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Pensando em estimular vocês e outras pessoas, criei um blog de dicas e desafios para escrever mais e melhor.

Entrem lá e aceitem os desafios lançados. 

Vejam as dicas, e  importantes textos que podem ajuda-los a progredir na escrita.

Boa viagem pelo mundo dos  DESAFIOS DE ESCRITA CRIATIVA. É só clicar no link para acessar o blog. 

Deixem comentários no blog, e mandem os textos para o e-mail indicado.

Ana Maria Maruggi agradece.


Obrigada, galera.





A saga de Leninha - Fernando Braga


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A saga de Leninha
Fernando Braga


Um casal de nordestino decidiu se unir e foram viver em um barraco alugado na favela Paraisópolis. Ela, Marluce, era mulata clara e trabalhava como lavadeira e passadeira de roupas em casas de vizinhos mais abonados, que habitavam edifícios próximos. Ele, Pedro, um branquelo que todos os dias levantava bem cedo, para  junto com dois colegas, pegarem o caminhão da prefeitura e coletar o lixo do município. Voltava apenas no final da tarde, após exaustivo dia. De seus ganhos, pouco sobrava após pagarem as despesas.

Ela engravidou, nascendo uma menina sadia, registrada como Lena, que puxara mais a cor do pai e cujo único defeito era uma polidactilia no pé direito, onde tinha seis dedos, sendo o dedo acessório, colocado entre o segundo e terceiro pododáctilos.

A criança trouxe um gasto adicional que pesou em suas vidas.

Pedro tinha desde pequeno crises de epilepsia, controladas com medicamentos diários, os quais não podia deixar de tomar. Marluci teve que parar com seu trabalho   para cuidar do bebe. Nesta ocasião, Pedro teve uma convulsão durante o trabalho, machucando o punho e teve que ser levado a hospital, lá   permanecendo dois dias.

Ao voltar para casa, o desânimo de ambos deu origem a uma conversa, a cogitação, a louca possibilidade de entregarem a criança a uma família que pudesse criá-la melhor. Vejam a coincidência!

Voltando ao trabalho, certa manhã ao coletar o lixo da frente de uma casa de boa aparência, encontrou uma bolsinha azul, de criança, que continha no seu interior lápis, borracha, espelhinho e medalhinhas. Achou estranho aquilo estar na parte superior do latão de lixo. Voltou à casa, tocou a campainha e foi atendido pela empregada, que ao vê-lo com a bolsinha na mão deu um suspiro e disse:

— Você a encontrou? Que bom! Não sabemos como foi parar na lata de lixo. Lucinha está sentindo muita falta dela. Obrigada.

Após dois dias, quando passaram pela mesma rua, a empregada e a patroa estavam esperando na porta e ao vê-los, veio pessoalmente agradece-lo, dando-lhe uma nota de 10 reais e um pedaço de bolo. Pedro simpatizou-se muito com a senhora e agradeceu-a de coração. Em casa, comentou com a esposa e aventaram a hipótese de oferecerem a filhinha, com 4 meses, àquela mulher. Talvez desse certo.

E, tudo deu certo! A presença daquela criança   foi interpretada como um envio divino, já que aquele casal não poderia ter mais filhos pois a única que tinha, nascera com eritroblastose fetal, uma incompatibilidade no Rh dos pais. O bebe conseguira sobreviver, tomando sangue   imediatamente após nascimento. O médico disse que aquilo foi milagre, mas deviam evitar de toda maneira outra gravidez.

Adotaram a criancinha  sem  titubear, uma companhia futura para Lucinha, que tinha dois aninhos. Cada seis meses Marluci  e Pedro vinham fazer uma visitinha à filha e, ficavam muito satisfeitos ao ver como era tratada, com muito carinho. Sempre recebiam uma cesta de alimentos e algum dinheiro, que não rejeitavam, dadas as dificuldades que apresentavam.

O tempo passou e aos 4 anos Leninha foi para o jardim de infância, frequentado pela irmã. Quando fez seis aninhos a mãe explicou-lhe sobre a sua adoção e disse que aquele casal que raramente vinha visitá-los, eram os pais verdadeiros. Ela não acreditava, tomava como brincadeira e não aceitava   quando nestas esporádicas visitas, eles pegavam-na no colo e ficavam a beijá-la.

