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SARAU - PREMIAÇÃO DO CONCURSO LITERÁRIO ESCREVIVER ENTRE ALUNOS


O Sarau Literário do EscreViver acontecerá no dia 02 de setembro de 2017, às 15 horas.

Nesse dia conheceremos o melhor texto participante do concurso interno do EscreViver.

Traga sua poesia ou conto pequeno para leitura.
Convide amigos e parentes.

Nos veremos lá!





Amor de primavera - Ises A. Abrahamsohn.

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Amor de primavera
Ises A. Abrahamsohn.

Tinha chegado cedo ao parque naquela manhã. A velha bicicleta cantava a cada volta dos pedais e o vento assombrava-lhe a cabeleira úmida de orvalho. Pensou que precisava lubrificar a magrela que hibernou vários meses na garagem. Renato tinha afeição especial pelo veículo de apenas cinco marchas que ganhara aos quatorze anos.  Era ciclista de ocasionais fins de semana. Por que iria comprar uma dessas bikes caríssimas  que estavam na moda ? Na verdade, apesar de trabalhar com computação gráfica tinha apego por tecnologias obsoletas.  Pedalou pela  alameda sombreada e chegou à clareira onde costumava descansar.  As árvores, de galhos secos e tristes durante o inverno, agora se exibiam esplendorosas. A copa densa de flores roxo-azuladas ocultava os galhos e adornava das mesmas cores o gramado. Uma jovem fotografava detalhes dos ramos floridos. Renato observou que a moça empunhava uma câmara acoplada a uma teleobjetiva profissional.  Ficou interessado.  Alguém que sabe manejar fotografia em vez dos aborrecidos e limitados celulares. Aproximou-se entusiasmado.

 ̶  Lindos ipês roxos agora na primavera! Também gosto de fotografar plantas! E também já trabalhei com fotografia.

A moça o olhou, sorrindo.

̶  Então, entende de fotografia, mas conhece pouco  as nossas árvores! Essas belezas são jacarandás mimosos que florescem agora na primavera. Os ipês roxos florescem no começo do inverno e as flores são de tonalidade  púrpura.


O rapaz confessou que botânica não era o seu forte, mas estava disposto a aprender se ela aceitasse o convite para um café. Saíram caminhando pelo parque entre exuberantes jacarandás-mimosos, sibipirunas de ingênuas flores amarelas e espalhafatosas buganvílias. Márcia era o nome da fotógrafa amadora que era bióloga. Descobriram que partilhavam o gosto por instrumentos fora de moda. A moça ainda revelava e ampliava ela própria seus filmes de 35 mm. Ambos tinham  toca discos e LPs antigos. Casaram-se após seis meses com lua de mel em Paris onde podiam vasculhar os fartos mercados de pulgas.

OLHOS DO CORAÇÃO - Sérgio Dalla Vecchia


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OLHOS DO CORAÇÃO
Sérgio Dalla Vecchia


Ele pertencia a um grupo de jovens bem relacionados.

Com alegria aproveitava todos os momentos presenteados pelos tenros dezoito anos.

Muitas eram as namoradas. Trocava cada três meses, e pelo harém, recebeu o apelidou de Sultão.

Convites para aniversários não faltavam. Nessa época as festas ocorriam nas residências das aniversariantes. Música era ao vivo, com bossa nova e sucessos internacionais do momento.

Assim Sultão e seu grupo desfrutavam festas em todos os finais de semana. Animavam dançando com todas as moças e muita conversa divertida. Eram pés de valsa por excelência.

Certo sábado num novembro primaveril, Sultão se preparava para mais uma festa de quinze anos. Vestiu a camisa social branca colarinho vintage, gravata predileta e o charmoso terno cinza de três botões.

A festa estava animada quando o grupo chegou. Tocava Beatles, yellow submarine!

A conversa corria solta nas rodinhas de convidados, quando de repente surgiu um fulminante par de olhos de jabuticaba. Eles contracenavam com um sorriso sincero, nos lábios sedosos daquela linda moça que acabara de chegar.

Vestia um redingote verde limão, que realçava duas roliças pernas grossas, que desfilavam com personalidade naquele ambiente festivo.

Houve uma troca de olhares e sorrisos. Atração recíproca. Música besame mucho, com Ray Conniff. Sultão não titubeou, tirou-a para dançar.

