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LEILOEIRO OPORTUNISTA Maria Luiza Malina - TERCEIRO LUGAR




LEILOEIRO OPORTUNISTA
Maria Luiza Malina

(TERCEIRO LUGAR – I CONCURSO LITERÁRIO ESCREVIVER – 2017)

Passava das quinze horas quando foi avisado da grande oportunidade.  Comprar a casa dos seus sonhos. Sim, uma casa em praia pouco habitada era seu sonho e de muitas outras pessoas lá presentes. Deveria ter caído e quebrado as pernas, hospitalizado, ter entrado em estado de coma, ter sido enterrado. Assim ele resmungava.

Quando chegou ao leilão que mal começara, nos lances se diluía o desejo. O leilão era daqueles que os bancos oferecem para pagar as dívidas dos antigos donos, com pouca descrição dos imóveis. Enquanto os lances corriam soltos, seus ouvidos apitavam, a cabeça rodava em meio aos braços gesticulantes do poder de compra. Observava e resmungava consigo mesmo que, aqueles braços se agigantavam em meio à euforia comprando tudo e, perderia a única chance. Foi o momento em que seus braços se levantaram. Atordoado, deu o lance sem saber ao certo se, queria ou não o tal imóvel. Ouviu a martelada de negócio fechado.

Foi aí que se deu conta do caso. O local não era aquelas belezas sonhadas. Agora era o proprietário. Fazer o que. Ouviu na saída alguém o apontar dizendo baixinho para a pessoa ao lado que, a casa que havia adquirido, era cheia de assombrações que, por este motivo estava tão em conta e, que coitado, iria gastar o que não tinha que poderia ter escolhido uma melhorzinha. Aquela melhorzinha soou como um gongo entre os apitos da labirintite. Não olhou para trás. Pensou devem ser invejosos e, inveja de homem é pior que das mulheres, perseguem a presa, querem a coisa para si e inventam histórias na porta do leiloeiro para que lhes ofereça o lance. Com certeza querem recomprá-la afinal, as fotos embora um tanto desbotadas, ainda mostravam a bela casa em meio à mata atlântica rodeada de flores tropicais com o sol se banhando na piscina. Seja o que Deus quiser. Amanhã, sim no amanhã planejou tornar-se o senhor, dono de uma belíssima propriedade com dois alqueires de mata.

Ao sair tropeçou na própria desatenção. Uma bebida estimulante era o que precisava. Parou no primeiro bar da esquina e pediu uma mineirinha, Dedo de Prosa. Aquilo desceu macio, garganta abaixo exalando o sabor do carvalho. Ah! Mais um gole. Vou mim’bora.

Assim foi. O final de tarde sugeria a viagem; abasteceu o carro e com o mapa foi rastreando a estrada tão solitária quanto bonita. O frescor da mata anunciava que estava próximo. Este próximo nunca chegava e a gasolina apontava o tanque cheio. Sem saber o porquê, olhou e teve a certeza de que o ponteiro anunciava vazio. Uma casa. Parou para se informar do trajeto, se faltava muito; mal estacionou as pessoas entraram e se fecharam na casa, respondiam as perguntas por trás das pesadas janelas de madeira. Está bem, informaram que era logo ali adiante a casa. Que nada! Já estava tão escuro, parou o carro para limpar a poeira dos faróis. Sentiu apenas uma dor imensa na nuca.

No amanhecer acordou. Não se lembrava porque estacionara o carro num local tão isolado e por cima estar debaixo do carro e, de cuecas. Num movimento a cabeça lhe doía; o sexto sentido não o ajudava. Aos poucos se deu conta, alguém tentou matá-lo; as chaves do carro os documentos da casa, bagagens estavam lá. Estranhou. Sério. Estranhou mesmo!

