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MISTÉRIO DE NATAL – A DIGNIDADE HUMANA - Oswaldo U. Lopes

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MISTÉRIO DE NATAL – A DIGNIDADE HUMANA
Oswaldo U. Lopes

        Para os cristãos o mistério-milagre de Natal é que ao fazer-se Homem, Deus deu a esta condição uma Dignidade que nada, nem ninguém, nem mesmo Ele, pode tirar. Todos nós lembramos ou conhecemos situações que parecem desafiar essa mensagem, mas ela sobrevive apesar de tudo.

        Joaquim era pobre, rude, mal tratado, vivia com os povos de rua, mas não era simplório, tinha seus lampejos e estudos, como e porque chegara a essa situação, era algo que se perdera, era não sabido e não lembrado.

        Tornara-se até mau caráter, preocupado consigo mesmo e com mais nada, chegara ao extremo de roubar um pão de outro mendigo, sem que isto o incomodasse.

        Pelo brilho das luzes e a beleza das vitrines suspeitou que fosse tempo de Natal, embora não se importasse muito com isso e as poucas lembranças que tinha da data eram bem embotadas.

        Como acontecera a ferida na perna, já nem sabia direito, aquela mania de cercar viaduto com arame farpado para evitar que gente como ele dormisse em baixo, dera no que dera, rasgo fundo na perna.

        Uma alma boa o recolheu e o levou para o Hospital das Clínicas Alma boa, era modo de falar, porque levara uns pescoções e um ponta pé no traseiro para ajudá-lo a entrar na ambulância.

— Noite de Natal é isso mesmo, em vez de estar com a família, fico recolhendo bêbados e mendigos pela rua.

        Foi depositado numa maca do pronto-socorro e quando olhou de lado viu na outra maca um cara que parecia com ele, porém mais mamado e mais vomitado além de revirar os olhos com frequência. Bêbado, diagnosticou.

        Perguntado o outro disse que se chamava José, vivia na rua, dormia nos viadutos, mas não maldizia a vida e entre uma frase e outra louvava a Deus e, segundo ele , se contentava em fazer Dele a vontade.

        E na terceira maca, a que ficava atravessada? Outra figura simples e despojada com sinais claros de atropelamento e fratura nas pernas. Chamava-se João e pelo modos e falas era evangélico e pregava a vinda de Jesus a qualquer momento.

        Juntos entraram na sala o médico assistente Jorge Antônio e seu fiel escudeiro, o enfermeiro Pé de Valsa. Este que era quem dera entrada no trio, não se conteve e foi explicando:

— Aqui um se chama Joaquim, outro José e ali tem o João, como a enfermeira chefe é a Ana, e a auxiliar de sala é a Maria, para fechar o time de Natal só esta faltando Jesus.

        Jorge Antônio olhou as fichas, viu que não havia gravidade séria e deu lugar a Ana e a Maria.

        Ambas com carinho e muito jeito trouxeram roupas e lençóis limpos e sem se importarem com as reclamações e embaraços machistas deram neles banho e arrumação. Limparam muito bem a ferida de Joaquim preparando-o para a sutura, a João capricharam na troca de roupa e em deixá-lo com ares natalinos. Fizeram algo semelhante com João tendo colocado goteiras que imobilizavam suas pernas e aliviam as dores.

        João ergueu-se no leito, já com as pernas protegidas e apoiando-se nos cotovelos, deu graças avisando que Jesus chegara. José sorria e ria baixinho enquanto entoava: Louvando a Maria...

        E Joaquim? Virado para a parece chorava silenciosamente, vitima do milagre de Natal, festa que tanto escarnecia e que agora lhe fazia sentir, de modo estranho, a insidiosa dor de ser amado e não desprezado. Nesse momento percebeu, na cabeça, a mão do doutor e a voz tranquila que o tratava de senhor:


—Senhor Joaquim, agora vamos tratar de sua ferida.

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