Com o coração acelerado iniciou a conversa enquanto a enlaçava. Logo foi apertando a cintura de Helena, que polidamente o afastou. Todavia isso não foi obstáculo para que conversassem animadamente durante toda a festa e que ao final, ela lhe passasse o número de seu telefone.

Nunca uma moça havia mexido tanto com os sentimentos do Sultão.

Não conseguia esquecer aqueles grandes olhos, o sorriso e aquele belo rosto. 
Não havia mais harém, apenas Helena no seu pensamento. Acabara de ser abraçado pela paixão!

Convicto telefonou, marcou um cinema para o próximo domingo.

Encontraram-se, mão na mão, palavras doces, carinhos e o desabrochar de um lindo caso de amor.

Após nove anos de namoro e a formatura do Sultão, casaram-se.

A cerimônia foi realizada na capela do Colégio Sion, com a benção do Bispo Dom Paulo Rolim Loureiro, tio de um dos amigos da turma.

No primeiro ano nasceu a loira, no ano seguinte a morena e no quarto ano o varão.

Assim administrando com bom senso os bons e maus momentos da vida conjugal, mantiveram-se felizes nos longos 44 anos de casamento.


E dizem que o lema deles continua sendo besame mucho!

DOMINANDO FANTASMAS - Sérgio Dalla Vecchia

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DOMINANDO FANTASMAS
Sérgio Dalla Vecchia



Férias de verão de 1962, janeiro escaldante, um rapaz de 15 anos e uma história para contar.

Todo verão era montado um Parque de Diversões, bem na divisa de São Vicente e Santos, litoral Paulista.

Roda gigante, chicote maluco, carrinhos bate bate, tiro ao alvo, a moça que se transformava em macaca e o assustador trem fantasma.

Rubinho e sua turma de adolescentes eram frequentadores assíduos. La estavam todas as férias e conheciam a fundo todos os brinquedos e atrações.

A principal arte dessa turminha era encher os bolsos com castanhas colhidas nas diversas arvores Chapéu de Sol (Sete Copas) que ali abundavam. Sentavam dois num vagão e partiam túnel adentro. Primeiro fantasma, curva brusca à direita e tome castanha nele. Outra curva novo espanto e tome castanhas nele. Por vezes a pontaria era certeira e o fantasma sucumbia ao chão.

Com hormônios do verão, Rubinho logo arrumou uma namorada e a levou para o Parque. Já com segundas intenções a convidou para embarcar no trem fantasma. De pronto ela negou, dizendo morrer de medo!

Rubinho com jeito convenceu-a, afirmando conhecer cada curva do túnel e todos os fantasmas pelo nome.

Assim embarcaram. Braço no ombro, corpos juntinhos e logo o primeiro fantasma. Ela desesperada abraçou Rubinho, que a acalmou dizendo que o fantasma era um boneco e já o tinha derrubado a castanhadas. Assim surgiu o segundo, o terceiro e apertadinhos gozavam daquele preludio. Eis que do nada, surge um vulto em meio ao escuro e tromba violentamente contra o vagão, balançando-o quase ao tombamento. Era pesado! Rolou por cima do vagão resvalando na namorada, deu um grunhido e caiu ao lado dos trilhos.

Nesse momento desapareceu a coragem do valente Rubinho e desapontado tremia junto com a namorada. Para piorar havia sangue no vagão!

Fim do percurso, luzes e o casal em choque desembarcou não entendendo nada.
Já do lado de fora da estação, a namorada aos prantos, Rubinho ainda tremendo buscava entender o ocorrido, já que era expert no assunto. Nada! Foi quando da boca do túnel saiu uma figura cambaleante. Parecia um morto vivo!

Nesse instante, funcionários do Parque o abordaram e o retiraram imediatamente do local.

O fato chamou atenção de curiosos, que alvoroçados buscavam notícias do zumbi! Formou-se uma grande confusão! Mulheres choravam, crianças assustadas também e pais aflitos tentavam acalmar aos seus.

Assim, após prestar depoimento ao gerente do Parque, Rubinho foi avisado pelo próprio, que o zumbi não passava de um mendigo, que alcoolizado havia entrado despercebido no túnel.

Felizmente, ele sofreu pequenas escoriações e passava bem no ambulatório.

Rubinho, aliviado pela notícia não perdeu a pose e disse:

Não falei querida que eu dominava todos os fantasmas. Não menti!