Não adiantaria chorar sobre o leite derramado, estava consciente.  Dirigiu por uns oito quilômetros quando avistou o portão amarelo da indicação no mapa. Abriu o pesado e úmido portão de madeira para o carro entrar. Ao fechar, uma inscrição um tanto desbotada dizia para não entrar que a casa era mal assombrada. Um calafrio lhe arrepiou os pelos do braço. Não me importou.

A casa não estava lá em bom estado, rodeou-a diversas vezes e só se apercebeu na última volta dada uma janela se abrir repentinamente e, neste instante, ele não sabia, mas estava terminando de rezar um pai-nosso mentalmente. Foi pego de surpresa pelas próprias crenças há muito amortecidas. Num copo de coquetel, era assim que se sentia.

Ao abrir as portas e janelas tudo rangia, a casa cheirava a maresia. Pisar firme a espantar os demônios que por vezes lá se acomodavam, pensou alto. Estranho, nenhum morcego... Como disseram que era mal assombrada, alguma coisa deveria ter. Nada. Arejou a casa e foi à praia. Tranqüilo, ninguém por perto. Caminhava na sensação de dono absoluto do lugar quando um cachorro preto de grande porte, veio ao seu encontro abanando o rabo. O seguia por todos os lados e, juntos voltaram para casa. Notou que tinha uma coleira. Deveria ter um dono, quem sabe ele apareceria por lá.

Os suprimentos foram comprados para um mês. Os dias passavam calmos e ele se entretinha na manutenção. Foi quando o Dog, assim o chamou, rangia um roar estranho, cavoucando o chão com muita rapidez e, eu lhe dizia para tomar cuidado para não ir parar na China. Cansava e ficava deitado por lá mesmo.

Na lavanderia, alguma coisa não deixava a água escorrer. Meteu-se a encanador. Puxou o cano. Junto com o cano se deslocou uma parte da tubulação com cimento do piso e tudo o mais. Um desastre. Alguém bate palmas. Enlameado foi atender, um possível turista, deduziu. Que nada, eram os vizinhos dos oito quilômetros atrás que se esconderam dele, reconheceu um deles, nada comentou. Entraram e comentaram que a casa já estava com aspecto melhor e lhe perguntaram quando ficaria. Na desconversa da resposta, contaram o caso da família anterior que desaparecera de um dia para o outro e que o cachorro reaparecera sem mais nem menos. A Polícia Florestal e a Guarda Marinha fizeram buscas e nada encontraram. Ouvia atento pensando com seus botões que queriam assustá-lo. Ofereceu um café que tinia no fogão a lenha e se foram num até breve.

Bocejou e deitou-se na rede do terraço. Adormeceu com o barulho do mar. Acordou de um pesadelo com o latido do Dog em direção do portão abanando o rabo. Não havia ninguém. Choramingava. Com um assobio o chamou para entrar, Cabisbaixo e se assentou junto à rede. O acarinhou. Novamente a sensação de mal estar o acordou. Estava só de cuecas. Olhou intrigado e Dog não estava por perto, assobiou e ele não apareceu. Mas o que seria isto, estava intrigado. Desta vez, ao passar a mão pela cabeça viu sangue em sua mão. Já estava quase acreditando em fantasmas. Não roubaram coisa alguma. Julgou que fosse a visita do dia anterior. Fui com Dog até a casa deles. Na porta um aviso de que voltariam em três dias.

Na estrada teve a certeza de ter visto um deles entrando no mato. Parou e o chamou sem sair do carro. Nada. Apenas estalidos de galhos se quebrando. Escaldado, se preparou para uma eventual surpresa.  Seguiu adiante. Ao chegar a casa o portão escancarado o colocou em estado de alerta. Dog saiu do carro abanando o rabinho. Alguém que ele conhecia, deduziu. Ninguém. Se pelo menos ele falasse, já ajudaria!