Perceberam que haviam perdido de vez a filhinha, e sabiam que nenhum direito mais tinham sobre ela, que não seria justo tentar recuperá-la para ir morar em uma maloca.  Marluci sofria demais, mas entendia que tudo era para o bem da “filha”.

Uma nova gravidez veio para Marluci, agora nascendo um menino, que puxou mais o lado da mãe, um moreninho portando o mesmo defeito no pé direito, os seis dedinhos, o mau  formado agora entre o quarto e quinto pododátilos.

 Quando esta criança fez um ano e já conseguia andar, vieram mostrá-lo para a irmãzinha que já havia feito 8.  Ela não deu a mínima bola e continuou a rejeitá-los, logo se afastando. Vânia fazia festa  quando  os via, enchia-os de presentes, dinheiro e confessava que já havia contado a Lena, sua verdadeira origem.

O tempo passou depressa, Luciana Lena fez os 15 aninhos e dois anos após, Lena. Eram muito amiguinhas, se davam bem. Frequentavam o mesmo colégio, o mesmo clube, as mesmas festinhas e na realidade ninguém sabia da adoção, a família nunca comentava. Ninguém notava diferença no tratamento que era exatamente o mesmo. Lena, em seu íntimo, passou a aceitar o fato, após ter notado o mesmo defeito no pezinho do irmão, por ocasião de nova visita. O casal nordestino notando a aversão por parte da filha, evitaram voltar a visita-la e, decidiram investir no filho.

Com 18 anos, Lena entrou na faculdade para fazer psicologia e três anos após, começou a namorar um  recém-formado em direito. Gostavam-se muito e tornaram-se confidentes. Certa noite num jantar,  Lena aproximou-se, deu-lhe um beijo no rosto e disse ter algo para confessar-lhe sobre sua vida:

- Sou uma mulher que foi adotada. Meus pais, Vania e Geraldo, que você  conhece, não são meus pais verdadeiros, de sangue, mas de coração. Conheço meus pais verdadeiros que são nordestinos   pobres, que hoje vivem em um pequeno apartamento do BNH.   Meu pai é porteiro de cinema e minha mãe é cozinheira. Tenho um irmão parecido comigo,  bem moreninho, e também tem , seis dedos no pé, exatamente igual ao meu, que você já viu e achou bonito.

Sempre os rejeitei, evitei aproximação, mantendo um contato mínimo. Se fossem pais verdadeiros, não teriam me dado de presente. É verdade que isto mudou minha vida para melhor, mas pais rejeitarem filhos, não é comum. Em seu âmago, ela conhecia a verdade, verdadeira! Era uma psicóloga! A reação de seu namorado foi bem positiva, ressaltando o fato relatado, que para ele  não tinha a mínima importância, uma vez que a amava .Terminou dizendo fazer questão de ir visitar seus pais verdadeiros, aonde estivessem.

Assim foi feito e ao se apresentarem no minúsculo apto dos pais, em bairro afastado, foram recebidos com enorme surpresa e alegria.

Lena abraçou muito sua mãe, beijou-a carinhosamente e depois seu pai, e em seguida após sentarem-se, pediu perdão pelo seu comportamento até então. Seu irmão, agora com 15 anos era um garoto bem privilegiado pela altura, físico e comportamento. Quando viu sua irmã abraçou-a fortemente e logo em seguida, pediu que tirasse o sapato do pé direito. Assim que ela o fez, mostrando os seis dedinhos pintados de esmalte vermelho, tirou seu tênis e colocou o pé direito ao lado do dela e ambos morreram de rir. Ela passou a ajudar os pais e o irmão, para o qual comprou um computador e, que aos 21 anos, após fazer muitos cursos, tornou-se um perito em conserto de computadores, livrando-os dos vírus.

Casou-se Leninha com o advogado e na festa lá estavam todos os familiares e amigos e com a verdade toda exposta. Na vida, todos acabam sofrendo, uns antes e outros depois. Eles sofreram antes.

