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DOCE OLHAR QUE FULMINA - Maria Luiza Malina




DOCE OLHAR QUE FULMINA
Maria Luiza Malina


O olhar era forte e intenso como ele só. As cerradas sobrancelhas, montanhas impenetráveis, que possuía força de rasgar qualquer pensamento, se dissolviam no olhar; momento que se recolhia em um raro afago para com os filhos.

Libertava-se ao se desvestir de médico. O amávamos.

Em raras ocasiões, relaxava-se numa Berger. Corríamos, éramos três marias a disputar um colo. O amávamos.

As lembranças foram poucas, mas intensas. O amávamos.

Nas refeições, no almoço em especial era o momento único que nos reuníamos e, em que repassava os olhos nos pratos de cada um - silêncio e pratos limpos. Éramos nós, desviando o olhar do olhar que de tudo se certificava.

Uma pausa e uma ordem – Kuni Mundi e Marthendal - estremecíamos. Os dois motoristas do jeep e da ambulância não estavam à mesa, sempre a mesma coisa, dois pratos vazios temendo o olhar que parte uma porcelana, ao certo os pratos também deveriam estremecer com o – será possível, vocês não aprendem? – Era o respeito dos rapazes. Encolhíamos e, o prato ficava limpo. Às vezes, aproveitando a carona para a escola, íamos de ambulância, que retornava apressada para um chamado. Mais tarde entendemos. Ele os obrigava a almoçar em casa; moravam longe e pouco se alimentavam. Era o chefe do SAMDU. Um olhar perspicaz que escondia compaixão. O amávamos.

Ah! Uma desobediência juvenil. Não queiras saber como o branco do quepe do uniforme acentuava a transformação daquele negro e doce olhar, cujos braços com as mãos presas à cintura nos aguardava no estreito e romântico branco portãozinho de madeira, sem qualquer chance de fuga. O puxão de orelha acontecia.

As sobrancelhas imensas juntavam-se num traço horizontal, agigantando sua postura. Nenhum culpado encarava o semblante alterado. Dos negros olhos soltavam-se chispas de fogo à perder de vista que, deveriam se encontrar com o chicote, perdido no azul de um horizonte qualquer.

Aquele olhar voraz se dissipava quando uma de nós, tomada de coragem, o encarava com olhar cativo ao pedir desculpas pelo deslize. Grandioso de alma sabia perdoar flagelando-se pela dor sentida no puxão de orelha. Nós o amávamos.

Tenho saudades dos quatorze anos de convivência. Um dia voltamos do colégio. A casa estava semivazia, como semivazia se tornou nossa vida. Decidiram por nós. O perdemos por mais pouco. Da pequena cidade florida, fomos morar na grande cidade de concreto. Tudo se acinzentou. A ausência dos olhares passou a ser anual, já não era mais pelo sacerdócio da profissão. O desquite acontecera. Continuamos a amá-lo.


O olhar era forte e intenso. Lia os pensamentos como ele só!




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