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Os olhos de meu pai - Fernando Braga


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Os olhos de meu pai
Fernando Braga

        Falar dos olhos, ou mais apropriadamente do olhar de meu pai, é fazer uma análise desta pessoa que amei, que convivi desde pequeno, até o momento de sua morte.

         São 51 anos desta separação, mais da metade de um século, mas ainda guardo nitidamente na mente os olhares que com ele troquei.

        Ele tinha um olhar diferente. Quando pequeno, na infância, seu olhar me transmitia tudo de bom, o amor, a paternidade que exercia plenamente, a bondade, a dedicação aos filhos. Aquele olhar manso, carinhoso, alegre, convidativo, era expressão de quanto ele nos estimava, o que completava com palavras. Meu pai se emocionava facilmente, lacrimejava quando ouvia, lia ou assistia a um filme emocionante. Neste aspecto, penso que o segui.

        Certa ocasião, após ter-me dado uma boa sova, veio agradar-me, fixou seus olhos nos meus e disse:

— Filho, para mim, vocês meus filhos, são verdadeiros deuses. Entenda isto. Procure me compreender.  

        Quando estava bravo por algo inapropriado que você fazia ou deixava de fazer, seu olhar penetrante, agudo falava à sua alma para lhe corrigir, não repetir sua proeza, mas logo, seu olhar mudava demonstrando o quanto nos amava.

         Sentava-se no alpendre de casa, e eu adorava sentar-me a seu lado para poder aprender e, observar seu olhar, aqueles olhos expressivos. Quando alguém conhecido ou desconhecido se aproximava entabulando uma conversa, seu olhar sempre alegre e significativo ganhava a simpatia e a conversa rolava.

         Chamava minha atenção sobre as dificuldades de cada um, de seus problemas, suas conquistas, enfim procurava penetrar um pouco dentro de suas almas.

        Certa ocasião, eu já um jovem, me lembro quando nos visitou um tio, irmão mais velho de minha mãe, bem posicionado na vida, tido como um homem “vivo”, uma verdadeira raposa, em quem ninguém conseguia passar a perna. Quando ele saiu meu pai comentou:

        —Filho, você já prestou atenção nos olhos de seu tio. Parece com aqueles de uma águia, penetrantes, agudos, que não param de se movimentar, procurando seduzir, convencer, olhando, muitas vezes, de soslaio. São como duas pequenas fossas, que tentam se alimentar do brilho dos olhos dos outros. Conhecendo sua fama, você chega a duvidar de suas intenções, do que realmente ele quer de você, se há uma segunda intenção. Você sabe que eu aprendi a entendê-lo melhor quando institui um método, que há muito conhecia, que gostaria de lhe transmitir. Quando estiver conversando, com uma pessoa que você dúvida, não muito confiável, encare-a, colocando os seus olhos, não nos dele, mas dirigidos à parte inferior de sua testa, logo acima da base de seu nariz. Concentre seu olhar neste ponto, fixamente e com força. Vai perceber que a pessoa ficará desconcertada se estiver mentindo ou com segunda intenção. Com seu tio tenho empregado este método e percebi mudanças em suas atitudes, conversas, em seu olhar e mesmo intenções. Tente o método e verá se não tenho razão.

     — Já que estamos falando de olhar, você notou que algumas pessoas quando falam ou te cumprimentam não conseguem olhar em seus olhos? Pois é! Não confie em pessoas que assim procedem. São falsas. Procurei utilizar este mesmo método com elas, mas foi difícil porque elas não te encaram, mas se derem a chance, vai funcionar.

        Muitas outra coisas aprendi com meu pai sobre olhares sorrateiros, carregados de ódio, de raiva e ao mesmo tempo aqueles que  transmitem  confiança, transbordantes   de vida, que procuram uma  correspondência, olhares de ilusão, de magia, de sonho.

        Quando teve um enfarte, permaneci uma semana no hospital a seu lado e pude observar que frequentemente esfregava os olhos, os quais haviam perdido o brilho, mostrando sinais de cansaço, falta de energia e, que aquele olhar dominante, feliz, parecia agora o de uma pessoa subordinada, impotente, inferior.


        Não vou nunca me esquecer dos olhos de meu querido pai, que espelhavam sua alma.

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