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Corrente da felicidade - Fernando Braga

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Corrente da felicidade
Fernando Braga

       Certo dia, em novembro de 1982, Zé Osvaldo recebeu um envelope, contendo um cheque de 100 cruzeiros e uma carta,  enviado por seu colega e amigo Flavio. A carta dizia:

      “Encaminhar este cheque, usando o envelope já selado, onde já consta o nome do destinatário e do remetente, que sou eu”. Dizia ele, que fazia parte de uma corrente da felicidade, em franco progresso. Pedia que Zé Osvaldo participasse, convidando dez pessoas de sua intimidade, amigo, parente, para fazerem parte também. Cada um deles deveria incluir um cheque de 100 cruzeiros a ele, em um envelope, já selado.   Cada um desses 10 que Zé Osvaldo convidasse, deveria por sua vez, arrumar outros 10 participantes, que enviariam um cheque em seu nome, e assim por diante. Cada participante, em pouco tempo estaria recebendo uma bela quantidade de cheques, e assim se daria a sequência da corrente da felicidade.

       — Bom negócio, negócio da China! Dizia ele.

        Zé Osvaldo não era bobo, nem simplório e já tinha ouvido esta conversa. Sabia que esta corrente, também chamada de pirâmide financeira, era uma prática enganosa, além de uma fraude e, proibida por lei. A   corrente sempre era   truncada  e haveria prejuízo, menos para os iniciantes. Os primeiros a entrarem tinham vantagens.

       Veja o que Zé Osvaldo preparou!

        Recentemente, havia recebido uma carta de agradecimento do pai de uma criança que ele havia operado, e que utilizara um papel timbrado onde constava na parte superior, uma inscrição, um dístico da Justiça Federal da União, uma vez que ele era um juiz federal.

       Recortou a parte superior da carta onde estava este dístico, colou-o na parte superior de uma folha em branco. Em seguida escreveu à máquina, o seguinte:
       DEOPS – SP

       Praça General Osório 66-88, bairro Santa Efigênia São Paulo

      Pedimos o seu comparecimento até o último dia deste mês, para prestar esclarecimentos importantes em nosso departamento jurídico  sobre assunto de seu pleno interesse. A falha no comparecimento, implicará em uma condução coercitiva.  Assinado: Tenente Coronel -  Euclides J. Zerbinatti.

S. Paulo, 22 de novembro 1982 

Abaixo deste dizeres, colou o cheque recebido do doutor Flavio. Após esta montagem, a folha por inteiro foi xerocada e enviada em uma carta, ao seu caro colega. Como remetente, apenas: Deops- SP  

       Em dezembro, dias antes do natal, houve uma festa de confraternização de fim de ano. La estavam Dr. Flavio e Zé Osvaldo, com suas esposas. Sentaram-se próximos na mesa, ficando as duas esposas, uma quase em frente à outra.

       Ainda de pé tomando uma bebida, Zé Osvaldo aproximou-se de Flavio e perguntou sobre a tal corrente de felicidade, dizendo que já havia arrumado os seus 10 amigos, dando prosseguimento.

      Dr. Flavio disse:

      — Rapaz! Você não sabe o que aconteceu. Recebi uma carta do Deops, pedindo o meu comparecimento àquele departamento. Fiquei preocupado, pois uma cópia de meu cheque estava na carta que recebi. Você sabe, no regime de exceção que estamos, não é bolinho! Peguei um advogado, meu parente e fomos lá. Ninguém conhecia um tal de Cel. Zerbinatti, que enviou a carta.

      — Fomos conduzidos à sala de um policial, que vendo a carta que recebemos ficou quieto, pensativo e disse que iria investigar. Devíamos voltar em uma semana. Meu advogado e eu não entendemos nada. O jeito era aguardar.

      — Após uma semana voltamos a falar com o mesmo policial que ficava em sala especial. Ele nos disse que tudo era muito estranho e que queriam descobrir quem procurava fazer alguma interferência no departamento, alguma coisa de comunista safado.

       — Eu e meu advogado tivemos que voltar mais duas vezes, até se certificarem de que nada tínhamos a ver com o Deops. Nada descobriram.

       Zé Osvaldo ouvia tudo, dava muita risada, e dizia:

       — Espero que comigo não aconteça a mesma coisa, porque também andei mandando alguns cheques.

       Ele queria aguardar mais um tempo, comentar com alguns colegas, gozar um pouco mais, para depois falar a verdade a Flavio e devolver-lhe o cheque.

        Porém quando veio sentar-se à mesa, sua esposa disse:

       — Conversando com a esposa do Flavio, ela comentou sobre o caso do Deops, e as aflições que ambos haviam passado, temerosos de serem presos.

       — Fiquei constrangida e contei a ela, que tinha sido você, o responsável.

       — Olhe agora para eles. Ela deve estar contando tudo para o marido! Zé Osvaldo, sorrindo, olhou em direção ao casal e Dr. Flavio ergueu a mão fechada em sua direção, deixando o dedo médio bem esticado. Parecia muito bravo. No final, tudo deu certo. Flavio se acalmou, afinal era apenas uma gozação!  


Zé Osvaldo prometeu nada mais contar de suas histórias à sua esposa, que estragou parte, de tudo.

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