— Agora, gente é outra coisa!

Firenze, nunca mais! - Angela Barros

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Firenze, nunca mais!
        Angela Barros

        O sol lentamente dava adeus ao dia quando Camila sozinha sentada no topo de uma colina sentiu o abraço de uma brisa morna acariciar seu corpo que estremeceu de prazer ao lembrar que estivera exatamente naquele mesmo lugar com Edoardo.

        Ah Edoardo! Italiano lindo. Chegou como uma tempestade de verão inundando minha vida, sem pedir licença e mergulhei de cabeça no verde esmeralda dos seus olhos, flutuei no doce balanço das suas palavras meigas ditas baixinho, ao pé do ouvido roçando minha pele.

        Peço a compaixão de vocês por me permitir essa paixão louca que me dei ao direito. Sim, sei, vocês vão perguntar como uma mulher madura, com filhos criados, quase avó se deixa levar por ruas tortuosas que fatalmente a levarão a um abismo? Responderei, não me recriminem, talvez vocês fizessem a mesma coisa.

        Vamos voltar no tempo, a um passado nem tão distante assim, fim de março, inicio da primavera na Itália quando o inverno se vai e as nuvens abrem as portas para o sol, a terra dá passagem para o desabrochar das flores que sorriem felizes enquanto os idosos e as mães com seus filhos saem às ruas enchendo praças e parques para festejar o fim do inverno.

        Depois de dois anos nadando num mar de lamentações pela perda do pai dos meus filhos, companheiros desde a faculdade, meu primeiro amor, foi nesse clima que cheguei à Mugello, na Toscana, pequena cidade próxima a Florença, pouco procurada pelos turistas, portanto, bem mais tranquila,

        Quando resolvi viajar sozinha para a Itália escolhi um lugar quase ermo, queria paz e sossego, sentar num banco da praça da cidade tendo como companhia um bom livro, comer apenas quando sentisse o estômago reclamar, caminhar sem rumo. Me perder nas nas ruas e nas horas descobrindo que o dia acabou quando o pôr do sol anunciasse o fim do dia.

        E foi neste estado de quietude, sentada nesse mesmo lugar que escutei uma voz chegando aos meus ouvidos perguntando se eu era brasileira. Respondi que sim, sem muito interesse, nem mesmo olhei para quem fizera a pergunta na esperança de que o intruso fosse embora. Que nada!

Eu adoro o Brasil. Estive no Rio de Janeiro, no carnaval ano passado. Adoro os brasileiros. As brasileiras são lindas e muito simpáticas! É mesmo? – respondi. Levantei os olhos para ver o dito cujo e meu queixo caiu. Uau, que homem!  Moreno, alto, porte atlético até, cabelos grisalhos, voz sedutora e um lindo sorriso. Devia ter cinquenta e cinco anos mais ou menos. Muito educado pediu desculpas por ter interrompido minha leitura, mas já era o terceiro dia que me via sozinha na praça, queria se aproximar, conversar, não teve chance. Hoje saí de casa determinado a me aproximar e invadir sua privacidade.  Se apresentou e me convidou para tomar uma taça de vinho. Aceitei.

        Fomos a um dos muitos restaurantes italianos com mesas na calçada, ali mesmo na praça. Ele pediu um vinho tinto Brunello di Montalcino. Como não sou iniciada na arte dos vinhos fiquei maravilhada quando o garçom trouxe a garrafa, taças especiais, um decanter e iniciou um ritual para servir o vinho que nunca tinha visto antes.

        Edoardo explicou de maneira carinhosa, sem nenhum tipo de afetação que o Brunellos di Montalcino é um dos vinhos da Toscana mais importantes da Itália, elaborado cem por cento com Sangiovese Grosso, amadurecido por no mínimo dois anos em barricas e seis meses em carvalho. Sendo da categoria Reserva deve permanecer dois anos em barricas e dois na garrafa antes de ser comercializado, único de origem controlada. Não entendi nada mas concordava com tudo e realmente o vinho era delicioso, descia como um luva antes dos seus aromas passearem por toda a boca.
       
        Quando percebi já escurecia, duas garrafas vazias de vinho jaziam sobre a mesa entre farelos de pão e restos de queijo. Tínhamos passado horas conversando animadamente quando nos levantamos. Eu meio tonta logo fui amparada por Edoardo que insistiu em me acompanhar até o hotel.
       
