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Obrigada por me deixar ser criança outra vez. - Ângela Barros


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Obrigada por me deixar ser criança outra vez.
        Ângela Barros

       
        Queridos filhos, meu amor por vocês é incomensurável. Vocês me fizeram mãe. Voltei a ser criança quando vocês nasceram. Balbuciei, engatinhei, rolei no chão, na grama, na areia e no mar. Cantei, como uma gralha desafinada só para escutar: “Canta outra vez, mamãe!” Li a mesma hist[oria uma, duas, três, não sei quantas vezes mais reli,  só para ver um sorriso e um pedido: “Lê outra vez mamãe!”.

        Quantas vezes na escuridão da noite parei na porta entreaberta do quarto apenas para olhar meus anjinhos dormindo, quase sempre descobertos, quem sabe só para receber um aconchego e um beijo.

        Senti a mesma dor todas as vezes que vocês caíram, os mesmos calafrios a cada febre com o corpo em brasa. E quando a noite acordava com uma mãozinha tocando meu corpo, suavemente, como uma pluma, chamando “mamãe”, com um chorinho de quero ficar com você na cama, eu simplesmente levantava a coberta para vocês se aninharem como filhotinhos desmamados precisando de amparo.

        Lembra os espetáculos de mágicas e danças que vocês organizavam? Você filho com uma toalha nas costas e varinha mágica nas mãos, vlup, vlup, entrava voando na sala e fazia desaparecer moedas. Sua irmã de  colante cor de rosa e tutu de crepom encarnava a bailarina, téc, téc, téc, chegava saltitando na ponta dos pés fazendo pliés e espacates.  Momentos mágicos de ser criança.

        Poderia passear agora com vocês por aventuras em florestas na sala, pic-nic, em cabanas armadas no terraço em dias de vendavais, piratas de pedra de pau à caça ao tesouro, tardes de glamour com desfiles de modelos em saltos altos e vestidos longos, esconde, esconde e muitas outras brincadeiras que a qualquer momento nossa imaginação nos levasse, livres, leves e felizes.

        Crescidos meus queridos filhos, meu amor por vocês é tanto que preenche todo o meu corpo, se expande além dele e se existe uma áurea que nos reveste de energia, essa energia nos une e nos fortalece para além de nós mesmos.

        E o tempo passou. Hoje, além de mãe e filhos, somos três grandes amigos.

        Filha, agora você é mãe, e me fez avó de um menino que chegou de mansinho, tão pequenininho, olhos grandes a observar tudo se embebedando com a vida a sua volta, aos poucos me tomando para si sem nada fazer, apenas existindo.

        Sempre achei muito louco o que acontecia com minhas amigas que tinham neto, elas ficavam ensandecidas, enfeitiçadas, esqueciam casa, marido, vaidade, outros filhos. O único assunto era o que o neto maravilhoso fazia, falava, brincava, balbuciava, engatinhava, andava, comia.

        Hoje eu entendi. Não, não se preocupe não vou ficar falando que meu neto é o menino mais lindo do mundo, mais esperto, mais querido não! Simplesmente porque qualquer coisa que eu possa verbalizar não vai exprimir o que é o meu neto e o que eu sinto quando ele estende os braços para mim pedindo colo. Impossível para um leigo no assunto entender o que acontece no nosso coração que só falta explodir de alegria e querer sair pela boca.

        Que louco amor é esse que invade o nosso corpo preenchendo cada milímetro dele, percorre nossas entranhas, penetra no sangue vermelho das nossa veias para não esquecer de alimentar todo nosso corpo até alcançar nosso coração? E, como se não bastasse, invade a luz celestial da nossa alma, dá uma rasteira nas nossas verdades que maliciosamente desdenhava quando de rabo de olho balançava a cabeça num gesto de “O que é isso,  meu Deus!”, para as amigas que ja tinham passado por essa invasão que agora sei. Essas mulheres banhadas por esse amor em silencio deviam pensar com seus botões, bobinha, seu dia chegará, e aí então, você cairá em si, ao meu lado sentará no chão, rolara na lama, cantara e gargalhadas dará, simplesmente, porque seu ser foi invadido de um bem-querer que transborda para o outro, e do outro para você, infinitamente.

        Essa dádiva nos é dada de presente no momento exato que poderíamos simplesmente fazer o que bem entender com o que chamam de terceira idade, mas que na verdade já não queremos fazer muito. Ops! queremos não, os homens não querem fazer quase mais nada. Sair a noite para ir a uma boate, dançar, encontrar os amigos, nem pensar. Só que nós mulheres ainda temos muita energia para o que der e vier, passear, viajar, dançar e claro ficar com os netos.

        E são eles, esses pequeninos cheios de energia que nos trazem de volta a alegria de viver. Quando abro a porta de casa, já começo a fazer palhaçadas, dois bracinhos se abrem para mim, juntos gargalhamos e a casa se enche de amor.


        Obrigada minha filha querida pela felicidade de me fazer avó, de devolver pra mim a vontade de cantar, brincar de pega pega, esconde esconde,  contar histórias, fazer naninha para o seu filho dormir, assistir a Galinha Pintadinha todas as vezes que o Titi aponta o dedinho para o aparelho de TV, deixar ele passar a noite comigo, amar o amor que vem do amor que a gente fez para fazer você.

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