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DE OLHO NO GATO - Jeremias Moreira


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DE OLHO NO GATO
Jeremias Moreira

Pontualidade, era a principal característica do seu Manoel da mercearia. Todo dia fechava a loja exatamente às 18,00 horas. Depois, conferia a féria do dia, acoitava no canto da prateleira, atrás da pilha de latas de azeite Galo e ia para casa.

Certo dia notou que o revestimento da lateral do balcão havia se soltado. Para fazer o reparo, contratou o Ditão, um mulato magrelo, de gingado malandro, espécie de faz tudo que passava as tardes no boteco da frente, bebendo cerveja, batendo papo e jogando pebolim.  O tipo do sujeito que deseja que o mundo acabe em barranco só para morrer encostado. Mas, foi a indicação que lhe deram, então contratou o sujeito.

No dia seguinte o mulato chegou, olhou o defeito e de cara pôs-se a exceder o tamanho do estrago:

− Seu Monoel, não é serviço tão simples, não! Vou ter que tirar todo o revestimento da lateral, com o maior cuidado pra não rachar, lixar tudo e dar duas demãos de cola em cada uma das partes.

O portuga ouviu a ladainha do Ditão, achou que havia exagero, mas não contestou. Queria um serviço bem feito e se o sujeito estava dizendo que teria que ser assim, que fosse! Acertaram o preço e o Ditão iniciou o trabalho.

Só que a demora estava por demais, as horas passavam e nada do balcão ficar pronto. A tardança começou a dar nos nervos do portuga. A cada interrogação ouvia com resposta:

− Só estou esperando a cola ficar no ponto!

O relógio bateu 18,00 horas e o sujeito ainda lá. Seu Manoel fechou as porta estabelecimento, sondou de longe e viu o homem entretido com o serviço e resolveu conferir o dinheiro. Depois o guardou no lugar de costume sem perceber que o tempo todo esteve sob a mira do mulato.

Logo que descobriu o esconderijo do dinheiro, Ditão deu por terminada a obra. Seu Manoel foi conferir, aprovou, pagou e ambos foram embora.

Porém, no trajeto de casa, o tempo todo o português sentiu a intuição falar que fora imprudente em deixar o dinheiro no esconderijo habitual.

A medida que chegava em casa o comichão que lhe apertava o peito aumentava. Até que não aguentou e resolveu voltar e buscar o dinheiro!

Chegou, olhou de longe e viu que aparentemente estava tudo em ordem com a mercearia, até que notou a janela lateral com uma ligeira fresta.

− “Bem que eu cismei!” – disse para si.

Armou-se de um porrete que levava no carro, abriu a porta abruptamente e deu com o Ditão revirando a prateleira.

Indignado, colocou toda fúria no bordão e se atirou contra o mulato e baixou o pau, com vontade.

− Filho de uma mãe desnaturada. O que é meu tu não pegas!

Aturdido pelo flagrante e derribado por algumas bordoadas, Ditão forçou passagem, conseguiu escapulir e sumiu para sempre do pedaço.

Aos clientes que perguntavam sobre o ocorrido seu Manoel minimizava:

− Nos tempos de hoje não se pode viver a solta. Tem-se que estar sempre com um olho no bife e o outro no gato!



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