para reviver num estado novo de espírito apaziguador. Para tanto é necessário que cada um faça um exame de consciência, de reflexão consigo mesmo num esforço de querer mudar. A recompensa é encontrar a paz, saber que a vida é curta, feita de momentos. Aproveitar para melhorar a sua autoestima, o seu prazer de viver, desfrutar com o que está a seu alcance e não cobiçar a vida alheia, o desprezo pelo próximo. A explosão das redes sociais foi, por um lado, significativa para a política da globalização na aproximação das pessoas, mas por outro lado, deixaram a sociedade confusa, ansiosa para obtenção rápida de resultados nem todos voltados para o bem comum. Que esta passagem nos faça distinguir melhor o joio do trigo.

O silêncio que imperava no templo, indicava que as palavras do clérigo ecoavam na consciência dos presentes.

Ao chegar em casa, com a xícara de chá acalentando o corpo e o aroma da torta caseira aguçando o paladar, ligo a televisão no jornal da noite. De cara, a primeira notícia:

Quase trezentos mortos no bombardeio terrorista desta noite contra igrejas cristãs e hotéis no Sri Lanka! Ala radical budista é a principal suspeita dos atentados! ”.

Engulo com o chá e mastigo a torta, já sem gosto, as palavras de fé e esperança do padre. Quase, simultaneamente, me vem à mente o incêndio recente da Catedral de Notre Dame em Paris. Foi ato de algum misógino? As investigações até agora, preliminares, indicam falha no sistema de ar condicionado. Mas sabotagem não está descartada...

A campainha toca. Minha esposa abre a porta e uma lufada de risos e barulhos infantis invadem o ambiente. São os netos saltitando, trazendo os ovinhos de páscoa para os avós na alegria de receberem a contrapartida. Seus olhos brilham, seus sorrisos emolduram a felicidade, mal sabendo que eles é que são a vida nova, a esperança de futuro melhor.

Neste momento me vem uma ideia que parece factível para desatar o nó que impede a passagem do homem universal para o lado do bem: Que se obriguem as redes sociais, em todos os continentes, como um tipo de compensação pelos eventuais danos causados, a estamparem em seus sistemas, rostos de crianças de diferentes raças e idades, daqueles bem fofinhos de amolecer qualquer coração de pedra. Quem sabe assim esses humanos que insistem em permanecer no lado mau, ao acessarem as redes para tramarem seus atos de terror, não se arrependam e desistam do intento.
Todas as almas têm um ponto em comum: a compaixão...


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