        Não me perguntem como, só sei que ao chegar ao hotel os braços do italiano já estava ao redor do meu corpo com meu total consentimento e assim fomos nos dirigindo ao elevador, nos corredores, a porta do meu quarto, ao beijo e a nossa primeira e louca noite de amor.

        E assim continuou durante duas semanas. Simplesmente não nos largávamos dia e noite em passeios pela redondeza. Edoardo me apresentando uma Toscana desconhecida pelos turistas, tudo é alegria e despreocupação. Passo dias sem dar notícias para os filhos.

        O tempo passa, minha viagem está chegando ao fim. Fazemos planos para nossos futuros encontros no Brasil. Eduardo promete que passará o verão comigo. Estou plena e feliz, outra vez encontrei alguém para amar.

        Até que em nosso último dia juntos saboreando o famoso vinho Montalcino em Firenze uma mulher aproxima-se da nossa mesa, sem pedir permissão, senta e pede uma taça de vinho. Olho para Edoardo, ele está petrificado. A mulher acende um cigarro despreocupadamente e com o olhar fixo no homem diz: você não vai apresentar sua esposa para sua amiga? Meu mundo cai. Levanto, ando sem rumo, vejo um táxi, aceno e entro sem olhar para trás. Nunca mais vi meu italiano!

AMOR DE PRIMAVERA - Ledice Pereira

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AMOR DE PRIMAVERA
Ledice Pereira

Beatriz mal podia esperar o dia seguinte. Estava eufórica! Sua amiga Nilza a convidou para passar a semana em Campos do Jordão. Adorava Campos, principalmente, naquela época em que os caminhos tingiam-se de azul com a presença de tantas hortênsias que traziam toda a alegria da estação.

Era outubro e a escola tinha presenteado os bons alunos com a semana do saco cheio.

Beatriz nem conseguiu dormir direito. Às sete horas já estava de banho tomado de plantão à porta da casa.

O motorista estacionou pontualmente às sete e meia, conforme combinado, trazendo Nilza e o irmão mais velho.

Os pais iriam no final de semana.

Bia tentou disfarçar o vermelhão que lhe tingiu as faces. Sentia as bochechas quentes. Desculpou-se dizendo que havia descido as escadas correndo.

A verdade é que a presença de Henrique mexia muito com ela.

Procurava esconder o sentimento que a arrebatava.

Ele, por sua vez, não a ignorava. Talvez fosse por causa dela que resolveu aderir ao grupo, desistindo de viajar com os amigos que iriam no dia seguinte.
Nilza percebia tudo e procurava agir como um cupido, aproximando os dois adolescentes.

A viagem transcorreu sem incidentes. Bia conseguiu dominar sua inquietação e o papo rolou solto. Nem sentiram o tempo passar.

Anselmo dirigia com muito cuidado. Trabalhava há quinze anos para a família e cuidava dos jovens com muito carinho e atenção.

A chegada a Campos causou ainda mais impacto em Bia, tão colorida estava a cidade.

O sol já ia alto quando chegaram e eles deixaram as malas na casa onde Regiane os esperava e foram caminhar pelas alamedas floridas.

Henrique ia indicando os lugares mais interessantes e Bia estava ainda mais encantada com ele.

Por outro lado, ele analisava cada ângulo daquele rostinho, descobrindo traços nunca antes notado e apreciando cada vez mais a companhia da garota.

No final do dia, ambos não podiam mais esconder o que sentiam.

E, à tarde, naquele cenário primaveril trocaram aquele que seria apenas o primeiro beijo do casal apaixonado.

Muitos outros vieram selar o encontro daquelas almas gêmeas.

Oito anos depois, naquele mesmo cenário, vários carros estacionavam trazendo familiares e amigos de Henrique e Bia para assistirem à cerimônia de seu casamento.

Não é preciso dizer que Nilza estava orgulhosa por ter sido convidada para madrinha da amiga e agora cunhada.



PASSAPORTE ITALIANO - Oswaldo Romano


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PASSAPORTE ITALIANO
Oswaldo Romano                                                              

        Esta história marca as férias de julho de Fábio e sua família. Preparam-se para uma viagem à Itália. Cinco pessoas que durante um mês vão vibrar com essa aventura. Aventura sim, porque o objetivo é cumprir uma nobre missão.

