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O PEQUENO GRÃO DE AREIA - Oswaldo U. Lopes

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O PEQUENO GRÃO DE AREIA
Oswaldo U. Lopes

Um pequenino grão de areia
Que era um pobre sonhador
Olhando o céu viu uma estrela
Imaginou coisas de amor.

Passaram anos, muitos anos
Ela no céu e ele no mar
Dizem que nunca o pobrezinho pode com ela encontrar

Se houve ou se não houve
Alguma coisa entre eles dois
Ninguém soube até hoje explicar
O que há de verdade
É que depois, muito depois
Apareceu a estrela do mar

        Quem andando a beira mar, pisando na areia, com os pés na água e encontrando uma estrela do mar, não parou e ficou pensando nos versos de Paulo Soledade, na voz de Dalva de Oliveira?

        Eu já parei, olhei para baixo e depois para o céu e fiquei ali encurralado pela pequenez do grão e a imensidão da Via Láctea. Será que houve alguma coisa entre eles afinal?

        A estrela do mar anda sumida, mas quando mais jovem me deparei com várias, fugidias, escavantes, mas bonitas, fruto de um amor impossível?

        Quem nunca viajou na solidão pensando de onde veio, para onde vai? Nascemos solitários e do mesmo modo morremos, mas no caminho com quantas estrelas cruzamos? Quantos sonhos vivemos, quantas esperanças perdidas, quantos amores achamos?

        Nessa história sempre fui grão de areia, fincado no chão, sem muita mobilidade, olhando a estrela e com ela sonhando.


        Muitas vezes houve alguma coisa e, muitas vezes, não houve. Semeei estrelas pequenas e brilhantes e também semeei inúteis carcaças. Vivi enfim, de tanto olhar para cima, muitas vezes tropecei, faz parte.

A chave da caixinha de música - Maria Verônica Azevedo

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A chave da caixinha de música
Maria Verônica Azevedo


— Faz muitos anos que estou presa neste velho chaveiro. Aqui neste antiquário ninguém vai me querer para nada. Pudera! Não sabem de onde eu vim e não consigo me comunicar.

 — Ei vocês que estão na mesma situação, como se sentem?

 Uma grande chave preta de ferro se manifestou:

 — Eu estou bem aqui. Estou muito velha e agradeço o descanso sempre no escurinho desta gaveta. Já trabalhei demais para abrir e fechar aquela arca do mascate, que corria pelo sertão vendendo mercadorias de porta em porta.

 — Nossa, devia ser bem interessante fazer tantas viagens... Conhecer outras cidades... Ouvir muitas conversas... Viver emoções.

 — É verdade. Já vi muita coisa estranha por estas estradas. Mas também tomei muita chuva com trovoadas e tudo mais. Uma vez fui perdida, quando meu dono cochilou no lombo do cavalo e o burro que o seguia se assustou com um gavião. O asno desembestou numa carreira e não parava mais. Ele conseguiu correr tanto assim, porque a féria tinha sido muito boa, com a venda de toda a mercadoria. O baú estava vazio. Eu enfiada no buraco da fechadura. Estávamos indo de volta para casa. Caí na beira da estrada e lá fiquei até o dia seguinte, quando o mascate voltou para me procurar.

 — Acabo de mudar de ideia sobre você. Tão velha... Tão escura e sem graça, mas como uma história cheia de emoções.

 A chave preta, sem dar importância ao elogio, observou o contraste entre elas:
 — E você? Assim bonita, assim dourada, toda de latão reluzente. Deve ter tido uma vida fácil cheia de charme.

 — Que nada. Minha vida era sem graça. Sempre no bolso do avental da Gertrudes. Ela ficava muito sozinha. O marido vinha, e ia logo embora.

Ela quase não saía de casa e como tinha muito ciúme de mim não me largava de jeito nenhum.

 — E para que você servia?

— Eu abria a caixinha de música de estimação de minha dona.

 — Ei! A mulher de meu dono se chamava Gertrudes. Que coincidência!

 — Talvez não seja coincidência. O mascate trazia sempre para vender muitos mimos que os rapazes gostavam de comprar para presentear as namoradas.

Tinha bibelôs, colherinhas de prata, espelhos de mão combinando com a escova de cabelo, estojos de toucador, cortes de seda, camisas de cambraia bordada e com certeza caixinhas de música.

 — Estou percebendo o que você está pensando. Talvez a sua Gertrudes e a do meu dono sejam uma só.

 — Agora como é que viemos parar nesta loja cheia de coisas velhas desprezadas?

 — Não sei você, mas um dia eu percebi um movimento estranho na casa. Não vi nada porque estava dentro do bolso do avental. Mas podia ouvir o que falavam. Estavam sendo despejados e tudo ia a leilão.

 — Eu só ouvi o lamento da Gertrudes.

 — Por favor! Não levem minha caixinha de música. Ela é uma recordação de minha mãe!

 — Nada disso. Minha senhora. Tudo aqui vale dinheiro... As dívidas precisam ser pagas.

 — O choro cessou. Só ficaram os soluços.

 — Ah! Entendi. A caixinha foi embora e você ficou no bolso do avental.

