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FUÉN FUÉN FUÉN - Ledice Pereira



FUÉN FUÉN FUÉN
Ledice Pereira

Todo dia, na mesma hora, o mesmo som fuén, fuén, fuén, fuén me acordava.
Eu bem que poderia dormir um pouco mais, mas aquele barulho irritante não respeitava nem mesmo o domingo. Às 8 h, pontualmente, o fuén, fuén se fazia ouvir até ficar distante.

Eu ficava fazendo suposições sobre o que emitiria som tão desagradável. Imaginava ser um moleque atrevido, que pegava uma bicicleta daquelas antigas com uma buzininha mequetrefe e saia a pedalar pelas ruas do bairro àquela hora da “madrugada”.

A preguiça, entretanto, não me permitia levantar para saber quem seria aquele intruso, chato que não me deixava usufruir da minha cama na hora em que ela se tornava mais aconchegante.

Naquela manhã, absolutamente enraivecida, levantei-me, vesti meu roupão e abri, violentamente, a janela, pronta para gritar alguns palavrões que me vinham à cabeça.

Dei com um garoto franzino e sorridente pilotando uma velha bicicleta onde procurava equilibrar uma grande cesta cheia de pães, cobertos por um plástico transparente que os protegia da garoa que teimava em cair.

O menino parecia não sentir os grossos pingos que ensopavam suas roupinhas surradas, nada apropriadas para um dia cinza como aquele.

Aquela cena me comoveu. Chamei-o e fui encontrá-lo no portão.

Bom dia! disse-me ele com seu sorriso iluminando o rosto molhado ─ qual desses pães a senhora gostaria de comprar?

─ Todos ─ eu disse ─ para surpresa do moleque.

Eu nem sabia o que faria com aquela variedade de pães, mas queria minimizar o que eu julgava ser um sofrimento àquela criança.

Ele agradeceu sorrindo e falou:

─ Vou lá buscar mais uma fornada. Hoje estou com sorte! Com o dinheiro que vou receber da padaria, minha mãe vai poder alimentar os meus irmãos.

Foi embora sem o fuén, fuén e eu fiquei pensando como pude ser tão implicante.

Daquele dia em diante passei a ouvir o fuén, fuén, fuén como uma melodia, um canto de pássaros, uma sinfonia.

Por trás desse som havia uma história de vida e eu, naquela altura da minha vida, consegui enxergar uma outra realidade.


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