Voltou a mexer na lavanderia. A coisa era bem pior. Ao entrar, a torneira que pingava se tornou uma enxurrada daquelas que inundam uma cidade. Um desastre. Escorregou e o solo molhado pela infiltração amoleceu o piso de cimento e lá foi ele deslizando solo abaixo, ficando quase que soterrado numa mina de carvão, outra vez enlameado. Com muito custo saiu da tal cratera, chegando à conclusão que o melhor seria fechar a casa e voltar para a cidade. Deixou tudo para o dia seguinte, até que a água escorresse toda a sua mágoa. Cada uma que lhe acontecia aumentava o desânimo.

Naquela noite nada de Dedo de Prosa. Bebericou um, dois, três whiskys on the rock e foi dormir. Na manhã seguinte após a caminhada pela praia, foi resolver o problema da tubulação. Dog latia do lado de fora. De passagem para a garagem percebeu que ele puxava alguma coisa. Um pedaço de pano. Com a pá abriu a vala da enorme tubulação de concreto. Parou e se conscientizou que não era trabalho para ele.

Fechou a casa e junto com Dog foram ao povoado de caiçaras em busca de ajuda. Ninguém aceitava. Entreolhavam-se meneando a cabeça em sinal de negativo, afastando-se. Um apenas um aceitou a empreitada. Estava de canto observando os demais mascando fumo. Um tipo forte, nada parecido ao pessoal local. Não conversava embora uma prosa fosse puxada. Nem fez qualquer menção quanto ao valor. Lá chegando ele se persignou ao receber a pá. No primeiro movimento com a pá na mão, ele a desviou, se voltou de costas e num repente voltou por cima do seu empregador como um pitibul enlouquecido. A sorte o havia deixado de prontidão desta vez. Em sua cabeça brotaram todos os golpes da Capoeira de Angola aprendidos ao som do din... din... dong do choroso berimbau. Não deu outra.

Num Role se safou, dando um Chapa de Costas em que conseguiu atingir a cabeça, o danado caiu sem nada entender, ao se levantar o surpreendeu com a Benção, foi o melhor pontapé que pode dar em sua vida. O impacto no peito o imobilizou de vez. Pensou que estivesse morto, mas ainda respirava. O amarrou com uma corda e o colocou no porta-malas. Do pequeno pronto-socorro local, chamou a polícia.

Lá chegando o identificaram. Não era um local. Pelas digitais o descobriram. Era um matador profissional. Passava pela região como uma sombra e, desaparecia. Confessou o assassinato da família que morava naquela casa e os escondeu dentro da tubulação do esgoto. Ao ser forçado a explicar a morte dos desconhecidos, pois nada roubara, confessou que o leiloeiro o contratara através de dois ajudantes para fazer o serviço e que o novo comprador da casa também estava na lista da próxima vítima.

Os investigadores foram ao então, lar mal assombrado, não tanto assombrado graças ao Dog e, realmente retiraram os corpos. Ele nada viu além do pedaço de pano. Ao ser perguntado se havia sofrido algum assalto, relatou o ocorrido na estrada e em casa, que não dera queixa por não terem levado nada. Neste momento lembrou-se dos comentários das duas pessoas na porta do leiloeiro. Foi o bastante. Os policiais ligaram os fatos e, dias após foram detidos. Há muito estavam no encalço dos bandidos e, a pouca população se escondia ao avistarem um estranho, com medo de serem as próximas.

Por pouco, mas por muito pouco escapou. Soube que sobreviveu porque o assassino o julgava morto. Usava uma artimanha mortífera. Aguardava calmamente a vítima dormir ou se distrair borrifando um produto sem olor que, ao ser inalado imobilizava a pessoa em um sono profundo, quando então aplicava um golpe mortal.

Por vezes, deitado na rede lhe voltava o pensamento de arrependimento daquele dia do leilão em que, poderia ter caído e quebrado as pernas, hospitalizado, ter entrado em estado de coma, ter sido... Ôps!

Pintou o portão de vermelho continuando a morar na casa com a inscrição Aulas de Capoeira de Angola.



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