— Pois é. Na hora, eu até achei bom, pois continuaria com minha dona. Mas não demorei a descobrir que perdera a utilidade. Gertrudes acabou se esquecendo de mim no fundo de uma gaveta. De lá, fui para o antiquário, junto com um monte de coisas, quando a minha dona morreu.

 — Quando meu dono morreu, eu também fui parar no antiquário. Mas a minha arca passou a servir de banco na casa do boticário. Foi dada em pagamento das dívidas que o mascate tinha com ele. Esqueceram-se de entregar a chave. A arca estava vazia e destrancada. Ninguém se lembrou da chave.


Dali a alguns dias o dono da loja resolveu dar uma ordem nas gavetas. As duas velhas chaves, presas numa mesma argola, foram penduradas num prego na parede do antiquário. Lá ficaram a espera de um colecionador qualquer

POR TRÁS DA CACHOEIRA - Sérgio Dalla Vecchia

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POR TRÁS DA CACHOEIRA
Sérgio Dalla Vecchia

Havia um ninho muito bem tramado por trás de uma volumosa queda d`água, nos sertões do Piaui. Um casal das conhecidas andorinhas do penhasco, o construíra em um pequeno nicho da parede rochosa.

Após algum tempo os ovinhos eclodiram e deles nasceram dois esfomeados filhotes. Os pais não se cansavam das idas e vindas, atravessando com destreza e malabarismos, a cortina d`água para alimentar os pequenos, que aguardavam com bicos escancarados.

Logo já estavam empenados e tentavam arriscar os primeiros voos.

Assim a natureza os lançou ao ar! Voavam ainda com a insegurança de principiantes até que, após algumas aterrissagens desajeitadas, conseguiram evoluir na qualidade dos voos.

Certo dia o par de filhotes, empolgado em novas manobras perderam-se dentro da névoa, para desespero do casal de andorinhas.

Procura daqui, acolá e nada!

Em mais uma busca o casal encontrou uma fenda bem disfarçada, na parede, escondida atrás da cortina d`água.

Com uma manobra radical à direita, penetraram velozmente fenda adentro.

Descortinaram um portal maravilhoso, feito em mármore, envolvido com trepadeiras, mostrando uma diversidade imensa de flores. Por trás apresentava-se um arco íris muito bem definido complementando as boas-vindas para o visitante encantado.

Mais uma manobra rápida e vupt, portal adentro.  Ouviram uns pios de socorro. 
Reconheceram ser os filhotes, logo os encontraram empoleirados juntinhos, em um arbusto, tremendo de medo.

A família encontrou-se com estrepolias, carinhos e pios de alegria.

Acontece que embaixo do arbusto havia um lindo tapete vermelho, trabalhado com desenhos coloridos em diversos formatos.

A família encantada pela beleza e movida pela curiosidade, pousou sobre o convidativo tapete.

Instantaneamente ele enrolou-se, envolvendo os pássaros arrancando em alta velocidade.

Algum tempo depois aterrissaram.

O lugar era composto por uma vegetação exuberante com imensas folhagens, chifres de veado, singônios, imbés, curculigos e outras tantas espécies.

O clima era úmido envolto em uma suave névoa.

A família ainda sem entender onde estavam, foi pega por uma rede fina e nela se emaranharam.

Indefesos, foram carregados por um homem muito alto. Parecia o gigante do pé de feijão.  

Após algum tempo de caminhada o gigante entrou em um castelo no alto de uma colina. Lá chegando, transferiu os pássaros para um enorme viveiro.

Qual foi o espanto, quando perceberam que dentro daquele viveiro existiam outros tantos pássaros. Canários da terra, bem-te-vis, sabiás, coleirinhas, pica-paus e outros pulavam de galho em galho alvoroçados pela chegada dos novatos.

Foram se conhecendo e logo estavam ambientados.

Pela conversa, descobriam que o filho do gigante é quem gostava de passarinhos, e todos estavam aprisionados para alegrá-lo. Ele sofria de uma doença rara que o impedia de sorrir. Era só tristeza.

A andorinha mãe não se conformou pela situação de sua família e com a doença do pequeno gigante.

Reuniu as outras mães e após confabularem arquitetaram o seguinte plano para curar o meninão.

Assim com uma linguagem mista de mímica, piruetas e pios, convenceram o gigante a solta-los para que fizessem cócegas no gigantinho.

Foi um sucesso, os passarinhos bicavam levemente e roçavam as garrinhas nos braços, na barriga, nos cabelos, acariciando todo o corpo. O meninão não se aguentava de tanto rir.

Foram repetindo a dose por dias seguidos.

Quando perceberam que tinham liberdade total no Castelo e o gigantinho feliz da vida, executaram a segunda etapa do plano. Fuga em massa!

Na hora marcada, a passarada se preparou, e Zaz!

Debandaram todos sem olhar para trás.

Da janela, o gigante junto ao filho, apreciava aquela revoada colorida.

Ele tinha poderes para aniquilar todos os fujões, mas olhando para o filho, recebeu um largo sorriso que mudou seu pensamento.

O menino estava curado!  