 O futuro reservou o melhor, para aquela família de nordestinos.

Olhar de pai - Ises de Almeida Abrahamsohn

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Olhar de pai              
Ises de Almeida Abrahamsohn
       

Agora tenho um quarto só para mim.

        Antes éramos muitos, de tamanhos diferentes, e as pessoas grandes (PG) não deixavam a gente ficar muito tempo com o mesmo brinquedo. Às vezes, um maior chegava perto e puxava o cabelo ou dava beliscão. Aí eu chorava e uma das PG me pegava no colo. Mas a PG tinha que cuidar de muitos de nós, então cada um só tinha pouco tempo no colo da PG. Para dormir, uma PG depois de trocar a fralda punha a gente no berço. Rápido um por um e logo depois apagava a luz. Muitas vezes um de nós começava a chorar, e depois outro e mais outro e o barulho me fazia acordar. Aí aparecia outra PG para acudir o chorão. As PG eram várias: umas davam a comida, outras o banho e colocavam na cama. Algumas sorriam e faziam carinho, outras só de vez em quando.

        Então apareceu uma PG que me trouxe para cá onde não tem outras pessoas pequenas. Estou sozinho e essa PG cuida de mim de dia e de noite. Ela fala comigo o tempo todo, e me olha nos olhos e brinca comigo. Quando me põe no chão posso ficar com todos os brinquedos de cima do tapete e de uma caixa saem uns sons muito agradáveis. No começo estranhei um pouco tanta atenção. Mas ela fica na minha frente fazendo sons com a boca e eu já tento fazer igual com a minha boca. Ontem percebi que ela tinha longos fios na cabeça que brilhavam e estendi as mãos para pegar: eram macios. Ela riu e depois encostou a boca na minha cara. Ela faz isso sempre, É que ela está contente comigo. Agora, passado um tempo que eu estou aqui, ela me olha bem de perto e me aperta nos braços e eu olho nos olhos dela e sei que ela gosta de mim e vai sempre me proteger. Quando choro ela vem me acudir e me abraçar. Então ela e eu nos entendemos.

        Mas existe outra PG na casa. É bem diferente da minha PG (minha PG). Vou chamar de PGdif. Tem a voz bem mais grossa, é grande, maior que minha PG e tem uns fios na cara que raspam o meu rosto. Eu vejo PGdif bem menos que minha PG. PGdif às vezes brinca comigo e me pega no colo e o jeito que me olha não é igual ao da minha PG e é um pouco como o olhar daquelas PGs de antes de eu vir para cá. Muitas vezes PGdif fica bem pertinho da minha PG e os dois se abraçam e encostam as bocas. Eu não gosto porque eu quero a minha PG só para mim.


        Agora estou mais sossegado porque as coisas mudaram. De uns tempos para cá, PGdif tem brincado mais comigo, me dá banho à noite e fica comigo no colo mais tempo enquanto a minha PG vai fazer outras coisas. Eu descobri que gosto de ficar no colo de PGdif que faz uma coisas legais como me jogar para o alto e me colocar nos ombros. Ontem PGdif me colocou sobre os joelhos e me olhou bem na cara. Falou umas coisas e eu consegui fazer um barulho parecido para ele. Acho que agradou muito. Quando olhei bem nos seus olhos, eu entendi que agora o PGdif também gosta de mim e, juntos, eles vão me proteger.

POR AMOR A LUCIA - Carlos Cedano


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POR AMOR A LUCIA
Carlos Cedano

Durante dez anos Marco e Ilda viveram em permanente agonia, com apenas dois anos de idade a filha Lucia foi raptada e nunca houve pedidos de resgate e as muitas ligações recebidas se revelaram pistas falsas. Embora cada dia renascesse neles a esperança de uma boa noticia, ela murchava ao cair a noite, mas no fundo do coração dos pais uma pequena e teimosa chama de esperança permanecia acessa!

