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Um caso não resolvido. - Fernando Braga


Um caso não resolvido.
Fernando Braga

       Era um casal de idosos que vivia confortavelmente em uma casa, dentro de um condomínio fechado, com toda a segurança que era oferecida. Ele, agora com 72 anos, tinha tido sucesso na vida e já havia passado praticamente todos seus bens aos 4 filhos, ficando com parte do uso-fruto, recebido mensalmente, mais do que suficiente para confortavelmente viverem, sem se preocuparem com gastos diários e viagens que, frequentemente, juntos faziam. Eram bem ligados aos filhos e netos, aos quais viviam presenteando.

       Suas viagens pelo país e também pelo exterior eram curtas, dentro daquele esquema de excursão, onde a mordomia fazia parte. Assim, a vida deles passava dentro de uma tranquilidade, onde um fazia companhia ao outro e se completavam. Nunca aventavam a hipótese de que um dia, um dos dois vir a faltar e aí... o que seria?

       Ele, aposentado, tinha tido uma vida cheia e conservara os seus hobbies, dentre os quais adorava colecionar algumas obras de arte, pinturas, esculturas e a sua coleção de moedas antigas. Era um numismata. Em sua casa tinha um cofre grande, antigo onde além de papeis, guardava boa quantia de dólares e euros, além da moeda corrente no país. E ainda, joias antigas que seriam com o tempo distribuído às netas, hoje ainda pequenas. O casal se dava bem com os vizinhos de condomínio e com certa frequência participavam de reuniões festivas e comemorativas, que eram oferecidas. Em sua casa, além da cozinheira e arrumadeira, tinham o motorista e um jardineiro, que vinha cada 10 dias para cuidar das plantas e limpar a piscina, que seus netos tanto adoravam. O fato é que o casal, não sentia falta de nada e agradecia a Deus por lhes estar concedendo uma terceira idade, mais do que satisfatória.

       No entanto certa manhã, a esposa, que caminhava com uma pequena dificuldade, escorregou próximo à piscina e acabou fraturando a cabeça do fêmur. Foi operada, uma prótese colocada e teve que permanecer por dois meses acamada. Quando foi tentar dar alguns passos, teve um mal súbito que resultou em sua morte imediata, consequência de uma embolia pulmonar, segundo o diagnóstico médico. Foi uma lástima para todos, mas principalmente para seu Otávio que agora viúvo, ficaria só, sem companhia.

       Os filhos insistiram para que ele se mudasse para um apartamento pequeno, mais próximo deles, mas Otávio argumentou forte e negou-se a deixar sua casa de tantos anos e também... Não queria a companhia de nenhum deles para viver juntos com ele. Precisaria se acostumar com a nova situação e não aceitaria nenhuma interferência de filhos.

       Teve que ir se acostumando a comer sozinho, dormir sozinho, assistir TV sozinho e ainda bem, que gostava muito de ler. Quando os empregados iam embora ao fim da tarde, a solidão era grande, não tinha com quem conversar, ou trocar ideias. Também passou a se afastar dos vizinhos, não achando mais graça em participar de reuniões, sem sua esposa. Com o tempo, a solidão foi se acentuando e quando seus filhos e netos vinham visita-lo nos fins de semana, não era a mesma coisa, queria certa distância de todos. Tentou algumas vezes viajar, fazer excursões, mas, sozinho... não era a mesma coisa. Não pensava em morrer, achava que ainda estava muito bem, como sobrevivente!

       Tinha um amigo que também ficara viúvo e a solução que deu foi arrumar uma cuidadora, como... Uma dama de companhia, para morar em sua casa e que o acompanhava em suas idas aos cinemas, teatros e mesmo em viagens.

       Ele começou a ficar de olhos vivos para arrumar uma, que lhe fosse simpática, não feia e forte para ajudá-lo em dificuldades físicas que certamente viriam, em pouco tempo.