Fantástico. - Ana Maria Pinto



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Onde estão os aprendizes de ofícios?  
Ises A. Abrahamsohn

        De uns cinco anos para cá tenho observado um fenômeno que se agravará muito daqui pra frente. Já causa problemas, mas perturbará a tranquilidade doméstica de todos, ricos e pobres. Não, não se trata de aumento da criminalidade ou de nova estiagem nos reservatórios de água de São Paulo. O que está acontecendo é o progressivo e acelerado desaparecimento de pessoas capacitadas a fazer consertos e manutenção de equipamentos de uso comum doméstico.

        É cada vez mais difícil encontrar alguém para consertar ou verificar instalações diversas em nossas casas. São escassas as pessoas competentes. Talvez a economia do país se beneficie no futuro com isso. “Não conserte, substitua” creio que será o moto da economia em menos de dez anos. Agora já é aplicável aos pequenos eletrodomésticos. Todos já ouvimos a frase: Não compensa mais consertar; não há mais peças, o novo custa o preço do conserto.

        Já me resignei a ter de encostar o meu amado e eficiente aspirador de pó de vinte anos quando der o último suspiro.

O que me preocupa mais é que nenhum jovem aprendiz ou auxiliar acompanha os competentes e já idosos consertadores de geladeira, fogão, portão eletrônico, aquecedor a gás ou ar condicionado. Esses equipamentos pelo menos por enquanto são caros e não descartáveis. Talvez venham a ser no futuro quando não mais existirem pessoas que saibam como consertá-los.

Perguntei a alguns desses senhores por que não têm auxiliares ou aprendizes. A resposta foi que os jovens não querem ofícios ou serviços que “sujam” as mãos.
—Todos querem trabalhar em escritório, atrás de um computador, mesmo que ganhem salário mínimo, foi o comentário geral.

E é verdade. A grande maioria dos jovens desempregados ou subempregados concluintes de ensino médio, sem perspectiva de continuar os estudos, não se interessa em aprender algum ofício mais simples. Também não querem investir em um aprendizado prático, sem se dar conta que sempre estarão em subempregos, sem nenhuma capacitação a oferecer.

Loura ou morena - Ises A. Abrahamsohn


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Loura ou morena
Ises A. Abrahamsohn

Lívia levantava cedo para ser uma das primeiras a chegar ao escritório. Agora estava bem mais perto, nem precisava de condução. Podia ficar mais meia hora na cama. Lá fora uma garoa embaçava as janelas do apartamento. Rapidamente vestiu-se e engoliu o copo de leite com chocolate enquanto pensava que precisava comprar cortinas. À frente do prédio percebeu que a chuva tinha aumentado; ficou indecisa se valia a pena trocar os sapatos.

Na calçada foi abordada por um estranho que lhe dirigiu um animado  Bom dia! Ia responder quando, de repente, ele a agarrou e a fez entrar num carro parado ali mesmo em frente ao edifício.

Quis gritar, mas logo uma mão tapou-lhe a boca e ela foi empurrada contra o assoalho do carro. O motorista arrancou enquanto o agressor a amordaçava com uma tira adesiva. Começou a espernear, mas o homem usou os dois pés para mantê-la deitada. Logo um capuz foi-lhe enfiado na cabeça e as mãos foram amarradas nas costas. Não conseguia ver nada. Era inútil lutar e ficou ali, imobilizada, esforçando-se para não entrar em pânico.

Lívia não chorava. O pavor era demais. O que querem comigo? Não tenho dinheiro. Mal e mal pago as contas do mês. Não tenho parentes nem amigos importantes... Deve ser um engano. Pegaram a pessoa errada. Acabei de me mudar para este apê aqui em Botafogo. Foi um achado. Pequenino, bem cuidado, bem localizado, quase divisa com Copacabana.

Lívia lembrou o que o rapaz da imobiliária contou sobre os proprietários. Era um casal jovem que repentinamente, há menos de um mês, tinha se mudado para Petrópolis.

̶  Deve ser isso, pensou. Os bandidos devem estar atrás daquele casal. Tenho que mostrar que eu não sou quem eles pensam. Tenho que manter a calma...
A moça sentiu que o carro avançava por outro terreno. Estrada de terra, esburacada... Para onde estão me levando?

̶ Chegamos, belezoca. Agora tu vai explicar onde foi parar a grana do último pacote. Eram mil papelotes da boa.

Lívia não podia responder. O captor puxou-a para fora do carro. Ajoelhada na terra o homem arrastou-a viciosamente pelos punhos até que ficasse em pé.

 ̶  Vai andando, dizia, enquanto a empurrava, cambaleante, através de uma porta.

̶  Senta. A moça percebeu que era dirigida para um sofá.

̶  Chefe. Tá aqui. Trouxemos a loira do apê de Botafogo.

O homem puxou o capuz. Lívia viu que estava no que seria a sala de um barraco de madeira: a única janela de duas bandas meio encostadas não deixava ver o exterior. Uma lâmpada nua iluminava o recinto. Além do sofá imundo onde estava sentada, apenas uma mesa e algumas cadeiras de plástico.

Sentado à mesa estava o chefe. Sujeito miúdo, pardo, de cara inexpressiva que a examinava com atenção.

̶  Seu idiota. Pegou a mulher errada. Não é a Célia, mulher do Carlinhos Botafogo.