Num dia de primavera os pais receberam uma ligação da policia que tinha localizado numa residência de classe media alta uma menina de nome Marina também com doze anos, porém sem semelhança com os ditos pais. Após longo interrogatório admitiram que “compraram” a menina de um traficante de pessoas e que forjaram os documentos de adoção.

A menina chegou ao lar dos pais biológicos acompanhada da psicóloga Ângela que tinha avaliado seu estado emocional durante uma semana, ela ficou preocupada com a reação de Lucia que o tempo todo esteve com o rosto fechado e com um olhar ausente.

O casal recebeu a filha como a missão de suas vidas: conquistar o carinho da filha e faze-la feliz. Já para Marina, agora chamada de Lucia, sua nova vida lhe apareceu como nebulosa e sua reação foi introverter-se respondendo apenas com gestos. Passados seis meses os pais a mudaram de escola, a nova diretora entendeu a situação que a menina estava vivendo na anterior onde era vista com curiosidade e não como uma aluna inteligente e alegre como sempre tinha sido. A diretora sugeriu procurar a ajuda de um psicólogo, a nova mudança seria para ela e para o casal um fardo muito pesado sem apoio profissional.

Os pais acharam válida a sugestão e após pensar bem chamaram a Ângela e ao vê-la novamente, Lucia esboçou um sorriso que deixou os pais esperançosos.

Seguiram-se muitos meses de terapia, porém de progresso lento. Ângela estava preocupada, percebia que Lucia não conseguia desprender-se do amor dos pais que sempre conheceu e abraçar o amor dos novos. Foi nesta reflexão que Ângela propôs aos pais biológicos uma experiência ousada: integrar os dois casais em reuniões em que as duas famílias dialogassem sem rancores nem recriminações, a vida de uma menina amada por ambos os lados estava em jogo!

Foi um processo lento e difícil preparar os dois casais: vencer barreiras emocionais e também as legais que eram rígidas demais. Finalmente com paciência, os problemas foram sendo superados e as reuniões com a presença de Lucia, já com dezesseis anos, ganharam um ritmo que parecia encaminhar-se para um final...


Bem, a melhor forma de contar o fim desta historia é relatar-lhes o que aconteceu numa pequena e aconchegante igreja do interior de São Paulo. Num domingo ensolarado, com o interior da igreja parecendo um jardim com flores de todas as cores e formatos e com um aroma que sintetizava os perfumes de todas elas, se iniciou a cerimonia aos acordes da Marcha Nupcial de Wagner, foi nesse instante que apareceu Lucia com sua radiante beleza  ladeada por dois padrinhos que agora considerava seus pais, na frente a esperavam em pé suas duas mães e o belo noivo, um jovem arquiteto sorridente e orgulhoso!

O PREÇO DE UMA ATITUDE - Sergio Dalla Vecchia


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O PREÇO DE UMA ATITUDE
Sergio Dalla Vecchia

Sentada em um banco de concreto, no pátio de uma Penitenciaria Feminina, lá estava Consuelo aos prantos.

Tudo passava pela sua cabeça naquele momento; as idas às Maternidades observar crianças no berçário, a oportunidade de ser mãe, o plano e finalmente o sequestro de um bebê.

Consuelo havia feito várias tentativas para engravidar, mas infelizmente as gestações não passavam de 90 dias.

Certo dia em desespero, tentou o suicídio cortando os dois pulsos. Só não morreu face a presteza do marido em socorrê-la.

A obsessão para ter um filho era intensa. Por vezes postava-se em frente a um berçário e ali permanecia por horas observando os bebês. Chorava piano, diante de tantos recém-nascidos, pela angustia de não ter gerado nenhum deles.
A obsessão cresceu a tal ponto, que Consuelo tomou uma atitude radical de sequestrar um daqueles bebês.

Assim o fez.

Numa ação muito arriscada, convenceu a enfermeira a lhe entregar a criança para que a segurasse no colo, fingindo-se ser a madrinha.

Num descuido da responsável, ela saiu sorrateiramente da Maternidade, levando consigo um bebê acomodado dentro de uma sacola, previamente adaptada para o feito.

