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ZÉ DO PAPELÃO - SÉRGIO DALLA VECCHIA


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Foto de Miguel Castello

ZÉ DO PAPELÃO
SÉRGIO DALLA VECCHIA

José da Silva e Tal é o meu nome.

Venho de boa família, sou formado em administração com MBA, falo fluentemente três línguas, fui por muitos anos diretor de uma grande Instituição Financeira.

Resolvi escrever minha estória como um desabafo e libertar-me dos meus grilos.

Há alguns anos eu estava no auge de minha carreira profissional, meu ego era gigante, as amizades importantes, restaurantes famosos e vida muito confortável.

Tudo ia bem até que certo dia fui convocado para uma reunião de conselho.

A pauta era o nomear uma comissão para incrementar a performance da Instituição.

Ela foi formada e eu fazia parte dela.

Os estudos foram evoluindo até que se chegou à conclusão de que a melhor saída para o sucesso seria a prática de procedimentos arrojados.

Acontece que não concordei com tais métodos e a retaliação foi quase imediata. Boicotes, reuniões sem a minha presença e outras artimanhas.

Não demorou muito e me demiti. De nada adiantou o meu currículo, os bons serviços prestados e o tempo de casa.

O baque foi muito grande na família. Consegui ainda por um bom tempo sustentá-la com minhas reservas.

Não consegui outro emprego e a situação foi ficando insustentável. Minha mulher pediu o divórcio. As contas chegando e a inadimplência aconteceu.

Por vezes eu saia a pé pela avenida Financeira e olhava para cada um daqueles edifícios magníficos. Ficava imaginando quantos Josés haviam trabalhando confortáveis com seus cargos!

Por fim veio a depressão emocional, a falência e a pobreza!

Não restando outra alternativa procurei abrigo em baixo de um viaduto. Fui chegando com a pior expressão que o homem pode demonstrar, a prostração física e mental.

Ali havia um grupo de mendigos que me olharam com indiferença e eu fui entrando. O frio, a fome e a depressão me deixaram exausto. Achei um local e me deitei na posição fetal.

O chão era frio, duro e fedido!

Não demorou muito e um dos homens veio em minha direção. Não sabia se vinha me expulsar ou bater! Fiquei imóvel só esperando o que sucederia! Meu coração batia forte, a transpiração era abundante!

— E aí companheiro? - Disse o barbudo mendigo com uma voz serena. Está com fome? Aceite esse pão. Pegue sem acanhamento. Eu também cheguei aqui nesse estado.

— Nem precisa contar a sua estória, pois não deve ser diferente dos daqui: desilusão da vida, do amor e outras tantas. Coma esse pão, durma e amanhã conversaremos. Deite-se sobre este papelão para diminuir o frio.

Acordei no dia seguinte e havia um punhado de voluntários servindo café e pão para todos. Comi e bebi como um garoto! Foi o mais delicioso café continental que ingeri na minha vida!

Em seguida formou-se uma rodinha de colegas de infortúnio, conversamos bastante e logo me tornei um deles! Não percebi nenhum ato hostil.

O apoio que os desconhecidos me ofereceram foi o suficiente para eu acordar para a vida.

Comecei a catar papelão sem parar. Vendia em um ferro velho próximo e logo juntei um dinheirinho. Energia não me faltava, trabalhava com muito afinco.

Não demorou muito e logo eu era o mais próximo do mendigo líder. Aquele da voz serena que havia me recebido quando cheguei.

Comecei a prestar atenção no modo dele agir com as pessoas. Para tudo dava jeito. Sua bondade era incontestável.

O tempo foi passando e de tanto papelão que catava, fiquei conhecido como Zé do Papelão!

O final de ano estava se aproximando e notei que o líder começou a trazer algumas caixas de fechadas e as empilhava-as com cuidado.

Assim foi juntando até formar um grande volume.

O líder não mudava em nada sua postura serena, pensativa e de poucas palavras.
Entretanto num certo dia, surgiu uma febre alta e tosse, que indicavam uma possível pneumonia. Chamei depressa o socorro médico.

Enquanto isso ele me chamou com a voz pausada:

—Zé do Papelão! Venha cá, preciso de você.

—Sinto que vou morrer, mas tenho uma obrigação com as crianças pobres do bairro e não posso falhar.

—Quero que você me substitua nessa tarefa. Veja aquelas caixas empilhadas. Elas estão repletas de brinquedos doados pelos lojistas e fabricantes. Distribuo todos os anos para a molecada. É a minha alegria de viver! Mas sinto que não tenho mais forças e você foi o escolhido para dar sequência a essa minha missão! Não falhe!

— Mas como conseguirei brinquedos? Não sou tão conhecido como você, diga-me como agir e ainda nem sei o seu verdadeiro nome?

—Entendo sua aflição. Então faça o seguinte:

—Basta mudar o seu nome de Zé do Papelão para  Papai Noel.

—Nunca faltarão presentes para você distribuir. Simples assim! Boa sorte e Adeus!
—Espera! Afinal qual é o seu verdadeiro nome.

—É segredo! ROU! ROU! ROU!

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