̶  Como não é, chefe? Fiz tudo direito como mandou. Conferi ontem o número do prédio. Esperei na calçada. Liguei antes para o apê e vi ela sair do elevador... Só pode ser ela. Foi o que me falaram, loira tingida do apartamento 62. É a mulher do Botafogo.

Lívia, apavorada, pensou. Putz, se eu não tivesse tingido de louro na semana passada.

̶  Tá vendo moço. Não sou a Célia. Eu me chamo Lívia e mudei faz cinco dias. Me deixe ir embora. Não tenho nada a ver com o pessoal que morava lá. Aluguei pela imobiliária.

̶  Moça, não tenho nada contra ôce! No normal daria um tiro e o Lourival aqui despejaria nas lagoas dos jacarés. Hoje tô de bom humor.

̶  Lourival, bote o capuz nela, bota o silêncio e larga ela bem longe.

̶  Sei não ,chefe. De repente ela reconhece nóis!

̶  Obedece estrupício. Tô vendo que tu tá loco pra tirar uma casquinha. Hoje não. Não quero complicação! Obedece!

E Lourival obedeceu. No carro ainda ameaçou.

̶  Se der um pio, já sabe. Teve sorte. Tava loco para pegar uma loirona gostosa.
Lívia sentiu o carro parar e ser empurrada para fora. Estava em uma estrada. Conseguiu rolar até bater na guia. Silêncio, chão molhado, cantar de passarinhos e frio....

̶  Devo estar na floresta da Tijuca. Só resta esperar.

Foi achada e libertada por um ciclista. Mal conseguiu se levantar. Fora uns machucados e manchas roxas estava viva. O rapaz a levou para casa.

No dia seguinte, os cabelos de Lívia voltaram a ser castanhos. Loura, nunca mais!

O GESTO HUMANO - Oswaldo U. Lopes

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O GESTO HUMANO
Oswaldo U. Lopes

        Há um verso de Camões que sempre me intrigou. Ele esta no CANTO III – EPISÓDIO DE INÊS DE CASTRO:

-“Ó tu, que tens de humano o gesto e o peito”.

         Como reconhecer pelo gesto, o humano? Não são os humanos os proprietários da comunicação gestual. A verbal, sim, feita através da linguagem falada ou escrita seria uma característica exclusiva do homo sapiens.

        Todos somos capazes de lembrar situações em que nos ocorreu dizer: “só falta falar”, nos referindo a um determinado animal. O papagaio, além de titular de incontáveis (quer pelo número, quer pelo conteúdo) piadas, mereceria um lugar a parte, porque os estudiosos ainda não chegaram a uma conclusão se ele emite sons aleatórios ou os emite de modo sistemático e organizado.

        Cachorros, cavalos, gatos, burros que são animais de convivência mais próxima já foram e serão alvo da observação de que: só falta falar.

        Recentemente, por causa do exame nacional do ENEM a linguagem libras deu o que falar, ou melhor, o que escrever. É bom lembrar que libras não se refere a um signo do Zodíaco, mas a abreviação de: Linguagem Brasileira de Sinais. É curioso que cada cultura acaba criando a sua própria linguagem de sinais e ela se aplica apenas aquele reduto geográfico. Embora seja o português a língua falada no Brasil, nossa linguagem de sinais é diferente da portuguesa o mesmo se dando com outras culturas.

        A comunicação não verbal compreende quatro campos. Dois são simples de entender e de explicar:

Paralinguagem – relacionada às características sonoras. Intensidade, pausas, velocidade, volume são costumeiramente sentidas e compreendidas.

Cinésica - compreende os movimentos executados enquanto se fala, expressões faciais e gestos do corpo, sobretudo das mãos. Aqui de novo aparece o aspecto cultural de uma dada sociedade. A globalização esta dissolvendo um pouco este fator que, no entanto, subsiste. Nos divertimos muito em comparar gestos e expressões que têm diferentes significados para diferentes povos.

        As outras duas se colocam como que no espaço físico da comunicação e são, talvez por isso, mais difíceis de perceber:

Proxêmica – diz respeito ao espaço e ao ambiente utilizado pelo comunicante. Os artistas de teatro aprendem a dominá-la como condição ao sucesso.

Aparência física – e destacada em qualquer manual de: como obter um emprego na primeira entrevista.

        Muito bem,  explicações dadas e feitas, continuamos a procurar o gesto humano. Há uma passagem no Evangelho de Lucas, conhecida como – OS DISCIPULOS DE EMAÚS – que senão nos esclarece nos comove. Ela encontra-se apenas no texto de Lucas e não é referida ou contada por nenhum dos outros três evangelistas. Luc. 24. 13-35

        Reproduzo aqui parte dela que fala do gestual de Jesus:

E aconteceu que, quando estava sentado com eles à mesa tomou o pão e o abençoou e partiu e lhes dava. E se lhes abriram os olhos e o reconheceram, mas ele desapareceu da vista deles... E eles contaram o que tinha acontecido no caminho e como o conheceram ao partir do pão.”

        Ai estamos, prezado leitor, Jesus caminhara com eles apreciável distância, conversara e lhes dera explicações, mas não o reconheceram porque tinham-no visto morto na cruz e enterrado. Foi o gesto de partir o pão que o revelou. Que força que poder tinha o gesto de partir o pão.