A fisionomia de Consuelo era outra. Era uma mistura de medo e extrema felicidade. Não via a hora de chegar na nova casa, localizada em uma cidade próxima, onde nem os parentes a conheciam.

Lá chegando, o bebê encontrou um quarto muito bem decorado, um berço confortável e o calor de Consuelo.

O bom marido, entre deixar a mulher reviver e pensar na depressão que a sufocava, acabou aceitando a situação.

O bebê era uma menina branca e foi batizada com o nome de Bianca, pela alvura de sua pele.

O tempo passou e Bianca foi tratada com muito amor e carinho pelos novos pais. Nada lhe faltava. Podia-se dizer que eram ideais, sem a mínima sombra de dúvidas.

Acontece que os abatidos pais biológicos, nunca desistiram da busca do paradeiro da filha desaparecida. Vinham fazendo de tudo para encontrá-la, mas não obtinham sucesso.

A única pista, era a de que a criança nascera com dois dedinhos do pé direito colados. Essa pequena anomalia embriológica é chamada de sindactilia.

Por ser médica, a mãe biológica havia detectado o problema ainda na Maternidade e já pensava em autorizar uma pequena cirurgia corretiva. Coisa que Consuelo não o fez, por achar que de tão sutil, não haveria necessidade da menina sofrer de ansiedade pela intervenção cirúrgica.

Por ironia do destino a médica (mãe biológica) foi convidada a fazer uma palestra aos estudantes do segundo grau de uma Escola, justamente na cidade onde Bianca morava.

A palestra sobre doenças tropicais foi um sucesso. A médica foi aplaudida de pé pelas crianças. Ela de tão satisfeita se propôs a esclarecer dúvidas para quem quisesse.

A Doutora sentou-se à mesa improvisada como consultório e começou a atender algumas crianças.

De cabeça baixa enquanto escrevia disse:

—Próximo!

Foi quando um arrepio lhe tomou o corpo, e elevando a cabeça, deparando-se com uma linda menina de cabelos loiros, em pé à sua frente, mostrando-se também surpresa quando a olhou.

— Oi querida, como se chama?

— Meu nome é Bianca.

— Que lindo nome você tem!

O diálogo prosseguiu e as duas trocavam olhares peculiares de quem já se conhecia de algum lugar.

Não havia pressa na consulta, até que uma caneta foi ao chão e a Doutora abaixou-se para pega-la. Nesse instante, seus olhos brilharam quando viram o pé direito de Bianca.

A sandália deixava à mostra dois dedinhos grudados, como os de sua filha desaparecida.

Com a intuição de mãe, era tudo que ela precisava para acreditar que, aquela menina, era a sua querida filha desaparecida.

Deste momento em diante iniciou-se uma grande batalha jurídica para obter a guarda da sua própria filha.

Demorou, mas após vários tramites, processos e oitivas, finalmente aconteceu o julgamento.

Consuelo foi declarada culpada e condenada pelo juiz a cumprir pena de vinte anos de prisão em regime fechado.

Nesse momento, Consuelo chora na Penitenciaria Feminina pela falta da filha, do seu marido e da família.

Bianca, ainda confusa, tenta se adaptar à nova vida com os seus pais biológicos.

Do pranto de Consuelo e de seus atos, o único fato digno em sua vida foi o arrependimento. 

Os olhos de meu pai - Fernando Braga


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Os olhos de meu pai
Fernando Braga

        Falar dos olhos, ou mais apropriadamente do olhar de meu pai, é fazer uma análise desta pessoa que amei, que convivi desde pequeno, até o momento de sua morte.

         São 51 anos desta separação, mais da metade de um século, mas ainda guardo nitidamente na mente os olhares que com ele troquei.

        Ele tinha um olhar diferente. Quando pequeno, na infância, seu olhar me transmitia tudo de bom, o amor, a paternidade que exercia plenamente, a bondade, a dedicação aos filhos. Aquele olhar manso, carinhoso, alegre, convidativo, era expressão de quanto ele nos estimava, o que completava com palavras. Meu pai se emocionava facilmente, lacrimejava quando ouvia, lia ou assistia a um filme emocionante. Neste aspecto, penso que o segui.

