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PRIMEIRO COLOCADO NO CONCURSO ESCREVIVER 2018 - EU E O UNIVERSO - QUEM SOMOS NÓS?



Parabéns aos participantes

Parabéns ao ganhador Oswaldo Lopes





QUEM SOMOS NÓS?

OSWALDO LOPES
PSEUDÔNIMO: GATO MIKADO



VENCEDOR DO CONCURSO ESCREVIVER 2018 - TEMA: EU E O UNIVERSO.




Ricardo acordou ou, seria melhor dizer, foi acordado. Era parte do terceiro casal a ser despertado tendo os mesmos 25 anos que tinha quando aderiu ao projeto e seria destruído quando completasse 75, ou seja, ia viver mais 50 anos naquela super nave-espacial que caminhava pelo espaço na fantástica velocidade de 3.000km/seg, um centésimo da velocidade da luz.

        Maria Lígia, seu par na aventura, também havia despertado e caminhava para ele. Era bonita e inteligente, senão não estaria aqui. Como é mesmo que tudo aquilo começara?

        Começara com a noticia de que a agência espacial Sistema estava recrutando jovens, com boa formação em engenharia-astronômica e matemática, para um super projeto de exploração espacial. A exposição fora clara e não procurara enganar ninguém. A engenheira chefe falou pausadamente e expôs a natureza do projeto, adiantando que, uma vez selecionados os 100 pares de que necessitavam, mais detalhes e informações seriam adicionados.

        A ideia era simples, desde que você acreditasse que lançar 10 espaçonaves com 20 lugares cada, em direção a uma estação orbital onde seria montada nas próximas semanas uma super-esfera capaz de viajar pelo espaço na incrível velocidade de 3.000km/seg era, como ela havia dito, uma ideia simples.

        Uma vez alocados na fantástica espaçonave, todos os 100 casais, eles seriam adormecidos, acondicionados em cápsulas herméticas e despertados par a par em sequência previamente determinada, um casal por vez, para realizarem experimentos e observações segundo uma planilha que seria explicada e reexplicada à exaustão, de modo a não haver dúvidas ou questionamentos.

        Viveriam entre os 25 e os 75 anos sem serem importunados por doenças ou preocupações comuns na vida, como pagar aluguel ou prestação da casa própria, buscar e comprar alimentos, planejar filhos e tê-los, sim, porque ficara claro que, embora estivessem sendo enviados aos pares e nada impediria que interagissem até sexualmente, reprodução, no entanto, estava fora de questão e medidas preventivas seriam tomadas.

        Vários estudos haviam sido feitos e a ideia de o trabalho ser realizado por um casal resultara ser claramente a melhor opção. Interagir com Maria Lígia foi fácil além de ser um prazer, aliás, mútuo. Ela era inteligente, caso contrário não estaria nem ali, eficiente e dedicada. Não questionava nada e fazia seu trabalho de modo irretocável e sem lacunas. Ambos se revezavam na cozinha que não era difícil de lidar. Alimentos frescos as mais das vezes congelados e insonsos.

        Dez anos são passados, a vida na esfera segue sua rotina e a espantosa velocidade também. Já deixaram o cinturão de Kuiper para traz o que significa que já estão a 7.500.000.000 km do sol ou 50 UA. A visão longínqua que tiveram de Júpiter e Saturno fora das coisas que só se veem uma vez na vida

        Ricardo começa a questionar a diferença de gêneros. Ele e Maria Lígia não constituem família, dividem as tarefas chamadas domésticas, assim como dividem as tarefas cientificas. Não é preciso cuidar de bebês nem levar filhos à escola, nem se preocupar com o que vestem e o que comem, mas as diferenças subexistem. Repartem a cama e os prazeres que ela proporciona. Nada os diferencia no tocante às tarefas a serem executadas. Continuam a ser homem e mulher, dividindo as mesmas tarefas e obrigações, mas são diferentes.

        Ele parece ter enfado da rotina, ela não. Ele questiona essa vida meio que monótona, ela não. Ele lembra histórias e piadas, como a do macaco que fazia tudo a bordo da espaçonave enquanto  a função do astronauta era lhe dar uma banana descascada a cada duas horas. Ou aquela história dos primeiros astronautas na longínqua década de 1960 que impuseram a existência de uma escotilha na capsula para que pudessem olhar para fora enquanto davam voltas em torno da Terra.

        Os engenheiros da NASA consideravam isso plenamente dispensável, por acharem a própria presença deles desnecessária visto que a coleta de dados era toda automatizada. Agora a coisa complicara e a presença humana se tornara muito importante outra vez, porque havia interações,  dependentes de um juízo crítico que extrapolava os simples cálculos que um supercomputador podia fazer.

        Então era isso... O Sistema havia alugado seres humanos perfeitos para a tarefa por um preço vil... A juventude e o espírito de aventura. Mais algumas décadas e seriam dispensáveis, substituídos por outros jovens românticos e imbecis. E agora nada a fazer, jamais conseguiria convencer Maria Lígia a parar de fazer relatórios, preencher gráficos, acionar complexos aparelhos astronômicos e simplesmente cruzar os braços em revolta. Meu Deus que destino idiota...


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