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APENAS ZEZINHA - Silvia Helena de Ávila


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APENAS ZEZINHA
Silvia Helena de Ávila

Vinha cozinhar todos os domingos.  Esta foi a maneira que a família encontrou de ajudar Zezinha nos últimos tempos, afinal, foram muitos anos de dedicação.  Vira os meninos crescer, se formar, casar, esteve presente em todos os eventos importantes ocorridos na residência dos Brito Ávila, onde passou trinta e dois anos de sua vida.
Antes dessa mudança,  trabalhava de segunda a sábado junto com outras empregadas domésticas, babás, copeiras, arrumadeiras, mas raramente se dava bem com elas, exceção feita ao  jardineiro Anselmo com  trinta anos mais ou menos de serviços prestados à família. Gozava da confiança absoluta da patroa. Dona Esther geralmente dava-lhe total razão quanto aos problemas surgidos com as outras funcionárias.

Certa vez a babá adormeceu na poltrona enquanto o bebê dormia no berço. Acordou assustada com Zezinha debruçada sobre ela, deu um grito abafado para não acordar a criança e se assustou mais ainda ao ver que ela segurava uma tesoura na mão.  Apesar de muitas explicações e desculpas, tudo ficou por isto mesmo, e a moça não demorou a se demitir.

Em outra ocasião, Zezinha se ofereceu para ajudar a copeira a prender os cabelos em forma de coque na hora de servir o jantar. Então pegou a tesoura e pediu para cortar um chumaço das pontas, dizendo que o achava lindo e  iria sugerir   para  a sobrinha pintar da mesma cor. A moça  virou-se  rapidamente e Zezinha deixou a tesoura cair no chão, as duas se desentenderam, falaram alto e d. Esther foi chamado ao quarto delas pois a copeira, nova de idade e no serviço , estava nervosa, chorando assustada. Ela já tinha sido avisada dos hábitos estranhos de Zezinha que, mais que depressa, inverteu os fatos para a patroa. O jantar não podia esperar, pouco sabiam desta nova funcionária, d. Esther não quis prolongar o assunto e mais uma vez, tudo se resolveu a favor de Zezinha.

Às vezes Anselmo via Zezinha fazer coisas estranhas. Trazia um líquido escuro, embebia nele o que parecia ser  algodão , fazia montinhos, uns ela queimava, outros guardava de novo, achava esquisito tudo aquilo,  mas nunca perguntou diretamente do que se tratava.  De poucas palavras, ele também não gostava dela, conviviam bem justamente porque pouco se falavam. Ficou tão indignado uma vez que resolveu falar. Contou à patroa sobre os montinhos queimados, disse ter visto Zezinha com livros de magia negra, que ela  comentava sobre  sessões de descarrego, que debochava do emprego,  etc  e como de hábito d. Esther ficou quieta, mas inquietara-se com os fatos e  embora parecesse não ter dado  grande importância, logo depois disso Zezinha passou a  trabalhar somente aos domingos.

Certa vez, depois do jantar, dona Esther reparou no açucareiro de prata escurecido, com certeza por descuido da copeira. Às vezes sentia falta de Zezinha nestas funções. Sozinha, já tarde da noite, resolveu ela mesma ir areá-lo e aproveitar para dar uma limpada geral na bandeja também. Pegou o silvo e o pote de algodão na despensa, preparou um chá de camomila  e sentou-se na mesa da copa. Destampou o pote, enfiou a mão no fundo e sentiu uma textura diferente e viu que nem era branquinho como algodão. Ao tirar a mão  tinha entre seus dedos tufos de cabelo embaraçados. Levou um susto que a fez derrubar a xícara de chá e o pote na mesa.

Correu depressa para o quarto para contar ao marido. Juntos se lembraram das inúmeras vezes em que encontraram cabelos pelo chão dos quartos das filhas, sempre pensando que fossem dos cachorros apesar de quase não entrarem na casa, das vezes em que o ralo do banheiro das funcionárias ficou entupido,  do amor de Zezinha pelos meninos enquanto eram nenês, daí a sempre pedir para guardar um cachinho de seus cabelos de lembrança. Ficaram arrepiados ao juntar todos os fatos, todas as queixas dos vários funcionários que passaram pela casa, todas as situações sinistras que só agora faziam sentido.

E pensar que foram mais de trinta anos!

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