       Um dia, passeando pelo condomínio viu uma senhora em cadeira de rodas, sendo empurrada por uma moça, jovem. A senhora era conhecida e portadora de um mal de Alzheimer. Parou para falar com a jovem e perguntou se ela conhecia alguém que quisesse trabalhar em sua casa e explicou:

      — Para ser minha dama de companhia, cuidar de mim, viajar, e... Ganhar bem. Ela respondeu:

       — Até eu gostaria de trabalhar em um emprego desses, mas não posso deixar esta senhora, com a qual já estou há dois anos e me tratam muito bem. Ele perguntou:

       — Me desculpe por esta pergunta, mas quanto você ganha?

       — Olha, eu ganho cerca de R$ 2.400,00 por mês, sou registrada, tenho férias e décimo terceiro. Vou tentar arrumar alguém. Qual casa mora?

       — Naquela azul, nesta mesma rua. Eu aguardo!

       Após uma semana ela apareceu na casa de Otávio, junto com uma senhora de uns 50 anos, dizendo ser sua tia, que gostaria de conversar sobre aquele emprego.  Ao entrar na casa a moça viu toda a majestade dos móveis, tapetes, quadros, enfeites etc.

       Após uns quinze minutos de conversa, ele havia gostado da senhora, que além de simpática, era charmosa e porque não dizer bem apanhada, forte, do jeito que pensara que deveria ser.  Perguntou seu nome e ela disse se chamar Carmen.  Ofereceu o emprego a ela e disse que pagaria R$ 3.000,00 por mês. Seria também registrada e teria todas as vantagens. Perguntou se sabia cozinhar e se podia dormir todos os dias lá, com folga apenas no domingo.

       — Sei cozinhar e bem, posso dormir todos os dias aqui e o senhor vai ficar muito satisfeito comigo. Não tenho nenhum compromisso.

       — Combinado disse ele! Pensou: “Afinal tenho dinheiro e continuo com boa renda mensal. Posso até fazer viagens com ela e mais que tudo. Não devo a satisfações a ninguém, muito menos a meus filhos e noras que receberam muito de mim.”.  

       Após o acerto, Carmen trouxe seus pertences, que eram poucos, arrumou seu quarto ao lado de seu chefe, foi ver a cozinha e o resto da casa. Gostou demais. Sentia-se, como se tivesse ganhado na loteria.

       A cozinheira foi dispensada e Carmen assumiu também a cozinha e sabia se sair bem. Afinal era pouca gente!

       Otávio gostou daquela, que para ele era uma moça. Quando na piscina, pedia que se sentasse próximo e lhe massageasse os pés. Comprou para ela um maiô e um biquíni, que ela mesma escolheu e passou a banhar-se na piscina com ele. À noite, jantavam e assistiam televisão, um ao lado do outro e depois ela o conduzia a seu dormitório e despedia-se com um leve abraço. Levantava cedo, preparava o desjejum e trazia em seu quarto, servindo-o após abrir as cortinas e janela, para entrar o ar.

       Em conclusão,  Otávio logo notou que com ela, sua vida estava melhor, mais cheia, com mais alegria. Que achado!

      Na vinda em fim de semana, filhos, noras, e netos ficaram conhecendo Carmen.  Surpreenderam-se com a senhora e viram que papai estava muito entusiasmado.  Na saída um deles comentou: - Cuidado pai, não vai se meter em um enrosco! A mulher parece boa, mas vai devagar!

       De vez em quando na piscina,  quando tocava no corpo de Carmen sentia certo arrepio gostoso, sensação esta que passou a entrar dentro de si.

       Fazia tempo que não fazia sexo! Às vezes se masturbava, pensando em Carmen.

       O dia chegou. Quando ela lhe deu o abraço de despedida à noite, puxou-a para cima da cama e afoitamento começou a beija-la, palpar suas mamas e logo cruzou suas pernas nas dela. Ela topou!

      Mas houve a dificuldade esperada. Não conseguiu apesar da... Ela o acalmou.
       Na semana seguinte estava no consultório do urologista para ser colocada uma prótese peniana. Não contou nem para os filhos.