        Certa ocasião, após ter-me dado uma boa sova, veio agradar-me, fixou seus olhos nos meus e disse:

— Filho, para mim, vocês meus filhos, são verdadeiros deuses. Entenda isto. Procure me compreender.  

        Quando estava bravo por algo inapropriado que você fazia ou deixava de fazer, seu olhar penetrante, agudo falava à sua alma para lhe corrigir, não repetir sua proeza, mas logo, seu olhar mudava demonstrando o quanto nos amava.

         Sentava-se no alpendre de casa, e eu adorava sentar-me a seu lado para poder aprender e, observar seu olhar, aqueles olhos expressivos. Quando alguém conhecido ou desconhecido se aproximava entabulando uma conversa, seu olhar sempre alegre e significativo ganhava a simpatia e a conversa rolava.

         Chamava minha atenção sobre as dificuldades de cada um, de seus problemas, suas conquistas, enfim procurava penetrar um pouco dentro de suas almas.

        Certa ocasião, eu já um jovem, me lembro quando nos visitou um tio, irmão mais velho de minha mãe, bem posicionado na vida, tido como um homem “vivo”, uma verdadeira raposa, em quem ninguém conseguia passar a perna. Quando ele saiu meu pai comentou:

        —Filho, você já prestou atenção nos olhos de seu tio. Parece com aqueles de uma águia, penetrantes, agudos, que não param de se movimentar, procurando seduzir, convencer, olhando, muitas vezes, de soslaio. São como duas pequenas fossas, que tentam se alimentar do brilho dos olhos dos outros. Conhecendo sua fama, você chega a duvidar de suas intenções, do que realmente ele quer de você, se há uma segunda intenção. Você sabe que eu aprendi a entendê-lo melhor quando institui um método, que há muito conhecia, que gostaria de lhe transmitir. Quando estiver conversando, com uma pessoa que você dúvida, não muito confiável, encare-a, colocando os seus olhos, não nos dele, mas dirigidos à parte inferior de sua testa, logo acima da base de seu nariz. Concentre seu olhar neste ponto, fixamente e com força. Vai perceber que a pessoa ficará desconcertada se estiver mentindo ou com segunda intenção. Com seu tio tenho empregado este método e percebi mudanças em suas atitudes, conversas, em seu olhar e mesmo intenções. Tente o método e verá se não tenho razão.

     — Já que estamos falando de olhar, você notou que algumas pessoas quando falam ou te cumprimentam não conseguem olhar em seus olhos? Pois é! Não confie em pessoas que assim procedem. São falsas. Procurei utilizar este mesmo método com elas, mas foi difícil porque elas não te encaram, mas se derem a chance, vai funcionar.

        Muitas outra coisas aprendi com meu pai sobre olhares sorrateiros, carregados de ódio, de raiva e ao mesmo tempo aqueles que  transmitem  confiança, transbordantes   de vida, que procuram uma  correspondência, olhares de ilusão, de magia, de sonho.

        Quando teve um enfarte, permaneci uma semana no hospital a seu lado e pude observar que frequentemente esfregava os olhos, os quais haviam perdido o brilho, mostrando sinais de cansaço, falta de energia e, que aquele olhar dominante, feliz, parecia agora o de uma pessoa subordinada, impotente, inferior.


        Não vou nunca me esquecer dos olhos de meu querido pai, que espelhavam sua alma.

SEQUELAS DE UM SEQUESTRO - Sergio Dalla Vecchia


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SEQUELAS DE UM SEQUESTRO
Sergio Dalla Vecchia

A chamada do noticiário da TV foi a seguinte:

Nesta manhã uma criança recém-nascida foi sequestrada em renomada maternidade. Os pais desesperados buscaram a polícia.

E assim, começou a história de uma inocente em braços não familiares.

Foi tolhida de conhecer os pais biológicos e da informação de que eles existiam.

Seu mundo era de plena felicidade, escola boa, passeios, brinquedos, roupas da moda e muito amor dos pais sequestradores. Nada lhe faltava.