        Chegamos mais ou menos de onde partimos. Inês a que estava linda e posta em sossego tenta entender se são humanos os que vão mata-la, Jesus se dá a conhecer pelo gesto de partir o pão. Os gestos do carrasco e do parteiro são reconhecíveis e conhecidos, um traz a morte, o outro a vida. 

FIM PROGRAMADO - Oswaldo Romano


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FIM PROGRAMADO
Oswaldo Romano

        Essa foi forte. Esprimida. Se continuarem assim, dificilmente vou resistir.
        Estou sujeita. Dependo muito das pessoas. Se crianças, fica mais sustentável. Velhos, dou risadas, principalmente quando mal me veem.

        Tudo é muito gozado. Enlatada eu descanso. Ao ar livre, me refresco, sinto ar, sinto vida. Tem também suas desvantagens. Me sujo muito.

Nas desavenças, sofro vendo nulidades discutindo. Oh, gente de sangue quente. Mentem, sempre.  Lembram transtornos de monges. Brigam, sem se tocar.

De manhã é pior. Eles vêm com uma fome danada. Tento me segurar, mas é difícil. Aguento, é meu destino.

        Quando não dá mais, meu grito é silencioso, ofegante. Em vez de conforto e carinho, sou exibida. Falta de respeito, injustiça. Me raspam, fico amarelada, por que já sou de natureza. Jogam-me fora. Consideram-me velha.

        Quase sempre acabo sendo divertimento de cachorro. Alias os cachorros me adoram, são delicados, apenas me seguram, nunca levei uma mordida. Tenho receio quando me entregam aos seus donos.  Não adianta. Jogam-me violentamente para os cantos, quanto mais longe, maior é a satisfação.

        Quando me aposentaram pensei ganhar uma vida melhor. Não essa vida de cachorro.

        Nunca perdi a esperança.

        Enfim, também adoro cães.

         Fui uma linda bolinha de tênis. Pegavam-me, olhavam-me com carinho e altos pensamentos, antes de atirar-me.


        Comparando o sucesso que passei nas quadras de luxo, com estas de grama e mato, fico com estas. Adoro meus cães!

O ARMISTÍCIO DAS BATATAS - Carlos Cedano

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O ARMISTÍCIO DAS BATATAS
Carlos Cedano

Sou uma abóbora e adoro escutar conversas alheias, se tem briga melhor ainda, gosto de fofoca! Três de minhas vizinhas são batatas de diferentes variedades que estão sempre discutindo por qualquer motivo e algumas discussões são até um pouco agressivas. Hoje “conversarão” sobre qual das três é a melhor para a humanidade.

O debate será público e eu fui eleita moderadora. Ufa, que responsabilidade!

A primeira a falar é a Batata Doce que nos disse, com certa falta de modéstia, que a mais importante para a humanidade é ela. Por quê? Ora, sou a maior, a mais doce e a mais bonita, em suma, a mais gostosa. Além disso, meu corpo por ser maior contêm mais energia,  meu sabor melhora a qualidade dos quitutes.  Todos os homens ficam encantados com minha suavidade e sentem enorme prazer ao degustar-me!

A Batata Inglesa, com sua postura aristocrática e fleumática, disse ser a mais conhecida e alimenta grande parte do mundo, é a mais popular e a mais difundida por estar ao alcance de ricos e pobres. Minha raça salvou muitas vezes o mundo da fome e não foram poucas as vezes que o único que os homens tinham para comer era a batata e que meu país levou-a para os países flagelados pela fome. Não acham que sou a melhor? Concluiu com certa arrogância!

A Batata Serrana não falava muito, mas observava atentamente e por isso começou falando para o coração dos assistentes e disse: somos pequenas e nosso sabor não é dos melhores, mas somos resistentes, lutamos com coragem para sobreviver nos momentos difíceis através dos milênios, crescemos em terras inóspitas e extremamente frias. Nosso valor está na nossa capacidade de nos adaptarmos às piores condições, por isso somos a esperança para a sobrevivência da humanidade no futuro!

Acabado o embate de ideias, as três batatas se olharam durante certo tempo e logo as três ao mesmo tempo, riram. Sim, nós três somos importantes para a humanidade e daqui em diante não brigaremos. Decidiram assinar um armistício de paz adotando o lema: Os homens precisam de nós!


Eu fiquei feliz e cada vez que passam passarinhos, ratinhos, ou outros bichos por aqui, eu os reúno e lhes conto essa maravilhosa historia que merece ser difundida por todos os cantos do mundo, não acham vocês?

A CHAVE DA RESISTÊNCIA - Oswaldo U. Lopes

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A CHAVE DA RESISTÊNCIA
Oswaldo U. Lopes

        Éramos duas iguais, antigas, grandes e pesadas. Tinha gente que dizia de nós que éramos das primeiras e colocava nossa origem no século XVIII. Junto com nossa parceira, a fechadura, servíamos para trancar e bloquear espaços. Móveis, corríamos o risco de perda o que não ocorria com nossa parceira, sempre presa numa porta ou portão.

