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Dica a um Amigo - José Vicente J. Camargo



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Dica a um Amigo
José Vicente J. Camargo

A secura na garganta no fim de tarde abafado, pede insistentemente um gole refrescante do drinque predileto nesse dia tenso com o sobe e desce das ações e do dólar. O mais difícil é acalmar o nervosismo dos clientes da corretora. Muitos não se satisfazem só em ouvir que, após uma crise, esse é o comportamento normal do mercado financeiro:
− Hoje é hoje, amanhã é amanhã! É necessário ter paciência, a ansiedade é a inimiga dos bons negócios... Sua carteira de investimentos está bem posicionada.
Mas muitos replicam:  
− Você diz isso, porque o dinheiro não é seu!...
E assim, nessa lengalenga, com aquela vontade de mandar o fulano praquele lugar, vou driblando as horas, de um assunto no qual não tenho a mínima chance de interferir, a não ser, observar o vai e vem dos índices e repassar aos investidores as recomendações contidas nos boletins internos dos analistas. Mas essa tensão do mercado acaba se infiltrando em você, tencionando os tendões...
Entro no bistrô do francês, na esquina da Paulista com Brigadeiro, sento no balcão, com vista para a avenida mais financeira do país, e peço com gosto, ao barman Hervê, o que ele, já me vendo, começa a preparar... Ao ouvir o chacoalhar da coqueteleira e sentir a frescura antecipada do drinque, a calma vai se instalando, ajudada pela visão do céu azul rosado com traços amarelados do pôr do sol; a silhueta dos arranha-céus que se transformam, num anseio repentino de natureza e paz, em montanhas verdejantes; o trânsito intenso em marolas de mar; os transeuntes apressados em bando de gaivotas pousando nas areias brancas da praia...
A visão se apaga com: “À Sua Saúde!”, dita pelo Hervê.
Reparo que seu sorriso está mais pálido que de costume, seu olhar menos brilhante e o rosto mais triste:
− Foi atingido por alguma bala perdida?
− Não, sou de paz e amor! Responde Hervê. Comigo não tem violência! Só filmes românticos, vídeos de aventuras e boa conversa... A dor que sinto, vem das flechadas que recebo todos os dias do sorriso dela,  tão branco e suave quanto a camélia em flor; do seu olhar penetrante e sobretudo do andar rebolante, curvas perfeitas, que me tira do foco que tenho de ter, para servir bem a clientela. Desde que passou a almoçar aqui todos os dias, com mesa cativa, não posso admirá-la como gostaria, com raios fúlgidos de desejo, mas sim de uma cliente fiel. Vem sempre acompanhada de um cordão de engravatados que a rodeiam e a miram enfeitiçados, o que só faz aumentar seu charme de “femme fatale”. De real, só recebo um: “Bom dia”; “O drinque do dia, por favor”; “Obrigada, até amanhã” e a dor aumenta... Já penso em me transferir pra cozinha, longe da visão perturbadora, mas meu “métier” é o som vibrante da coqueteleira e não a magia dos temperos...
− Dor de amor se cura com outro! Digo. Você, com essa pinta toda de galã de novela, musculatura de Tarzan, deve ter um fã clube de invejar qualquer Don Juan.
− Nem tanto, responde Hervê. Tirando o joio, só se salvam alguns grãos, e, mesmo assim, nem tão apetitosos. Nada que se compare com a minha musa. E, com a mínima bola que me dá, sinto que vou ter de abraçar a solidão. É meu grão de ouro e não sei como prová-lo.
− Fácil! Vou de dar uma dica! Siga os instintos femininos. Se ela é Vênus por fora, é manteiga de bolo por dentro. Se vive rodeada de bajuladores, vai querer provar a cereja que está de fora. O desconhecido é, para pessoas desse perfil, um desafio a vencer. E lembre-se do velho ditado: “Nem tudo que reluz é ouro”...
Ofereça a ela, como cortesia da casa, um drinque. Receita própria, preparado para mulheres especiais. Deixe um clima de mistério no ar! Ao servi-la, faça essa sua tatuagem de bailarina no braço, tremer nos músculos. Se os acompanhantes olharem invocados, diga a eles que o drinque está disponível a todos, mas a gratuidade e a dança do ventre não. Essa ação repentina e, de macho, vai quebrar a cortina de gelo que a reveste e aguçar seu interesse por você. Verá que passará a olhá-lo diretamente nos olhos, a mirar seus gestos de mãos, dedos, penteado, e outros detalhes disfarçadamente. Mas atenção: essas pessoas detestam que deem uma de “gostosão” por cima delas. Vá devagar, seja humilde, ponha-se no seu lugar, comece a comer pelas beiradas, dê tempo ao tempo que atingirás o cerne do bolo “creme de la creme”...
Armandinho chega, como sempre, pontual no boteco do português, para o início do serviço de bar. O gerente lhe entrega um envelope fechado:
− É do Machado! Disse que hoje não virá, mas que você sabe o que fazer. Não entendi muito bem, mas, com cliente não discuto. Pede e eu faço. E depois, segredinhos de funcionários não são da minha conta, desde que cumpram o que exijo.
Armandinho abre o envelope e lê:
Caro amigo,
Não sei se sabe, mas sou jornalista. Trabalho no edifício da Gazeta aí em frente. Nas horas vagas, pego papel e lápis e deixo a mente fluir. É um bom exercício mental para lubrificar os neurônios com a idade avançando. Então resolvi escrever este conto para você, depois de encontrá-lo ontem desanimado com dores de amor. Uso cenários, nomes e personagens que povoam minha mente, mas a dica que dou, serve para qualquer um, em qualquer situação e lugar. Espero que a use e que lhe dê certo.
Em caso positivo, em retribuição, aceito ser o primeiro cliente “aux concur” a degustar o drinque que você criou para o concurso “Barman Brasil”, cuja receita guarda a sete chaves, e só passará a servir no bar, após vencer a disputa (dispenso a dança da bailarina!).
Em caso negativo, não desanime, continue com o bamboleio refrescante da coqueteleira. Você tem o perfil apropriado para a profissão. Musas não são eternas: hoje é uva, amanhã é passa…
E lembre-se:
“Dor de amor se cura com outra, se possível mais intensa e dolorida...”

Do amigo,
Machado


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