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Um Vulto na Sacristia - Sérgio Dalla Vecchia



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Um Vulto na Sacristia
Sérgio Dalla Vecchia

Os sinos dobravam em um domingo ensolarado avisando fiéis para a badalada missa das onze horas.

O padre ainda na sacristia vestia-se com paramentos para a celebração de mais um rito na sua madura vida sacerdotal.

Igreja repleta, o coral cantava Adeste Fidelis conclamando as pessoas a orarem naquele momento de fé.

A paróquia era formada por famílias da classe média alta, a elegância das senhoras era realçada pela mais nova coleção de modelos prêt-à-porter e o aroma inalado na nave lembrava discretamente Provence.

Por fim, o padre deixa a sacristia guiado por dois coroinhas tilintando sininhos, e pomposo adentra no altar.

Todos se acomodam, com fé seguem os ritos iniciais, depois o rito da palavra e na sequência o mais solene rito sacramental.

No momento da comunhão, enquanto o padre segurava o cálice de hóstias em uma das mãos e com a outra entregava-as aos fiéis, pressentiu algo. Rapidamente olhou de relance para a sacristia, onde viu um vulto que parecia encapuzado.

Estranhou o fato, não deveria haver ninguém naquele instante lá. Mesmo assim seguiu com o rito final, abençoou a todos e dirigiu-se à sacristia.

Quando lá pôs os pés, deparou-se com uma cena horrível! Havia um corpo de mulher caído sobre uma poça de sangue.

O pavor tomou conta de todos, os coroinhas saíram disparados em direção aos fiéis, sem nem ao menos abandonar os paramentos.

Delegado Percival, católico praticante, sentado próximo ao altar, logo percebeu algo errado. Imediatamente agarrou pelo braço um dos coroinhas que passava correndo ao seu lado.

—Diga, garoto, o que aconteceu?

Percival imediatamente como um gato alcançou a sacristia.

A cena era chocante. O padre desesperado, tentava reanimar a pobre mulher usando todo seu conhecimento de primeiros socorros, mas nada! Ela havia levado uma facada mortal no peito.

Os paramentos estavam encharcados de sangue. O chão de mármore branco parecia um mármore vermelho de Verona.

Percival se aproximou, verificou as funções vitais da mulher e certificou-se de que estava realmente morta. Não restava a menor dúvida.

De imediato chamou a polícia técnica da divisão de homicídios.

Ouviu-se uma sirene,  logo o local foi isolado e os peritos iniciaram os trabalhos.
O delegado, atento aos detalhes, fez questão de acompanhar pari passu os trabalhos técnicos.

A mulher era linda, aparentava uns quarenta anos, longilínea, cabelos negros cortados Channel curto, unhas compridas em esmalte vermelho, vestido estampado, alta e um corpo escultural.

Joias discretas, bolsa, carteira com pouco dinheiro, cartões de crédito e documento de identidade atestando ser casada.

Verônica era seu nome, conhecida na paróquia, vinha duas vezes na semana ajudar voluntariamente em diversas atividades.

Segundo uma paroquiana mais próxima a ela, informou que o casal estava passando por uma crise conjugal e que o marido andava desconfiado de sua fidelidade.  

Percival, mesmo sendo um delegado experiente, indignava-se com o fato de alguém assassinar uma mulher tão linda.  

Era inaceitável para ele, um solteirão colecionador de romances perdidos e ainda esperançoso na busca de um verdadeiro amor.

Pôs os pensamentos no lugar,  deixou o cadáver por conta dos peritos e saiu em busca do padre para obter mais pistas.

Encontrou o sacerdote demais abatido, culpava-se por não ter interrompido a comunhão, de não ter corrido atrás do vulto e impedido o crime.

— Verônica nos ajudava muito, era muito alegre e fazia tudo com muito amor. Ajudava na horta e cuidava com primor do jardim. – Lamentava o padre.

Percival com muito jeito o consolou e iniciou um discreto interrogatório.

Padre, preciso que descreva com detalhes o vulto que senhor avistou.

Ele esforçou-se e descreveu o pouco que viu:

— Vestia um moletom escuro com um capuz que lhe escondia o rosto, mostrava estatura alta e parecia ser forte.

— Necessito também que fale das pessoas que habitualmente frequentam a área da Igreja.

Franzindo a testa, após respirar fundo o padre lhe disse:

— Dona Maria na cozinha e Valdete na arrumação, ambas colaboram na casa paroquial onde resido.

— Da horta e do jardim cuida o Lucas, ótimo jardineiro, jovem trabalhador, educado que está conosco há três meses.

—E Verônica? - Emendou Percival.

O padre pareceu ter se incomodado com a pergunta e respondeu secamente:

 — Ela era uma paroquiana que muito nos ajudava na igreja, só isso.

Percival estranhou a atitude do padre e no momento nada mais lhe perguntou. 
Virou-se e foi em busca de mais informações com Valdete, a arrumadeira.

Chegando na casa paroquial encontrou a moça desconsolada, chorando copiosamente sentada em um canto da sala.

Apresentou-se, levantando-a pelas mãos, deu-lhe um abraço confortante e a tranquilizou até que o choro sessasse.

— Você conhecia aquela moça Veronica?

Ela empalideceu e num desabafo desembuchou:

— Eu bem que avisei o padre que Verônica não prestava, mas ele estava enfeitiçado. Fazia tudo por ela e eu que sempre estive ao seu lado, dando-lhe todo meu amor, admiração, fui esquecida. O resultado aí está, ela assassinada!
— Espera aí moça, foi você quem a matou? - Arguiu Percival.

— Deus me livre, cruz credo. Eu nunca mataria ninguém!