        Adivinhou, somos chaves. Modelo antigo, feitas a mão, no geral carregadas numa argola. Moramos e sempre vivemos numa pequena cidade italiana, na Toscana, com o curioso nome de Bellosguardo, no caminho de Livorno. Ultimamente, nosso habitáculo era uma sacristia, cada uma presa solitária de uma separada argola. Era um costume ancestral, evitava a perda das duas juntas e o transtorno de abrir o galpão na pancada.

        Abríamos e fechávamos um prédio antigo que não tinha nem janelas, apenas uma pesada porta que ao ser aberta iluminava um amplo salão de pedra com um assoalho rustico. Esse salão ficava encostado à Igreja e já tivera os mais variados usos, desde guarda de vinho, guarda de azeite, depósito de grãos etc. dependendo da ocasião e das necessidades locais. Atualmente quem cuidava de nós era a velha Gerusa que nos escolhia ao acaso e limpava cuidadosamente o galpão.

        Corria o ano de 1943, Mussolini havia sido deposto e a Itália assinava uma paz em separado com as forças aliadas. Durante o período da ditadura do chamado Duce (Mussolini), a população da Itália encontrava-se dividida entre seus partidários e seus opositores, uma divisão sangrenta que causou a perseguição e morte de muitos civis. Mussolini governara com mão de ferro, agora, no entanto, perdera o brilho, mesmo libertado pelos nazistas era apenas uma sombra do que fora e dependia totalmente dos alemães para sobreviver.

        Nesse meio termo, os aliados fizeram sua primeira ação no continente europeu, invadiram e tomaram a Sicília.

        A Alemanha não mais confiando nos italianos, por sua vez, invadiu e tomou a Itália, instalando lá poderosas forças militares. Isso, como que uniu a população, agora havia um inimigo conhecido e temido “i maledetti tedeschi”.

        Bem e nós as pobres chaves com isso? Os alemães tomaram Bellosguardo e resolveram fazer dela um ponto de apoio logístico, um centro de intendência. 

Nada mais simples, observaram o galpão, concluíram judiciosamente pela sua importância, informaram-se de sua origem e atual domínio e num átimo, invadiram a sacristia e tomaram uma de nós. Mais tarde esse abandono de uma das chaves, revelou-se um terrível engano.

        Por hora, sopa no mel, fizeram uns poucos buracos para ventilação e atulharam o galpão com munição e explosivos. Não se preocuparam muito com a guarda do local, já que em Bellosguardo, nesse momento, só se encontravam velhos, mulheres e crianças. Foi outro engano como se verá.

        Havia no povoado um bando de mulheres que integrava a resistência italiana. Não participavam da luta armada, como mais tarde o fizeram as mulheres do Vale do Pó e do Arno. Eram, no entanto, à sua maneira, muito eficientes na produção de documentos falsos, sobretudo passes nazistas para facilitar a movimentação e fuga de prisioneiros e dos partigianni.

        D. Gerusa participava do grupo, mas pela idade era das menos ativas. Cabeça e comandante do grupo era Alicia, meia idade, que se disfarçava de viúva já que seu marido se engajara na resistência.

        Foi de lá que vieram as instruções e o material necessário para a empreitada. Pacote de dinamite e rastilho. Uma noite Alicia foi sorrateiramente levando de nós a que sobrara na sacristia e colocou no famoso depósito o explosivo. Acendeu a mecha e mandou-se. Alguns minutos depois a explosão foi de assombrar, não sobrou nada do galpão e menos ainda de seu conteúdo.

        Por sorte os alemães atribuíram o acontecido ao material que estava lá dentro e não fizeram as costumeiras represálias. Nós escapamos, uma no bolso do oficial nazista e outra pendurada de novo na sacristia, depois que passara um tempo no avental de Alicia.

        Os tedeschi abandonaram Bellosguardo e rumaram mais ao norte. O oficial jogou a, agora inútil, chave num canto da praça antes de partir. Ela foi encontrada e voltamos a ficar juntas, cada uma em sua argola.


        Ficamos, é verdade, sem função, mas ainda moramos na velha sacristia, como memória das mulheres de Bellosguardo e de seu heroísmo.

Amigas inseparáveis - Angela Barros

        
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Amigas inseparáveis
Angela Barros    

        São amigas inseparáveis. Quando o assunto é viagem, num vlapt, vlupt já estão a postos com um sorriso largo de um lado ao outro.

        Aliás viajar era palavra mágica para as duas. Já viajaram por boa parte da América Latina, América do Norte, Países Nórdicos, Europa, Oriente, África e até os Emirados Árabes a dupla já conhece.

        Mas não vão pensando que elas são parecidas. Não, de jeito nenhum. Aliás, são água e vinho. Uma é clássica, elegante, gosta de frenquentar os melhores hotéis e restaurantes, só carrega roupas, sapatos e qualquer que seja o produto se for de marca famosa, inclusive ela mesma possui um pedigree considerável. A outra, tem tudo para fazer exatamente como a amiga mas, é totalmente desprendida de qualquer coisa que seja convencional, ela quer mesmo é chocar familiares e amigos, se diverte com isso. Mesmo porquê, não conseguiria ser diferente, é assim que é feliz, ponto. Não discordam numa coisa, viajar na classe econômica, nunca!

