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O comício - Ises de Almeida Abrahamsohn


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O comício
Ises de Almeida Abrahamsohn

(narrativa inspirada em foto Largo de São Bento de 1936 e em um episódio narrado por Moacyr Scliar no livro “Majestade do Xingú”)

Moishe entrou atrasado na reunião naquele quarto dos fundos do inocente sobradinho da Rua da Graça. Ali estavam os participantes mais ativos da célula comunista do Bom Retiro. Enquanto esperava seu amigo Lenny terminar, fez uma rápida contagem dos presentes. Estavam todos lá e ao fundo vislumbrou os três novos ingressantes no grupo. Eram os três italianos de aparente bom histórico marxista que haviam escapado por pouco dos  “camisas negras”. Moishe não gostou de ver os italianos, de quem suspeitava serem anarquistas, ali, naquela noite de terça feira. Da reunião sairia a data para o comício que fariam no Largo de São Bento aproveitando a movimentação grevista dos condutores de bondes.

A seguir foi a vez de Saul falar aos companheiros. Propôs a data e a hora. Sexta-feira próxima às 18 horas, quando o largo estaria cheio de trabalhadores à espera dos bondes que ali faziam o balão na direção dos bairros.

O plano que havia sido acertado por Moishe com os outros líderes do grupo, Lenny e Saul, era simples. Oito homens se dispersariam entre os bondes e soltariam os cabos de força.  Assim os outros veículos que chegassem seriam bloqueados. A ação concentraria o povo no local. Os três líderes eram amigos de longa data. Combinaram que cada um falaria de um ponto diferente da praça. Os demais distribuiriam os panfletos conclamando a população para a manifestação do partido no dia do trabalho. Da audiência de cerca de quarenta pessoas foram poucas as perguntas. As principais eram dos camaradas que questionaram o plano de fuga para quando aparecessem os policiais para acabar com o comício. O governo de Getúlio não tolerava qualquer manifestação da oposição, especialmente dos comunistas, anarquistas e dos qualificados como socialistas.

Moishe conduziu a votação. Contou as mãos levantadas, entre elas as dos italianos. Os contrários ao plano foram poucos. Dispersada a reunião, Moishe chamou Lenny para uma cerveja e blinis no bar do Samuel e confidenciou ao amigo as suspeitas sobre os italianos. Por fim chegaram à conclusão de que não haveria como investigá-los até a sexta feira.


Chegada a data estavam todos no largo dispersos em meio aos transeuntes. Dado o sinal começaram a bloquear os bondes e a distribuir os panfletos. Só não haviam contado com o fato de que os condutores e cobradores, contratados para substituir os grevistas do sindicato, já estavam preparados para a ação. Traziam porretes e atacavam os manifestantes aos gritos de desordeiros, comunistas  e outros xingamentos. Foi um salve-se quem puder. E, assim, antes que Moishe e os amigos pudessem começar a falar vieram os capangas da polícia secreta. Miravam suas armas contra os líderes. Moishe viu um dos italianos, o de alcunha Beppo, apontá-lo e a Saul e Lenny. Moishe conseguiu se esconder em um bar próximo, de onde ouviu os disparos, um dos quais atingiu Lenny. Não havia o que fazer. Soube que os tiras imediatamente sumiram com o ferido. No domingo, o corpo espancado e torturado apareceu jogado atrás da Estação da Luz. Era a polícia de Filinto Muller e de Getúlio em ação.

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