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A chave da caixinha de música - Maria Verônica Azevedo

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A chave da caixinha de música
Maria Verônica Azevedo


— Faz muitos anos que estou presa neste velho chaveiro. Aqui neste antiquário ninguém vai me querer para nada. Pudera! Não sabem de onde eu vim e não consigo me comunicar.

 — Ei vocês que estão na mesma situação, como se sentem?

 Uma grande chave preta de ferro se manifestou:

 — Eu estou bem aqui. Estou muito velha e agradeço o descanso sempre no escurinho desta gaveta. Já trabalhei demais para abrir e fechar aquela arca do mascate, que corria pelo sertão vendendo mercadorias de porta em porta.

 — Nossa, devia ser bem interessante fazer tantas viagens... Conhecer outras cidades... Ouvir muitas conversas... Viver emoções.

 — É verdade. Já vi muita coisa estranha por estas estradas. Mas também tomei muita chuva com trovoadas e tudo mais. Uma vez fui perdida, quando meu dono cochilou no lombo do cavalo e o burro que o seguia se assustou com um gavião. O asno desembestou numa carreira e não parava mais. Ele conseguiu correr tanto assim, porque a féria tinha sido muito boa, com a venda de toda a mercadoria. O baú estava vazio. Eu enfiada no buraco da fechadura. Estávamos indo de volta para casa. Caí na beira da estrada e lá fiquei até o dia seguinte, quando o mascate voltou para me procurar.

 — Acabo de mudar de ideia sobre você. Tão velha... Tão escura e sem graça, mas como uma história cheia de emoções.

 A chave preta, sem dar importância ao elogio, observou o contraste entre elas:
 — E você? Assim bonita, assim dourada, toda de latão reluzente. Deve ter tido uma vida fácil cheia de charme.

 — Que nada. Minha vida era sem graça. Sempre no bolso do avental da Gertrudes. Ela ficava muito sozinha. O marido vinha, e ia logo embora.

Ela quase não saía de casa e como tinha muito ciúme de mim não me largava de jeito nenhum.

 — E para que você servia?

— Eu abria a caixinha de música de estimação de minha dona.

 — Ei! A mulher de meu dono se chamava Gertrudes. Que coincidência!

 — Talvez não seja coincidência. O mascate trazia sempre para vender muitos mimos que os rapazes gostavam de comprar para presentear as namoradas.

Tinha bibelôs, colherinhas de prata, espelhos de mão combinando com a escova de cabelo, estojos de toucador, cortes de seda, camisas de cambraia bordada e com certeza caixinhas de música.

 — Estou percebendo o que você está pensando. Talvez a sua Gertrudes e a do meu dono sejam uma só.

 — Agora como é que viemos parar nesta loja cheia de coisas velhas desprezadas?

 — Não sei você, mas um dia eu percebi um movimento estranho na casa. Não vi nada porque estava dentro do bolso do avental. Mas podia ouvir o que falavam. Estavam sendo despejados e tudo ia a leilão.

 — Eu só ouvi o lamento da Gertrudes.

 — Por favor! Não levem minha caixinha de música. Ela é uma recordação de minha mãe!

 — Nada disso. Minha senhora. Tudo aqui vale dinheiro... As dívidas precisam ser pagas.

 — O choro cessou. Só ficaram os soluços.

 — Ah! Entendi. A caixinha foi embora e você ficou no bolso do avental.

— Pois é. Na hora, eu até achei bom, pois continuaria com minha dona. Mas não demorei a descobrir que perdera a utilidade. Gertrudes acabou se esquecendo de mim no fundo de uma gaveta. De lá, fui para o antiquário, junto com um monte de coisas, quando a minha dona morreu.

 — Quando meu dono morreu, eu também fui parar no antiquário. Mas a minha arca passou a servir de banco na casa do boticário. Foi dada em pagamento das dívidas que o mascate tinha com ele. Esqueceram-se de entregar a chave. A arca estava vazia e destrancada. Ninguém se lembrou da chave.


Dali a alguns dias o dono da loja resolveu dar uma ordem nas gavetas. As duas velhas chaves, presas numa mesma argola, foram penduradas num prego na parede do antiquário. Lá ficaram a espera de um colecionador qualquer

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