MAGNETISMO
Silvia
Helena de Ávila Ballarati - (Vinha)
Hurra!!
Hurra!!!
A
plateia veio abaixo, ovacionando o inusitado formando. Tinha sido uma
verdadeira batalha conseguir que a faculdade, às pressas, adaptasse o
anfiteatro para cadeirantes. O laureado daquele ano era tetraplégico e se
expressava lentamente. Terminava o curso de jornalismo com honras e louvores.
Marcelo Lobato, fruto dos mais improváveis finais felizes, era o orador da
turma de 2016 por indicação de Gabriela.
Dr.
Francisco e Dra. Ana, ambos pediatras, acostumados à rotina hospitalar, às
vicissitudes da profissão, super zelosos com seus pacientes, sentiram-se
estapeados pela vida ao gerarem um filho com paralisia cerebral. Parou tudo! A
vida deles se congelou! Não pensavam, não se falavam, não comiam, não viviam.
Foi assim por muito tempo até digerirem o incontestável. Marcelo, um bebe
observado desde a concepção, cujo desenvolvimento fora acompanhado mês a mês
pelos pais médicos, nascera doente. A medicina? Às vezes ela não serve pra
nada, parece que faz de proposito.
Imaginem
vocês! Ruíram os planos familiares. Os pais rejeitaram o filho. Queriam amá-lo,
viviam uma dualidade de sentimentos.
Choraram com ele, por ele, choraram de cansaço, de remorso, choraram
muito. O fato surpreendeu a todos, avós, tios, amigos próximos que fizeram de
tudo para consola-los, mas a dor era deles, de mais ninguém, pensavam.
Passado
o período do choque, eles se viram à frente de uma verdadeira epopeia. A casa
transformou-se num mini-hospital, psicólogos, fisioterapeutas, enfermeiras
entravam e saiam diariamente. Mas os pais se achavam os únicos verdadeiramente
capazes de fazer algo por Marcelo. Decidiram dar o melhor que podiam a uma
criatura tão indefesa, privada de todos os passos naturais da evolução do ser
humano. Fizeram as pazes com a medicina e mergulharam fundo em estudos e
pesquisas na área.
Marcelo
reagia muitíssimo bem aos estímulos, dava algumas esperanças de andar, falar,
etc. Os pais jamais desistiram. Quantas festas, viagens deixaram de fazer para
estar com ele. Traduziam suas ideias aos interlocutores, disputavam jogos
inteligentes, nadavam sistematicamente para fortalecer a pouca musculatura que
havia sido preservada. Deixaram de viver como um casal normal para se dedicar
integralmente a ele. Marcelo tornou-se uma causa!
Passou
no ensino fundamental, no colegial. No vestibular ficou numa sala especial por
nove horas, ele e seu tabuleiro magnético de letras e números. Já não tinha
interpretes, comunicava-se pelo tabuleiro.
Senhor Deus dos Paraplégicos! Dê-me mais tempo! Pedia Marcelo sempre que
se via aflito para cumprir horários.
Na
faculdade criou um pequeno circulo de colegas, que lhe eram fieis. Graças a
eles fez todas as tarefas em grupo, expôs os trabalhos à banca dos professores,
progrediu quase como um aluno normal. Dentre os amigos destacava-se Gabriela.
Ela tinha verdadeira afeição por ele, seus cuidados chegavam ao de uma
cuidadora. Foi dela o tema células-tronco para o discurso de formatura.
Cuidadora, amiga, eventualmente mulher, sonhava Marcelo em seus longos
devaneios.
A
plateia, atenta à cerimonia, ouvia o fim do discurso. “E finalmente, agradeço
aos meus pais pela minha existência como e hoje, agradeço aos colegas que
pegavam pecinhas do tabuleiro magnético pelo chão, aos professores que perderam
vários almoços me esperando terminar atrasado, agradeço aos pesquisadores que
aprovaram os transplantes de células-tronco.
E
um agradecimento especial. Minha nova vida, que começará a partir de agora,
terá um componente maravilhoso. Além de jornalista, em breve serei um homem
casado. Obrigado Gabriela, meu único amor.” .
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