A fisionomia do delegado mudou completamente, olhos brilhantes, sobrancelhas altivas e um discreto sorriso anunciavam o início de uma bela investigação criminal.

— Você desconfia de alguém?

Constrangida Valdete respondeu que não era dedo duro, que também não tinha certeza de nada.

— Pode falar sem medo o que sabe ou desconfia, eu te garanto segurança.

— Então delegado, tem aquele rapaz jardineiro, o Lucas, que desde quando ele chegou pedindo para cuidar do jardim, não fui com a cara dele não! Ele é daqueles que ficam encarando a gente e olhando para nossas pernas com olhos de lobo. Com o tempo começou a encarar a Verônica que vezes o ajudava no jardim. Ela sabia que era cobiçada, tinha prazer em provocar, coisa que eu nunca soube fazer.

Percival cada vez mais interessado continua a ouvi-la.

— Certo dia eu fui estender uma roupa e vi os dois se atracando no fundo do quintal atrás de uma bananeira. Nossa, fiquei até arrepiada! No dia seguinte não tive dúvidas, contei tudo para o padre com muito gosto.

— Bem-feito, quem manda se engraçar com o meu padre!

— Ele ficou possesso com a notícia. Sem pestanejar expulsou Lucas da paróquia. Isso ocorreu há três dias. - Delatou Valdete.

Depois do ocorrido o padre ficou acabrunhado, melancólico e sem apetite, até que Verônica apareceu. Ele contendo-se de ciúme e ela sem saber da delação de Valdete, cumprimentaram-se como de costume.

Acontece que Verônica foi ter ao padre para informa-lo que não frequentaria mais a paróquia, pois seu marido, ela não sabia porque, a proibira categoricamente.

Entretanto o padre enfeitiçado ainda pede a ela para encontrarem-se naquele domingo as 12:30h, logo após a missa as 11:00h. Onde conversariam com calma a respeito. Tanto insistiu que ela concordou.

Naquele fatídico dia, Verônica mentiu para o marido dizendo que assistiria a missa em outra igreja e foi ao encontro marcado.

Chegou um pouco antes das 12:30h e ficou aguardando na sacristia o termino da missa.

Enquanto isso no fundo do quintal, desenrolava-se uma luta corporal entre dois homens fortes.

O marido desconfiado que estava, seguiu Verônica até a Igreja e a viu entrar na sacristia.

Percorreu o quintal reconhecendo o terreno, atentou para a pequena horta e para o bem cuidado jardim. Farejava com intuição de marido ressabiado, em busca de alguma evidência que lhe comprovasse a suspeita.

Foi quando deparou com o Lucas, pisando firme e munido de uma faca gasta pelo uso. Andava convicto em direção a sacristia.

Eles não sabiam nada um do outro. Apenas o marido tinha ouvido alguma coisa sobre um jovem jardineiro, contada pela própria Verônica dizendo que o ajudava na horta e no jardim.

Seria ele o responsável pela alegria de Verônica quando retornava da Paróquia? - Pensava o marido ciumento.

Na dúvida foi em direção ao Lucas e logo lhe perguntou:

— Você conhece Verônica?

Lucas surpreso, saiu por instantes do transe e com raiva respondeu ao marido.
— Conheço sim, é minha namorada, sou apaixonado por ela e aquele padre desgraçado dava em cima dela e me mandou embora da Paróquia. Hoje voltei para resolver esse assunto.

O marido agora convicto, porem cauteloso perguntou-lhe:

— Você vai resolver o assunto com essa faca na mão?

— Claro que sim, é caso de vida ou morte. Não me importa quem sobreviverá.
— Ah é! - Disse o possesso marido traído.

— Então vamos ver quem sai vivo dessa.

Segurou a mão que empunhava a faca e atracou-se furiosamente com o jovem rival.

Enquanto isso, aflita e sem saber de nada, Verônica aguardava contemplando a decoração da sacristia que ela mesma havia projetado.

Eis que do nada surge um homem encapuzado, que com velocidade de um raio e sem a mínima complacência crava a faca em seu peito. A outra mão tapava a boca da agonizante enquanto com os lábios grudados em um dos ouvidos ainda lhe sussurrou:

— Minha beata esposa, eu sei de tudo, o Lucas antes de morrer me contou.

Assim o infeliz marido após essa atitude passional, recolheu-se em casa. Não se alimentava, apenas remoía a desventura em que se metera.

Enquanto isso o padre após se livrar dos protocolos do assassinato daquele domingo trágico, acolheu-se na casa paroquial.

A noite chegou e exausto foi para o quarto tentar dormir.

O sono não vinha. Apenas lembrava dos momentos que passou junto a Verônica. Sua fisionomia linda e alegre não saia da mente. A culpa por não ter conseguido salva-la espetava-lhe a alma.

De repente, o silêncio do quarto escuro foi quebrado por um pequeno ranger de porta.

O padre ainda sonolento perguntou:

— É você Valdete?

Ouviu-se o assoalho ranger por dois passos, um engatilhar de uma arma, três estampidos, um gemido e nada mais.

No dia seguinte, Percival compareceu na cena do crime chamado pela cozinheira Dona Maria.

— Cadê a Valdete? - Logo perguntou o delegado.

— Doutor, não sei não! Não apareceu até agora e já são dez horas da manhã e ela não é de atrasar.

Percival não queria acreditar que Valdete seria capaz e ter cometido esse crime. Havia confiado nela!

Assim desiludido com as pessoas, com seus amores frustrados e com a própria vida, dirigiu-se a Delegacia.

Cabisbaixo acomodou-se na escrivaninha e começou a verificar documentos até que percebeu uma pessoa em sua frente. Levantou os olhos e perguntou:
— Quem é você?

— Sou marido de Verônica. Vim me entregar!


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