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Natal ao Sol - José Vicente J. de Camargo

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Natal ao Sol 
José Vicente J. de Camargo
                     
“Com certeza, nessa situação, eu não estou à procura de um lugar ao sol, como costuma dizer o professor de português, quando tiro nota baixa pelo cansaço que me apaga da cabeça a gramática das frases: Desse jeito você não terá seu lugar ao sol! ”

Ali, no vagão superlotado do trem que o leva ao trabalho, no raiar do dia, depois de uma noite curta de sono, dado ao curso noturno que faz, o que ele mais procura é um lugar firme onde colocar seu segundo pé, no meio daquele amontoado de gente e do desequilíbrio causado pelos solavancos dos trilhos. E é nessa situação que aumenta sua vontade, de por logo seu plano em prática.

“Vai ser fácil executá-lo, vou tirar de letra! Dona Marta tem total confiança em mim. Hoje, no final do expediente, ela recebe da chefia, em dinheiro, o pagamento do salário do mês do pessoal do escritório, acrescido do décimo terceiro e das férias. Uma boa grana, sem dúvida. Outra oportunidade como essa só no próximo ano, se é que continuo empregado até lá, no meio dessa crise toda.”

O trem freia bruscamente, comprimindo todos pra frente qual boiada passando pela porteira estreita.

Essa chacoalhada humilhante não lhe deixa dúvida:

“Chega de sofrimento! Amanhã minha vida muda. Dou um prazo para as coisas se acomodarem e peço dispensa, vou viajar, novos ares...”.       
                       
Chegando no escritório, ele segue a rotina diária, não deixando transparecer nada que pudesse dar margem para alguma desconfiança por parte de dona Marta ou dos colegas.

Como ele já esperava, no final do dia, ela o manda chamar em sua sala:

Toninho, me ajude a separar os salários por funcionário e colocar nos envelopes junto com os recibos. Depois eu os guardo no armário. Amanhã às oito horas me acompanhe na distribuição. A chefia me avisou que a partir do próximo mês, o pagamento não será mais pessoal e sim através de conta bancária. Já estava na hora de modernizar essa empresa. Quem não tem conta em banco, vai ter de abrir uma. Todos têm de ir se adaptando, pois, daqui há alguns anos, não vai mais existir dinheiro em espécie, só em plástico...

“Estou com sorte! Último pagamento em dinheiro. Essa chefia vai se arrepender de querer economizar em segurança. As câmeras de filmar e o alarme estão quebrados por falta de manutenção e o vigilante noturno foi dispensado. Minha chance é agora. Não posso errar em nada, é só seguir o plano”:

Dona Marta, não se esqueça de que hoje é segunda-feira, a Senhora tem academia. Quer que ligue para saber se vai ter a aula de step?

- Não obrigada. Se não tiver aula, faço outros exercícios. Preciso perder uns quilinhos para o réveillon na praia. Como sempre, vou deixar meu carro aqui, estacionar na academia é difícil. Volto no trote, não é longe.

A Senhora e seu gosto pelo esporte! Me dá até inveja. Faz bem, descarrega as energias...Eu vou ficar um pouco mais, montando a árvore de Natal e os enfeites da entrada. Quando a Senhora voltar já estará tudo pronto. Deixo as luzinhas acessas e apago o resto.

− Ok, até amanhã então...

“Ela guardou a chave tetra do armário na bolsa. Tenho de montar os arranjos de natal rápido e depois desço pro vestiário pra colocar a touca ninja – espero que comprei o tamanho certo – as luvas, e pegar o fio de cobre que escondi na papelada da garagem. Quando ela entrar para pegar o carro, a surpreendo por trás, no escuro, e a enforco com o fio. Ela pode estar em boa forma, mas está longe de ter a minha força. Depois, vai estar cansada da ginástica para oferecer resistência, e o fator surpresa está comigo”.

Quando, do alto da escada, ia colocar a estrela de natal no topo da árvore, algo o fez parar! Lembrou da sua infância quando sua mãe enfeitava a árvore e montava o presépio. Ele e seus irmãos a ajudavam. Cantavam as músicas de natal que ela os ensinava e fazia questão que todos cantassem. A que mais ele gostava era “toca o sino pequenino, sino de Belém...”. E quem mais lembrasse das músicas, era quem colocava a estrela na ponta da árvore, terminando a decoração.

De repente suas pernas e mãos começaram a tremer e seu coração se acelera.

“O que está me dando?...Nunca senti isso antes! Será que ela quer me dizer algo? Não acredito em espíritos. Deve ser a ansiedade do momento. Vou descer a escada com cuidado e tomar um copo de água. Dou uma descansada e continuo o plano”.

E assim, preso à cadeira que se sentara para descansar, sem poder se mexer pela câimbra que sentia nas pernas, Dona Marta o encontrou:

Você ainda por aqui? Pensei que já tivesse ido. A decoração ficou muito bonita! Você é um funcionário exemplar. Ia lhe dizer amanhã, mas dado a sua dedicação, digo agora:

Solicitei a chefia, e ela concordou, em promove-lo a gerente adjunto com aumento de salário. E quando for transferida à matriz, ano que vem, você assumirá meu cargo...

Ele olhou para a estrela de natal na ponta árvore, brilhando como um sol, arregala os olhos e balbucia:


Mãe, não fiz nada de errado! Só me deu vontade...

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