De repente, aos nove anos de idade, os pais biológicos após incansáveis buscas, conseguiram encontrá-la. E com enorme surpresa a menina se vê diante de outros pais.

Mas como, eu já tenho meus queridos pais! - Pensava a assustada menina -
Como se atrevem esses dois, totalmente a mim desconhecidos, apresentarem-se como sendo meus pais? Não consigo entender!

E assim um conflito entre duas situações antagônicas, aflorou na pequena cabeça pré-púbere.

De um lado a felicidade, o bem-estar e o amor. Do outro lado a incerteza, a frieza do desconhecido e nenhum comprovado amor!

A menina era convicta do bem querer de seus pais sequestradores, mas não tinha nenhuma certeza em relação aos pais biológicos.

Talvez eles não tenham amor por mim como dizem! -Refletia ela
Não conviveram comigo, não conhecem meus costumes, temperamento e tampouco minhas notas na escola!
Acredito que eles possuam é um sentimento de perda, mas não propriamente amor. É muito impetuoso para se falar de amor!

Foi aberto um processo jurídico, onde os pais sequestradores foram considerados culpados e condenados a 20 anos de reclusão em regime fechado.
Assim, após o vendaval emocional de todos os envolvidos, de uma hora para outra, a menina sentiu-se só e emocionalmente desprotegida.

Com os pais presos e os outros recém apresentados, para ela simples estranhos, a tristeza tomou conta da sua existência.

O juiz concedeu a guarda para os verdadeiros pais, e lá foi a triste menina de encontro ao desconhecido.

A adaptação seria difícil, mas com muito esmero os novos pais iniciaram o processo de conquista da própria filha.

Ela foi matriculada em outra Escola onde aos poucos formou novas amizades. A melancolia que seus olhos mostravam, serviram para que dela se aproximassem as coleguinhas com amor puro e senso de fraternidade. Tal solidariedade muito a ajudou.

O amor da mãe era tanto que chegava a ser exagerado pela quantidade de abraços, beijos e mimos.

O pai um pouco mais distante, mostrava-se bastante feliz. Por vezes punha-a no colo e mantinham diálogos afetivos. Ele aproveitava vez em quando, para especular sobre a convivência com o outro pai. Era ciumento e se esforçava muito para ser o melhor.

Assim o tempo foi passando e a adaptação estava quase completa.

Faltava apenas a realização de uma promessa feita logo nos primeiros dias de convivência.

E, finalmente para a alegria da menina, a promessa foi cumprida e todos foram visitar a arrependida mãe sequestradora, na triste condição de interna em uma Penitenciaria. 


Mini Contos - José Vicente J. Camargo

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Teatro Realidade
José Vicente J. de Camargo

Custava a crer que a cena não fosse real! As lágrimas escorriam pelo seu rosto e os soluços eclodiam no ar atento da plateia. A iluminação difusa do cenário ajudava a compor a cena fúnebre em que o palco foi transformado. Os espectadores o miravam compartilhando a sua dor pela perda do ente amado. Lembranças pessoais lhes brotavam do fundo da alma, ligando seu íntimo real ao imaginário da peça.

Mas justamente esse conflito entre ficção e realidade era o que mais atormentava a mente do ator principal, que não conseguia desassociar um do outro. Sobretudo sabendo, sem ensaios nem floreios, que esse conflito era o causador do seu sofrimento irreversível, sem cura. Era o preço que tinha de pagar pela arte que escolhera com tanto ardor.

Sua recompensa viria glamorosa nas palmas e nas críticas de louvor que receberia da plateia e da mídia agradecida...