        E assim as duas vão conhecendo o mundo afora.

        Como as férias estão se aproximando já estão excitadas para saber que rumo vão tomar, quem sabe um país exótico, talvez Kodiak, no Alasca, uma das regiões mais remotas do planeta, com montanhas, lagos e abundante vida animal na Ilha Esmeralda, no Estreito de Shelikof, dizem que são estonteantes, escutaram uma conversa sobre o lugar e ficaram curiosas.

        Os dias voaram no mês que antecedeu a viagem. Marcaram de se encontrar para fazer o checking no balcão da companhia aérea.

        Quando a amiga sofisticada avista ao longe sua companheira de viagem, quase cai de costas. Que mudança era aquela? Louis Voitton?

        Pois é, Rimowa, minha dona decidiu não fazer você passar mais vergonha comigo.

        

O GIGANTE ENTERRADO (KAZUO ISHIGURO) - CRÍTICA E ANÁLISE


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Alô, pessoal!

Essa nova empreitada de literatura fantástica leva-nos a cavocar esse mundo para melhor entendermos suas facetas.

Para começar eu sugiro  essa leitura. Ela é considerada fantástica não apenas pelo emprego do fantástico em sua narrativa, mas fantástica também pelo estilo, pelo uso de metáforas que precisam ser descobertas no decorrer da história. 

Na internet há muitas visões deste obra, e aqui vou mostrar para vocês uma das tantas análises postadas nesse mundo virtual:

Boa leitura.



O GIGANTE ENTERRADO  - do Prêmio Nobel 2017 - KAZUO ISHIGURO) 
CRÍTICA E ANÁLISE

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PUBLICADO EM LITERATURA POR PEDRO ZUCCOLOTTO
Uma humilde crítica e análise sobre um livro que me encantou.



Análise pré-leitura (sem spoilers)
Kazuo Ishiguro se mostrou um escritor fantástico na obra O Gigante Enterrado – a primeira que eu li deste autor – onde, com maestria, escreveu uma história envolvente que toca em temas delicados como amor, esquecimento, tempo e perdão.
A história toma lugar em uma Grã-Bretanha medieval, marcada por conflitos entre bretões e saxões e pela queda do respeitável Rei Arthur. A população sofre com a exposição a diversas ameaças – como ataques de ogros, presença de dragões e outras criaturas fantásticas – e a uma névoa misteriosa que paira sobre toda a terra e faz as pessoas esquecerem gradualmente as suas memórias. No meio disso tudo, há um casal de velhinhos, Axl e Beatrice, que estão determinados a viajar para a aldeia do filho. Porém, devido à névoa, não se lembram do rosto do filho, e muito menos do caminho que devem tomar. Com isso, o casal acabará se envolvendo em uma aventura muito maior do que eles poderiam imaginar.
A edição que eu li – da Companhia das Letras – foi bem traduzida e bem confeccionada, com uma arte de capa impecável e uma tradução fluída e confortável.
São muitas lições que podem ser aprendidas com este livro – lições que passam longe de serem clichês que estamos cansados de ver. Às vezes, esquecer é bom. Às vezes, tudo o que precisamos fazer é aceitar e deixar ir, pois certas coisas são inevitáveis. E muitas vezes, devemos deixar nosso orgulho de lado e perdoar. Certas coisas não são importantes e não merecem ganhar tanta importância em nossas vidas. É necessário colocar na balança na hora de brigar, de discordar, de cortar ou manter laços, ou seja, existem coisas pelas quais simplesmente não vale a pena se desgastar.
No final das contas, O Gigante Enterrado é uma obra literária que pode ensinar muitas coisas aos seus leitores. Cheio de metáforas - que não são facilmente perceptíveis -, com uma ambientação incrível, personagens carismáticos e uma história que prende o leitor, eu diria que é uma obra obrigatória para a formação – tanto intelectual quanto espiritual – das pessoas.

