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TRAPE ZE. - MÁRIO AUGUSTO MACHADO PINTO.

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TRAPE ZE.
MÁRIO AUGUSTO MACHADO PINTO.

Moro numa cidade que há anos passados era visitada por circos de várias procedências apresentando animais selvagens e palhaços célebres como o Piolim e o Fuzarca. Fui a todos com meu gozadíssimo vizinho que bem os imitava. Gostava demais dos espetáculos, era fã de carteirinha. Como há muito tempo não aparece circo por aqui nem nas cidades vizinhas, quando soube do Circo do Eu  me bateu uma saudade louca. Não tive dúvida, me arranquei pra ir ver. 

O som da música vinha desde o fim da rua. Era acompanhada por uma garotada agitada, barulhenta fazendo piruetas. Lembrou-me a música do circo Ringling Brothers dos Estados Unidos. Corri ao encontro da garotada, mas parei de súbito,  não havia carros com jaulas e animais rugindo, nem elefantes, nem atletas trapezistas, só um palhaço muito da mixuruca com um megafone e uma radiola numa das mãos,  e um banner na outra anunciando a estreia do Circo do Eu logo mais à noite no campinho de futebol. Decepcionante, mas em todo caso serviria pra matar a saudade, ter lembranças de quando era moleque birrento querendo passar algum tempo a mais até a hora de dormir. Ao dizer da minha mãe era “Hora de fazer xixi; já pra cama”.

Fui à pensão e jantei ás seis horas, imagine! – ao sair, um senhor de certa idade se aproximou e me perguntou se iria ver o circo. Ao responder que sim me disse que também iria, mas mais tarde. Vai se divertir muito, acrescentou.

Pleno verão, o dia ainda claro mostrava aquela luminosidade em que o sol poente pinta o céu com as cores que o artista usa numa tela para limpar seus pincéis. Fui admirando o festival de cores das construções do centro, das residências perto do largo da matriz e as das casas geminadas das vilas. Era bem típica cidade antiga do interior. Notei que havia bancos de cimento com propaganda na praça da matriz, na praça do centro.

Estava tão interessado no que observava que sem notar seguia os grupos de pessoas que se dirigiam ao campinho. De lá vinha o zum zum de murmúrio, aquele som surdo que fazem os gigantes ao respirar, né mami? O que estava acontecendo?  

Cheguei, quer dizer, parecia ter chegado, mas, surpresa: não havia lona erguida nem nada mais. Era só o chão de terra batida do campinho e algumas carrocinhas vendendo pipoca, algodão doce, amendoim torrado, pralinê, raspadinha de morango. Nem tinha iluminação ligada, só a de alguns postes. Não havia circo nenhum. Era o cúmulo.

Já ia me juntar aos reclamantes quando a música de uma “furiosa” chamou a atenção e nesse exato momento apresentou-se o mestre de cerimonias apresentando o Circo do Eu. Terminada sua arenga vaiada sem parar anunciou o palhaço Trape Ze. Virou-se de costas para o público e num vapt vupt colocou uma nova roupagem, uma fantasia mais sem gosto, feia de matar,   meio esgarçada. Ao mesmo tempo pintava o rosto com aquele alvaiade e tinta vermelha e preta pra engraçar a cara. Sim.  De tão borrado aquilo não era rosto, era cara de palhaço triste. Fez umas micagens muito do sem graça e num segundo descartou a fantasia e apresentou-se vestido de malha colant, cinto de couro de atleta apertando sua pança – não era barriga – e o bundão, ambos enormes.  Reparei bem: fiquei surpreso, era o velhote da pensão. Que coisa!

Com a cara e a coragem – imaginei eu – sem se perturbar deu inicio ao espetáculo anunciando Jaqui Lebon, atleta major e trapezista internacional. Começou a correr, a dar cambalhotas, pegar garotinhos e lança-los ao ar – gritos pra todo lado: É louco, é maluco! Mães e pais correndo atrás dele querendo mata-lo e ele nem aí. Fazia o espetáculo. O interessante é que aos poucos as pessoas sem perceber formaram um circulo com o Trape Ze no meio fazendo seu espetáculo.

2ª PARTE.

Enquanto imitava os lances de trapezistas com suas cordas balançando-se no ar, fez mil estripulias e ai apresentou-se como o domador dos Farinhas, leoas e leões africanos ainda selvagens. Seus trejeitos davam ideia de um domador e com seus urros, que havia feras no picadeiro. Aplausos de todo mundo e gritos de “mais, mais” dos garotos, e ele só sorria.

Sem mais nem menos, de supetão, anunciou a trupe dos cavalos árabes e corcoveava como eles, dava voltas, dobrava as pernas e se ajoelhava curvando as costas, escoiceava,    relinchava e galopava pelo campinho e com esse “numero” encerrou sua performance da noite. Sob palmas e gritos – sempre dos garotos – pegou seu chapéu de palhaço e passou pela assistência. Poucos colocaram uma moeda ou uma nota que ele agradecia como fazem os bailarinos.

As pessoas foram saindo, se dispersando voltando pra suas casas e eu fiquei olhando o que o Trape Ze ia fazer. Nada demais: pegou seu aparelho rádio gravador e deixou tocar a aria Ridi, um trecho da opera Paggliacci  em que se ouve ”...Ridi , sei pagliaccio. Veste la giubba e la faccia enfarina, la gente paga e rider vuole qua...”. (**)

Bem, não foi tão mal assim. De alguma maneira foi divertido.

Ao chegar de volta à pensão perguntei pelo senhor de idade.

- Ah, o palhaço?

- Sim, confirmei.

- Foi embora. Tome. Deixou este bilhete pro Sr.

Peguei o bilhete e li:  Foi pra você. Vê-lo rir depois de tantos anos foi meu cachê.
Até mais ver. Abraços.

Ai, que tristeza, Punchinello.



(*) –    Trapeze – filme de 1956 com
            Gina Lollobrigida, Burt Lancaster e Tony Curtis.

(**) – Opera “Pagliacci (Punchinello) de
            Ruggero Leoncavallo (1857 – 1919).
            Aria “Ridi, pagliaccio”.

Em tradução livre: ...Ria, és palhaço.  Veste o casaco e embranquece a cara, a gente paga e quer rir aqui...

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