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UM BARCO NO TAPAJÓS - Oswaldo U. Lopes


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UM BARCO NO TAPAJÓS
Oswaldo U. Lopes

        Quando cheguei já era muito tarde, o barco ia muito longe, pude vê-lo se distanciando cada vez mais.

        A situação era aflitiva, terrível e lamentável. O que fazer? Como explicar que eu sabia da sabotagem sem me expor e sem meio de escapar depois de abrir a boca.

        Armênio ia feliz na gaiola, Tapajós abaixo. Fizera a denuncia contando tudo ao delegado. O lugar era pacifico, só tinha pescadores e comerciantes. Aquela história de ponto de desova de droga estava tirando o sossego de muita gente e introduzindo na comunidade um dinheiro marcado e destinado a comprar silêncios.

        Coitado do Armênio, caboclo simples, acreditara na figura impoluta do policial. Não sabia nem suspeitava que a propina já chegara na autoridade e esta já fazia parte da folha de pagamento do tráfico.

        O resultado foi aquele. Não apelaram para tiro, metralhamento de emboscada, nada enfim que chamasse a atenção dos federais. Uma taboa solta, dois tirantes frouxos,  e a gaiola iria para o brejo quando estivesse no caudal mais forte do rio.

        Ir para o brejo era modo de falar, porque não ia para o brejo de modo algum, ia era para o fundo levando Armênio e sua denuncia.

        Se eu gritasse, falasse ou tentasse algo provavelmente ia junto. Cozinheiro de Delegacia ouve certas coisas, mas é melhor não falar delas. O que eu faço?

        Eta, enrascada das boas. Não conheço muita gente e pro delegado é que não vale a pena contar. Afinal foi da boca dele que eu ouvi como iam se livrar do caboclo que estava no barco.

        Conversar mesmo só converso com os botos que aparecem no atracadouro atrás da delegacia. Será que me entenderiam? Afinal, éramos amigos, eu sempre arrumava umas sobras de comida para alimentá-los.

        Fui para o pequeno embarcadero atrás da cozinha e eles de pronto apareceram. Em vez de comida contei a história do meu amigo Armênio e do barco furado em que ele estava. Misturei gestos e palavras e eles sumiram. Será que tinham entendido?

        Sumiram e voltaram rápido na companhia, não acredito, de uma sereia. Fiquei meio gago e a outra metade bocó, mas o caso exigia presteza. Mesmo custando a acreditar no que via, expliquei o que acontecia para Cibele, pois esse era seu nome. O que aconteceu depois não adianta falar muito, a danada da sereia era poderosa.

        Sem demora a gaiola inteirinha chegou de volta. Todo mundo a bordo meio assustado com a água que entrara na embarcação. Muito discretamente cruzei os dedos nos lábios na direção do Armênio, caboclo esperto fez um sinal com a cabeça, desceu e sumiu.


        A encrenca estava só começando, mas pelo menos o jogo agora estava equilibrado. De um lado o poder da autoridade corrupta, de outro um sobrenatural gostoso de olhar, ainda mais que eu vira o olhar interessado que Cibele dirigira para o Armênio. Fiquei matutando com vontade de puxar uma cadeira, sentar e assistir a partida.

2 comentários:

  1. Muito bom! Adorei. Quero aprender a escrever como o senhor, (ops, como você).

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    1. Anônimo8/24/2017

      Muito obrigado pelo comentário e pela modéstia. Podemos ter estilos diferentes, mas você já publicou um livro, sobre a banda, no minimo encantador. Aprendemos juntos e esse é o barato do Escreviver!

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