        Descendentes de italianos vão tornar-se cidadãos de dupla nacionalidade. Um novo passaporte!

        A necessidade da permanência no país de cinco meses para receberem os novos passaportes foi resolvida pelo Cleber. Um brasileiro residente, conhecedor dos meios de reduzir essa permanência. Sério, recomendado pelos inúmeros trabalhos que prestou.

        Da procura de documentos comprobatórios da descendência, pouco falta.

        Não foi fácil encontrá-las. Inicia-se sempre pelos cartórios e cemitérios. Cemitérios onde as crianças a procura dos bisavôs, veem almas penadas vagando pelo espaço.

Fábio, casado com Cris, tem os filhos Chiara, 14, Daniel, 19 e Gabriel, 21 anos. Nessa idade, durante o garimpo, foi uma vibração de movimentar a casa.

Há tempos eu não assistia netos tão interessados na vida dos avós e bisavós. Bisavós que quando aqui chegaram não encontraram o país que lhes venderam, um Brasil adornado de flores.

— Pai, comentou Chiara. Os nonos ficarão contentes em saber dos nossos desejos, não é pai?

— Ficarão muito orgulhosos. Talvez sintam um pouco de mágoa e injustiça.

— Por quê?

—Eles vieram da Itália sabendo apenas capinar, mas que teriam uma vida menos dura num país encantado. Chegaram na terceira classe de um velho navio, camas pelo chão, poucos banheiros, um mundo de enjoados. Muito triste, filha. Já pensou, agora nós lá na classe executiva, tomando champanhe! Fruto da semente que plantaram há tantos anos, guardando minguadas economias. Não lhe parece uma injustiça?

— Que dó! Então vamos também dormir no chão?

— Seu sentimento é muito bonito. Bonito, mesmo. O mundo muda filha, e nós acompanhamos. Veja, vocês queriam ir para o deserto de Atacama, no Chile, certo? Iremos para um lugar muito melhor. Berço dos melhores vinhos e neve macia, branquinha, branquinha.

Hoje a noite, vamos nos reunir. Comentar a viagem, traçar nossos planos. Quero só alegria. Nossa volta às origens! Vamos ter um pé na Itália!

— Quantos dias faltam?

— Dez,  filha. Dez dias.

Fábio e Cris estavam eufóricos. Não era para menos. Últimas compras, sacolas viajando pelos corredores dos shoppings. Não se esqueceram do Cleber, o amigo influente da Itália, que embora cobrando caro, foi muito gentil. Merece também um belo presente.

— Foi com o sacrifício dos nonos, que desfrutamos desta fantástica viagem! Não podemos esquecê-los, comentava Fábio.

—Pai, se for tão bom como fala, a gente fica lá?

— Não filha, mas dá vontade.

Nisso vindo da cozinha aparece a empregada Cleusa que atendeu a porta.

        — Seu Fábio. Tem um homem aí fora. Quer falar com o senhor.

Fábio levanta-se apressado.

— Oi, Sr. Francisco! Fique sossegado seu Francisco, estamos preparados, prontos para a viagem, não se preocupe.

        — Fábio, escute Fábio disse-lhe, (fez silêncio) e se abriu: Fábio, não vá. Sujou! Não vá!

O Cleber foi preso! Fazia maracutáia. Os carabinieres italianos procuram também as pessoas que ele ajudou. Estão sendo detidas!

Fábio deu um respiro fundo, pensou, soltou uns palavrões contidos de enrubescer um convento.

        Fábio matuta um momento, volta para a sala, cabisbaixo.

 — O que ele queria? Perguntou sorridente a Cris.

— Que lá está um frio insuportável, de gelar a alma. Caindo avalanches. Não devemos ir.

— Mas, estamos prontos, e agora.

        — Agora? Bem, agora... Sim, vamos para Atacama. Também frio, mas suportável. É a terra das vicunhas. Espero espantar essa bruxa que me persegue, e que lá, não nos tirem os pelos.


Estado de espírito - Fernando Braga




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Estado de espírito
Fernando Braga

Um fim de semana, começo de inverno, fim de tarde
Olho pela janela, céu limpo, aquele desejado sol
Temperatura, a mais apropriada ao nosso corpo.
Um Scottish no copo, on the rocks, uma dose.

Sento-me saboreando esta bebida em goles
Olho para minha sala e vejo, o velho piano
Que pertenceu à minha saudosa mãe,
Presente de seu pai, que o trouxe da terrinha.

