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Da boate à delegacia - Fernando Braga


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Da  Boate à delegacia
Fernando Braga

       Há muitos anos, ainda solteiro, Zé Osvaldo levou sua namoradinha, , a uma concorrida boate chamada Bambú, onde podiam dançar agarradinhos e depois jantarem.

       Naquele ambiente festivo, muitos casais e jovens avulsos se reuniam, se deliciavam com a música, bebiam cerveja, cuba libres e os mais abastados, o uísque.

       Sentados em uma mesa atrás da sua, estavam dois jovens sem acompanhantes, bebendo caipirinha,  falando alto, atrapalhando um tanto o ambiente cordial e tranquilo.

       Certo momento, a namorada de Zé Osvaldo aproximou sua cabeça da dele e sussurrou:

       —Dois rapazes que estão atrás de você, estão me provocando, não param de me olhar, fazendo sinais de que querem dançar comigo, piscando e mandando beijinhos.   Parei de olhar naquela direção, mas não param de me fazer caretas, rindo sem parar. Parecem estar bêbados. Não estão nos respeitando.

       Zé Osvaldo olhou ligeiramente para trás e disse a ela:

— Realmente devem ter bebido um pouco a mais. Não ligue e não olhe, que logo vão desistir.

       Assim ela procedeu. Foram dançar uma música suave, colaram o rosto e se apertaram.

       Sentaram-se novamente e após uns minutos, aproximou-se dizendo:

      — Continuam me provocando e agora estão me fazendo gestos obscenos. Estão  fazendo gestos obscenos  e  piscando ( fez o gesto). Você sabe muito bem, o que isto significa?! Pensam que sou alguma vagabunda.

        Ele olhou rapidamente para trás e realmente viu um dos rapazes fazendo este gesto na direção dela. Calmamente ligou um  mini gravador que sempre trazia no bolso, levantou-se e parou em frente aos dois rapazes, olhando feio para eles indagando em voz firme e alta:

       —Qual é meu? O que vocês dois estão querendo. Estão bêbados?

       Responderam eles, em voz agressiva:

— O que foi meu? Você tá querendo briga?

       Levantaram-se.

       Frente a uma contenda próxima, percebida por vários circunstantes, Zé Osvaldo em voz firme enfatizou:

       — Vocês são dois donosos bardos! São dois morígeros!

        — O que foi seu fdp? Fala seu fdp!

       — São dois chischisbeus, deíficos e facundos. Facundos donosos!

       — Repita isto se for homem, seu fdp!

       — É isto mesmo seus dadaístas garrulos! Só são valentes porque estão em dois. Se quiserem podem vir, um a um. Vamos lá pra fora.

       Tentaram se pegar, mas os presentes mais próximos contiveram os dois, até a chegada do ”leão de  chácara”, aquele cara massudo. A polícia também chegou em alguns minutos, a chamado do gerente da boate. Isto era comum acontecer e estavam preparados.

       Foram os três em um camburão, direto para a delegacia próxima.

      O delegado disse que iriam passar a noite na cadeia e começou a ouvi-los. Os dois amigos se adiantaram e disseram:

      — Ele foi o primeiro a nos provocar e nos chamar de vários feios palavrões. Não  fizemos nada. Ele não parava de nos xingar.

       Agora é a sua vez, disse o delegado. Zé Osvaldo adiantou-se e comentou:
       — Não xinguei ninguém. Gravei tudo e o sr. poderá ouvir. Ligou  o gravador e todos   ouviram o palavreado.

       —Tà vendo seu delegado, que desaforado?

       O escrivão tomava anotação de tudo, de todas as palavras.

       Foram para  celas separadas. Dali meia hora o delegado  disse a Zé Osvaldo, que podia ir embora. Comentou que seu secretário anotou seus  “xingamentos” e foi procurar o dicionário.

       —Você realmente os elogiou, mas eles não entenderam, são serem ignorantes. Eu só não conhecia o que era chichisbéu.

      — Pode sair. Eles ficam!

       Que terrível o Zé Osvaldo já era, naquela época remota!


Significado das palavras xingadas pelo Zé:
Donoso= primoroso
Brado= trovador
Morígero= honesto
Chichisbeu= galanteador
Deífico= que diviniza
Facundo= eloquente
Garrulo= que fala muito

Dadaista= Que faz parte do movimento anti-arte ( dadaísmo)

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