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Natureza de Amor
José Vicente J. de Camargo

Seus pés já davam sinais de cansaço e o corpo insistia numa pausa. Lamentava não ter procurado mais tempo para o exercício do caminhar solto e despreocupado pelas matas, montanhas e campinas. Era seu hobby predileto na adolescência e juventude. Mas, com o diploma universitário, a preocupação com o trabalho profissional o absorvia cada vez mais, enquanto seu tempo livre decrescia na mesma proporção. Sentia não ter se rebelado contra essa regra estabelecida por uma sociedade focada no sucesso do capital. Tanto tempo perdido sem que seu espírito fosse devidamente recompensado. Do seu íntimo crescia a vontade de abraçar a paz, o silêncio que o ambiente ao seu redor lhe transmitia. Ao atravessar um riacho que cortava a trilha, resolveu fazer uma parada aproveitando a água corrente e fria para relaxar os músculos. Sem o peso da mochila nas costas, os pés se deixando massagear pela correnteza e a sede amainada pela água cristalina, contemplava a mata verdejante. Quanta força e vida. Relaxado, deixava essa pujança lhe penetrar na alma. Sentia-se revigorado. De repente, talvez pela natureza borbulhante, se sentiu transportado para um romance de João Guimarães Rosa:

Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura”...

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Amor de Mãe  
José Vicente J. de Camargo

Esse “escurinho” não pertence à minha ninhada, fareja a gata Mel ao ver entre sua cria uma manchinha escura procurando uma de suas tetas. Mas retém o impulso de expulsá-lo, quando o observa um tanto desnutrido miando de fome. 

Antes que contagie os demais, vou fortalecê-lo, e depois o carrego ao terreno vizinho de onde deve ter vindo, já que na casa da madame “gato de fora não mia”. No entanto, ao sentir sua ganância sugando-lhe a teta e a aceitação dos membros de “direito ao leite” com o intruso, sem reclamações, brota do seu íntimo o amor de mãe:

“Um a mais dá para suportar! Depois, minha ninhada fica mais exótica, como gosta a madame, artista plástica de mão cheia...”

                                 

UM ESPETÁCULO NO TÊNIS - Oswaldo Romano

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UM ESPETÁCULO NO TÊNIS
Oswaldo Romano     
                                                                     
        Dois competidores, Piva e Teka, disputavam a partida preliminar, enquanto a assistência inquieta aguardava a final do Campeonato Paulista. Eram do interior de Minas Gerais, desconhecidos pela maioria dos adeptos. Preenchiam o tempo que faltava.

        Como soe acontecer, a plateia conversava ruidosamente, dando pouca ou nenhuma atenção para o duelo que na quadra desenrolava. Eis senão quando, aquele falatório foi silenciando e os olhares voltaram-se para a ferrenha disputa. O que mais chamou a atenção, foram os impactos aplicados na bola que retumbavam no ginásio.

        Olha, olha que disputa, ouvia-se. Caramba! Jogam bem, muito bem.
 Aos poucos o que retumbava eram os entusiasmados aplausos antes contidos pelo desinteresse.

        Lob, backhand, smash, forehand, slice, só vistos nos bons da primeira classe, eram trocados pelos, até então, desconhecidos atletas.

        Sabe aquela leitura que você não quer que acabe? Assim ficou paginada essa partida.

        No terceiro sete, que seria o último, assistiu-se a primeira dúvida envolvendo os jogadores. O senhor juiz deu bola fora no saque derradeiro de quem vencia. Tremenda indignação.

Contava 40 a 30 para o Teka. Sentindo-se prejudicado, contestou com veemência e muito nervoso. Enfrentando o arbitro, irritado, correu em direção a linha de fundo da quadra, onde garantia encontrar a discutida marca da bola.

        O juiz, da sua alta cadeira, apreensivo de ter cometido um erro, com a mão segurando o queixo, aguardou o resultado. Ditinho, o pegador das bolas, curioso como todos boleiros, já estava cercando seu rastro. Taciturno viu que por pouco, passou a linha.

        Teka, numa sacada inteligente, depois de curvar-se, secando a marca com seu olhar, volta-se para o folgado juiz , chama-o e pergunta:

        —Seu Juiz?! Linha vale?

        —Claro!? Vale sim.

Convencido encerrou a partida, apontando-o como o vencedor.

        Autoridade absoluta no momento, deu como bola boa. Teka jogou-se no chão, abrindo os braços e batendo as pernas pela vitória. Ditinho surpreso, curvando-se sobre o alegre tenista, muito desajeitado disse:
        —Mas a bola foi fora...


        —Eu vi, mas eu não falei que ela foi dentro.