Sentindo-me animado sento na banqueta
Abro a sua tampa, toco cinco notas
Sai aquele mesmo som, ainda perfeito
Pedindo-me insistentemente, para tocá-lo.

Dois goles do Whisky absorvo,
Toco três músicas, que sempre amei
Da época de ouro do cinema americano,
Finalizando com No Rancho fundo

Depois canto com minha rouca voz
Mas dentro do tom, sem desafinar
E mais dois goles desta simpática bebida
Que aprecio desde a mocidade.

Neste momento sinto-me enlevado
Lembrando meus pais, e minha juventude
Olhando pela janela, com o sol se opondo
No superlativo da vida, me sinto.

Encho novamente o copo de cristal
Sento-me em minha poltrona preferida e
Confabulando penso: Estou feliz! Muito feliz!
-Tive uma vida plena e, cumpri minha missão

Vem-me à mente que a morte é hereditária
E eu, já na quarta fase da existência aspiro
Uma morte boa em um momento  igual a este,
Sentado ao piano tocando, ou na cama ao lado de minha amada.

Coloco no som, meu   preferido CD
Suaves músicas de meus velhos tempos
Inspirado me sinto e, o som tocando
Sento-me novamente, começo a escrever.

Um pouco sob o efeito ardido da bebida,
Dou vasão a um delírio injusto,
E um velho, com a mente preservada
Da origem ao trecho que se segue

Já na fase derradeira da existência
Sinto estar perdendo o leme desta nau
Restando apenas tomar o rumo certo
Diretamente para a eternidade.
 
Começo a sentir agora, o inverno do final da vida
O frio da lousa do sepulcro
Sobre minha jaula firmemente cimentada
O início exasperante da estrada escura.

Sem outra possibilidade, entremos
Terá mudanças o novo espaço ermo?
Minh´alma a se desprender sozinha
Do corpo inerte, que se decompor irá.

Esta alma libertada, continuará alhures?
Em outros espaços mais apropriados?
Encontrar entes queridos que amei?
É tudo o que desejo ainda! ...Mas,

Mas, me vejo cético, esperando a morte,
Um fim extremo, sem alternativas,
Sem inferno, céu, nem mesmo Deus presente,
Simplesmente, um fim inexorável.

Acredito firmemente, ser alguém sem alma
Como um gato, um cão ou uma cotovia,
Morrer sem privilégio é triste!
Unicamente, será o final dos tempos! De tudo!




Momentos de Magia - Ledice Pereira


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Momentos de Magia
Ledice Pereira

Aquele vestido brilhante era tão lindo que Silvinha não conseguia desviar os olhos dele.

Estava na casa da tia Renata que mostrava, entusiasmada, as roupas que iria usar no desfile.

Silvinha estava tão maravilhada que mal escutava o que a mãe e a tia conversavam.

Imaginava-se chegando ao castelo na carruagem puxada por dois cavalos brancos, dentro daquele vestido que servira como luva.

Estava belíssima!

Os cabelos louros presos num coque exibiam uma linda coroa de flores.

─ Agora só falta encontrar o príncipe ─ disse ela em voz alta, chamando a atenção da mãe e de Renata.

Estava tão hipnotizada no seu mundo de fantasia que nem reparou nas duas. Entrou no castelo no meio da floresta.

─ Eu deveria ter trazido ao menos o xale mas ia esconder a beleza do vestido. Ouvi outro dia a mamãe dizer que gente chic não sente frio. E eu sou muito chic.

Começou a rodopiar pela sala, provocando o riso nas duas mulheres que assistiam ao momento de magia que transportava a menina àquele conto de fadas.

O som da campainha quebrou o encanto fazendo Silvinha deixar sua personagem, e curiosa ir verificar quem chegava.

─ Vovó! ─ gritou ela, pendurando-se no pescoço de Zélia, você chegou tarde. Perdeu o baile no Castelo. Que pena, vovó. Eu estava tão linda! Você ia amar.

E continuou conversando com a avó, contando-lhe toda sua aventura. Afinal a avó era a única pessoa com quem podia conversar sobre tudo.

Ela nunca ria dela e participava sempre de todas as fantasias da neta, sem críticas ou deboches.


Ao contrário, costumava dar corda para ver até onde iria a deliciosa imaginação da pequena.