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O relógio de ouro - Ises de Almeida Abrahamsohn


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O relógio de ouro
Ises de Almeida Abrahamsohn

Estava no escritório de sua pequena indústria de peças de alta precisão quando o telefone tocou. Era alguém do DOPS intimando-o a comparecer à delegacia central. Desligou o aparelho, deixou-se cair na cadeira e veio-lhe o gosto metálico do medo. Eram os anos 70 em São Paulo. Teria feito algo de errado? Talvez um dos empregados? Teria que obedecer à intimação. Isso era certo. Imigrante, tinha sido apátrida quando escapara da cortina de ferro, mas agora tinha passaporte e sua carteira de estrangeiro. Os impostos e pagamentos estavam em dia. Tomou um copo d’água para se acalmar. Em vão. Relembrou o pavor que sentira há quinze anos quando, em busca de liberdade, cruzou a fronteira.

Separou os documentos da firma, escritura da casa e da fábrica para mostrar. Avisou a mulher. No dia seguinte apresentou-se na portaria do ameaçador prédio no bairro da Luz. Indicaram-lhe uma sala do segundo andar. Cruzou com tipos mal encarados à paisana em cujos olhares oblíquos pressentia ameaças. Foi recebido por um homem gorducho de meia idade que se identificou  como ligado à Interpol. O infeliz cidadão engoliu em seco.

— Quero apenas saber se o senhor tem um relógio Rolex de ouro!

Boquiaberto, o interrogado recuperou o controle e informou que há cinco anos de fato tinha possuído um; tinha sido roubado numa viagem de trem entre Bruxelas e Frankfurt. Contou que deixara a maleta contendo  o relógio e outros pertences sob a guarda de dois passageiros enquanto foi jantar. Quando voltou, o compartimento estava vazio e a maleta havia desaparecido. Deu queixa, porém o seguro não lhe reembolsou o relógio que havia sido presente da mulher.


O delegado contou-lhe que a polícia de Barcelona encontrou  o relógio no pulso de um indigente morto. Localizar o verdadeiro dono foi possível porque por ocasião da compra dos relógios dessa marca  o nome do comprador é anotado e registrado na firma. Cada peça leva o número de identificação gravado no verso.  Entretanto em Barcelona só lhe entregariam o relógio, caso se comprometesse a arcar com as despesas do enterro do infeliz. Pasmo com essa história, apressou-se a concordar. Alguns meses depois recebeu na Europa o seu relógio de estimação.

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