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No creo em duendes, pero... - Ledice Pereira


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No creo em duendes, pero...
Ledice Pereira


Mariquinha acabara de quebrar um copo. Não era um copo qualquer. Era aquele do qual a mãe tinha o maior ciúme. O último que restara do jogo ganho no casamento.

Ela não podia explicar como isso foi acontecer. Tinha sempre o maior cuidado. Mas era a segunda vez naquela semana. Era como se alguém a tivesse empurrado. Ela perdeu o equilíbrio e o copo foi parar longe. Agora era apenas um monte de cacos. Nem dava para colar.

A mãe, levada pelo barulho, foi encontrá-la na cozinha, sentada no chão e debulhando-se em lágrimas.

─ O que aconteceu, Mariquinha, você se machucou?

E ela mal podia explicar. As lágrimas pulavam longe, ensopando o aventalzinho surrado, os soluços impediam-na de falar.

A mãe abraçou-a, tentando consolá-la.

─ Não fique assim. Foi apenas um copo.

Quando se acalmou, a menina tentou explicar aquela sensação que já sentira outras vezes.  A de que tinha sido empurrada.

De dentro do armário, dois olhinhos marotos acompanhavam o episódio, contendo o riso.

Finalmente tinha conseguido. Aquela menina era osso duro de roer. Várias vezes tentou fazê-la derrubar o que tinha na mão, mas ela, muito esperta, segurara firme deixando-o raivoso e desapontado. Tinha prometido se vingar. Insistiria até conseguir.

Na verdade, o que queria é que a menina levasse a vida menos a sério. Ela tinha apenas doze anos e já era tão responsável!

Mariquinha tinha sido criada sem pai, que foi embora assim que seus irmãos gêmeos nasceram. Ela, muito cedo, sentiu a responsabilidade de ajudar a mãe. Ajudava-a muito com a casa e com os pequenos que agora já estavam com quase cinco anos.

A mãe fora obrigada a procurar o que fazer para sobreviver. Lavava e passava roupa das famílias abastadas da pequena cidade de Vila Real em Trás os Montes, Portugal. Mariquinha ajudava no que podia. Fazia o rol das roupas e ajudava a dobrar, já que não sabia ainda usar o ferro de passar.

Cuidava dos irmãos, dando-lhes banho e colocando-os para dormir. Era assim que brincava de casinha. Não tinha amigos.

Trasgo, o duende da região, acompanhava de perto a luta da família e queria se aproximar até para ajudar, mas era desajeitado e acabava botando os pés pelas mãos.

Certo dia,quando ela varria a pequena varanda fez-se passar por um mendigo e pediu um copo de água. A garota foi lá dentro pegar e quando voltou não mais o encontrou. E assim foram várias as vezes que Trasgo se fez presente. Ora como mendigo, ora como moleque fazendo travessuras,

Mariquinha já havia escutado falar sobre esses seres sobrenaturais, mas não dava ouvidos, embora tivesse um pouco de medo.

As vizinhas contavam das traquinagens do duende, sumindo com as coisas ou mesmo quebrando-as. Ela achava engraçado e comentava com a mãe que aquelas mulheres ficavam inventando histórias para assustá-las.

Mas, naquele dia, começou a pensar em como aquilo tinha acontecido. Como aquele copo, tão estimado pela mãe, havia saltado de suas mãos, parecendo ter vida. Realmente aquilo era muito estranho. Ligou alguns fatos. O mendigo, o moleque que às vezes aparecia e, como por encanto, desaparecia. Resolveu ficar esperta. Ia desmascarar aquele intruso.

E foi assim que na primeira oportunidade que teve, ao avistar aquela figura já conhecida, em vez de ir buscar o que ele pedia, segurou-o firme amarrando-lhe as mãos com uma corda que havia deixado escondida no jardim com aquele objetivo mesmo.

Pegou-o desprevenido e ele começou a espernear tentando se soltar do laço que ela havia preparado. Como era pequeno não conseguiu e começou a chorar e pedir pra que ela o soltasse.

Ela estava irredutível. Deixou-o chorar bastante até que falou duro com ele.

─ Olha aqui seu Trasgo, nunca mais se meta a besta comigo. Sei muito bem como tratar moleque levado. Tenho quase o dobro do seu tamanho e posso deixá-lo amarrado aí, sem comer e sem beber, até amanhã. A não ser que prometa nunca mais vir me incomodar aqui na minha casa, me fazendo quebrar coisas, nem vindo me atrapalhar pedindo água e indo embora.. Tenho muito que fazer.

E Trasgo, desmascarado, muito sem graça, resmungou:

─ Tá bom, menina ingrata, eu só queria ser seu amigo. Queria mostrar que você é muito pequena para levar a vida tão a sério. Afinal, você precisa brincar também. 


Depois desse dia, o duende não mais atormentou Mariquinha, que resolveu conversar com a mãe, convencendo-a de que deveriam levar a vida de maneira mais leve. A mãe concordou e ambas passaram, todas as tardes, a preparar pequenos lanches, levando os gêmeos à beira do rio, onde podiam brincar, correr, ouvir histórias, ver os patinhos e peixes que ali nadavam,  enfim, ter uma vida mais divertida.

Essa mudança foi positiva para toda a família que acabou interagindo mais além de fazer novas amizades, tornando-os mais animados, alegres e felizes. 

Trasgo, de longe, só espionava, vendo que Mariquinha tinha lhe dado ouvidos  e que, portanto, sua traquinagem havia valido a pena.


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