Análise pós-leitura
Essa análise é para as pessoas que já leram o livro. Aqui, farei algumas observações e explicarei algumas metáforas da obra. Se você não leu, recomendo que primeiro o faça, mas sinta-se livre para continuar.
Durante a narrativa, Ishiguro consegue tocar em assuntos que nos fazem refletir muito sobre a visão que possuímos da vida. Um dos conflitos existentes é o quanto o amor pode se desgastar com o tempo. Axl e Beatrice são uma imagem perfeita desse desgaste temporal. Não conseguem se lembrar de toda a sua trajetória juntos, e têm medo do que podem se lembrar. Porém, ao mesmo tempo creem que, se durou tanto tempo nada poderá destruir isso.
O cavaleiro solitário do falecido Rei Arthur, Sir Gawain, diz ter uma missão: proteger a dragoa que produz a névoa. Por quê? Prestando atenção aos fatos citados, é visível que a terra em que a história se passa foi fortemente marcada pela guerra, logo, a vingança e o revanchismo estão no coração de todos. E o pior, esses sentimentos são passados ao longo das gerações. Arthur não queria reinar sobre tudo e todos. Ele não almejava riqueza ou poder – como muitos de nós fazemos -, mas sim a paz. E para conseguir isso, fez com que as pessoas se esquecessem dos fatos que as levam a querer vingança. Será que isso não mostra que se esquecêssemos certos acontecimentos em nossas vidas, poderíamos viver mais pacificamente? Ao mesmo tempo é levantada a questão sobre isso ser moralmente correto ou não – afinal, a população vive em uma ilusão -, e um conflito é travado entre Sir Gawain e Wistan, cuja missão é eliminar essa dragoa.
Então, o barqueiro é apresentado. Contando sua história, diz que é o responsável por selecionar através de um questionário os casais que podem ir para uma certa ilha juntos, separando aqueles cujo amor não é forte o suficiente. Com ele, aparece uma personagem que o culpa por ter se separado do marido - a senhora - dizendo que o barqueiro é um ser cruel e ardiloso. É essa mesma figura do barqueiro – não necessariamente a mesma pessoa, mas sim outro com a mesma tarefa – que no final das contas separa Beatrice de Axl. O curioso é que, ao longo da narrativa, o que é passado para o leitor é que os barqueiros levavam sempre os maridos, e deixavam as esposas para trás. Então por que o caso dos nossos protagonistas é diferente?
Beatrice passa o livro se queixando de dores, e, quando se consulta com uma médica, percebe que está doente, embora diga ao marido que está tudo bem. Nesse momento, fica claro que ela está chegando ao fim de sua vida e o barqueiro é o encarregado de levá-la. O barqueiro é a morte, que antes abandonava as esposas pois os homens iam à guerra e, consequentemente, muitos não retornavam.
É ao mesmo tempo bonita e triste essa trajetória. Por um lado, viveram uma vida feliz juntos – embora não consigam se lembrar de tudo, gerando certos conflitos às vezes – mas por outro, o fim inevitável alcançou Beatrice primeiro, deixando Axl sozinho para trás. Simultaneamente, é uma metáfora bonita pois algum dia Axl a encontrara na ilha. É só uma questão de tempo.
Outro detalhe que pode passar despercebido é o título da obra. Kazuo não a nomeou desta forma à toa. No final do livro, depois de matarem a dragoa, Wistan diz “O gigante, que antes estava bem enterrado, agora se remexe”. O gigante enterrado em questão é justamente tudo o que se encontrava adormecido no esquecimento: a vingança, o revanchismo, o ódio, e por consequência, a guerra. Nunca - apesar de o mundo do livro ser recheado de criaturas fantásticas - se tratou de um ser místico gigante, e sim de uma metáfora.
Por fim, fica fácil concluir que O Gigante Enterrado, além de uma bela história, é uma obra que passa um ensinamento para a vida, transmitindo valores importantes.
Trechos que valem a pena serem citados:
“ Não é fácil sair de um lugar que você conhece há tanto tempo. ”
“ Será que não é melhor que algumas coisas permaneçam encobertas? “
“ Os efeitos do tempo podem ser um grande disfarce. ”
“ Quando já não há mais tempo para salvar, ainda há bastante tempo para se vingar. “

Kazuo Ishiguro, é um escritor nipo-britânico. Ishiguro foi galardoado com o Nobel de Literatura em 2017. Wikipédia
Nascimento8 de novembro de 1954 (63 anos), Nagasaki, Nagasaki (prefeitura), Japão
CônjugeLorna MacDougall (desde 1986)

Outras importantes obras do autor:

Os Vestígios do Dia
Neste romance vencedor do Man Booker Prize, de 1989, e estrelado no cinema por Anthony Hopkins, o narrador-protagonista reflete sobre o papel dos mordomos na história da Inglaterra. Depois de trabalhar durante anos na mansão de um lord, ele sai em viagem relembrando momentos da trajetória do ex-patrão, que simpatizava com o nazismo, e rememora suas próprias paixões. 
Não me Abandone Jamais 
Nesta ficção científica sutil e melancólica, Kathy relembra os anos em que viveu em um orfanato no qual todos os "alunos" eram clones, produzidos para servir como peças de reposição. Em 2010, a obra ganhou uma adaptação homônima para o cinema, que conta com Carey Mulligan e Andrew Garfield, em um de seus primeiros papeis de destaque. 
Quando Éramos Órfãos
Usando um humor fino, o autor narra a história de um garoto inglês nascido em Xangai à procura de respostas para o sumiço dos pais, que desapareceram quando ele tinha nove anos. Em uma China que vive uma guerra sangrenta com o Japão, Christopher Banks acaba perseguindo também uma ordem para o mundo em que vive. 
O Gigante Enterrado
Uma das justificativas usadas pela comissão do Nobel para a escolha de Ishiguro foi sua capacidade de se reinventar. Evenderedando pelo lado da fantasia e se aproximando de autores como George R. R. Martin e Tolkien, o romance é prova disso. Na história, os personagens precisam lidar com as indefinições do amor e uma misteriosa névoa do esquecimento. 
Norturnos: Histórias de Música e Anoitecer
Afastando-se dos romances, na coleção de contos, Ishiguro se rende a narrativas leves e bem humoradas sobre instrumentistas e amantes da música, de diversas partes do mundo. E traz histórias como as do saxofonista que decide fazer uma plástica para ganhar mais reconhecimento.