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Minha primeira viagem de trem - Fernando Braga

 Luz 1910

Luz 1960


Minha primeira viagem de trem
Fernando Braga

       Tinha eu pouco mais de 7 anos quando meu pai programou uma viagem a São Paulo, ou melhor a Santos, para conhecermos o mar e lá ficarmos por 15 dias. Éramos 4 irmãos, o ultimo apenas com 8 meses.  Morávamos em uma pequena cidade do noroeste paulista, longe da capital. Naquela época, em 1942, o melhor e único meio de condução para vir à capital era o trem.

       Fizemos uma viagem cansativa, com baldeação em São Carlos, devido à mudança da bitola estreita da estrada de ferro araraquarense (0,60 cm,) para a Companhia Paulista de Estrada de Ferro (1,60 cm).  Descemos os seis, na Estação da Luz, e fomos a pé, carregando as malas, para um remediável hotel da região, uma vez que no dia seguinte iríamos tomar o trem para Santos e finalmente conhecer o mar. Saímos para almoçar em um restaurante próximo, meu pai carregando o bebe no colo. Me lembro que comemos macarrão e carne, sem sobremesa. No momento em que meu pai viu a conta, achou um absurdo o preço cobrado. Ficou nervoso, chamou o  garçom e pediu que explicasse os números. A conta era feita no lápis e realmente havia um erro. Meu pai ficou muito bravo e disse à minha mãe:

       — São Paulo é assim, precisamos sempre conferir!

E a garoa caindo lá fora.

       O hotel tinha 3 ou 4 andares e um elevador antigo, fechado apenas por uma grade vazada. No dia seguinte fomos tomar o café da manhã e eu fiquei esperando fora do quarto pelos demais, olhando o elevador descer e subir. Em dado momento, bobinho, ingênuo, que nunca tinha visto elevador, quis através das grades, enfiando meu bracinho, tocar um dos cabos do elevador, que se deslocavam conforme o elevador se movia.  Estava quase o tocando quando senti um forte puxão no corpo dado pela minha mãe e em seguida o elevador passou:
       — Seu burro, nunca mais faça isto. Você podia ter perdido o braço.

E era verdade!

       — Não vou nem contar para seu pai!

       Fomos para a Estação da Luz bem antes do horário de embarque na São Paulo Railway, que ligava Jundiaí a Santos. Guardamos nossa bagagem, atravessamos a rua e nos dirigimos ao Jardim da Luz, realmente uma beleza, cheio de árvores, bancos e até um lago tinha. Meu pai disse que aquele era o parque mais bonito da Cidade.  De longe olhamos para o prédio da Estação da Luz e meu pai começou a me explicar o que sabia. Disse:

      —  Sabe, esta estação foi inaugurada há 75 anos, em 1867, graças ao Barão de Mauá. São Paulo cresceu e começou a receber muitos imigrantes e visitantes e a estação ficou pequena. No começo deste século, começou a haver uma verdadeira urbanização da cidade, calçadas sendo feitas em todos os cantos, iluminação e bondes. Foi feito um grande projeto para uma nova Estação Da Luz, desenhado pelo engenheiro James Ford, com um edifício moderno, com traços de arquitetura inglesa vitoriana e uma famosa torre com um relógio, parecido ao Big Ben de Londres.

      —  Veja meu filho, é aquele lá. O relógio, como o de Londres, marca a hora exata para as pessoas. Toda esta estrutura sofisticada que você vê, foi importada, trazida da Inglaterra. Apenas a alvenaria é brasileira.

       Daqui a pouco vamos tomar o trem e você vai poder ver paisagens muito bonitas, principalmente as da Serra do Mar e logo depois, do Oceano Atlântico.
—  Oceano Atlântico?

       —  É filho, o que chamamos de mar é o Oceano Atlântico, que banha toda a costa do Brasil.

      —  O senhor falou tanta coisa, mas entendi pouco!

—  Não faz mal meu filho, quando você crescer e estudar, vai se lembrar de tudo isto, conhecer muito mais do que eu.

       Anos mais tarde, estudando em São Paulo, tornei-me freguês desta estação. Viajava para o interior, partindo e chegando pela Estação da Luz. Tomava a Companhia Paulista, depois a Araraquarense. Quando entrava no trem, não via a hora de ir para o restaurante, tomar um refresco e pedir o famoso filé Arcespi, de filé mignon. Falo isto, porque me traz grandes recordações. Cada viagem que fazia era uma vitrine de belas paisagens.

        Não posso me esquecer quando em fevereiro tomei o trem para o interior, em uma sexta feira, após ter terminado o exame vestibular. Estava começando o Carnaval de 1954 e por todos os cantos ouvia-se a melhor música carnavalesca do ano:
       —  E as águas vão rolar...

       Tinha em minha cabeça uma grande incerteza:

       — Será que vou passar? Ser classificado? Deixe as águas rolarem!?  Após 15 dias soube o resultado. Vitória!

       Nossas ferrovias eram ótimas e atingiam a maioria das cidades de nosso Estado.      Segurança! Pontualidade! Conforto!

       Com o governo de Juscelino, houve um progresso no país e um grande incentivo ao transporte rodoviário e aéreo, em substituição ao ferroviário. Na Europa e mesmo nos USA, o transporte ferroviário de passageiros, até hoje é intenso, mas no Brasil... foi esquecido. A Companhia Paulista em 1971 foi incorporada à Fepasa, começou a decair em todos os seus parâmetros, até chegar em 2001, quando foi abolido para o uso de passageiros.

       Fico muito triste com a situação em que se encontram as ferrovias no Brasil. Os nossos   amaldiçoados governantes não olharam para isto e aí está a grande merda que fizeram, aliás   como sempre. As ferrovias deram certo em todo o mundo, exceto no Brasil! Quebrou-se um de nossos maiores patrimônios. Viajar pela Inglaterra por ferrovias, ainda é o melhor! Pelo Brasil são as rodovias, congestionadas, perigosas, bêbados dirigindo, caminhões pesadíssimos ao lado e contra os carros de passeio. Somos os campeões de acidentes e morte nas estradas. A rede ferroviária nacional desapareceu.

        Parabéns a nossos dirigentes, grandes políticos, honestos. Detestam roubar!

        Tudo isto me vem à lembrança aos 80 anos, quando olho a antiga foto da Estação da Luz de 1910. Em 1982 esta estação, pela sua arquitetura única e passado maravilhoso foi tombada pelo Condephat, e hoje abriga o Museu da língua Portuguesa. Serve quase apenas como estação a linhas de metrô e trens para cidades bem próximas.


       Mas, viva a Estação da Luz, hoje com 149 anos!

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