       Com a melhora da situação, cada três noites o homem e Carmen se completavam e ocasionalmente de dia, após a entrada na piscina.

       Passou a viajar frequentemente, registrando Carmen como sua esposa nos hotéis. Os filhos logo perceberam o que estava ocorrendo, sentindo o pai mais jovem!

       Carmen aprendeu a dirigir, fez uma plástica das mamas colocando o tal de silicone de tamanho médio, passou a frequentar manicure e pedóloga e cada 15 dias o cabeleireiro, tudo a pedido do patrão que resolvera investir nela. Seu guarda roupa também mudou. Quando viajavam comprava roupas de etiqueta, sapatos e perfumes. Passou a usar óculos escuros, de marca. As viagens eram praticamente de dois em dois meses para praias nacionais, Caribe e internacionais. Seus filhos vinham pouco à sua casa. Achavam que o pai, que nunca fora safado, agora, o era. O pai percebia. Mas, e daí?

       Carmen mudou para melhor, tornou-se uma verdadeira dama, chique, cheirosa. Já havia ganhado duas boas joias de Otávio e quando viajava, recebia euros ou dólares para gastar. E até para guardar um pouco, junto com seu salário, que continuava recebendo em dia!

       Algumas despesas da casa, Otávio preferia pagar em dinheiro vivo e para tal manuseava um grande bolo de notas de cem, guardadas no cofre. Ela via quando movia a rodinha do segredo primeiro para a direita, depois para a esquerda finalmente a colocava no zero. Um dia, mais próxima notou que quando rodava para a direita, ia entre o 30 e o 40. Anotava isto. Dias após notou que quando virava para a esquerda, ia até o 70 e depois novamente para a direita, parando no zero. Escreveu isto e guardou.

       No natal, os filhos convidaram o pai para a ceia e Carmen pediu para ir ver também os seus familiares. Ficou por breve período sozinha na casa. Foi até o escritório, sentou-se em frente ao cofre e tentou por várias vezes abri-lo usando os números guardados. Eis que após várias tentativas, finalmente conseguiu. Manuseou tudo e percebeu que havia muitas joias em ouro e brilhantes, mais de 100.000 reais, cerca de 80.000 dólares e ainda 50.000 euros. Considerando as joias, tudo devia chegar a 1milhão, meditou ela. Não tirou nada...

       A vida em casa de seu Otavio continuou como sempre, ela muito carinhosa e ele muito feliz com a situação. Ela só não gostava muito era da parte sexual, apesar da prótese que funcionava. Mas abraçar o velho, beijar aquela boca com mau hálito, que melhorava quando mastigava um chiclete. Sonhava às vezes, abraçar alguém que fosse mais desejável para ela, mas mantinha-se firme em seu emprego. Afinal, todos os problemas que ela tinha para se manter, haviam desaparecido.

       Indo ao Shopping para fazer seu cabelo, ao seu lado estacionou um carro do qual desceu um senhor com porte atlético, bem vestido e ao irem para a escala rolante, dela se aproximou e disse: - Bonita hein! Podemos conversar um pouco?
       — Muito rapidamente, pois estou com hora marcada na cabeleireira.

       — OK. Achei-a apetitosa. É comprometida, casada?

      — Não, não sou.

       — Vamos namorar? Disse ele.

      — Por que não!

       Ela agora andava com muitos compromissos, era o médico, dentista, compras!
       Otavio não achava ruim, pois queria vê-la sempre alegre e feliz.

       Carmen passou a encontrar Alfredo, uma vez por semana, sempre de dia, enquanto Otavio lia e tinha gente em casa.

       Após seis meses de encontros, sem que Otavio nada percebesse, Alfredo faz um convite a Carmen, para morarem juntos. Ela estava gostando de Alfredo, mas como abandonar o seu Otavio, largar mão de suas regalias e ganhos, abandonar aquela vida que sempre desejou?

       Entrou em parafuso, pois queria as duas coisas. Se contasse para seu Otavio, este a mandaria  embora e logo arrumaria outrem. Como levar vantagem?

      Poderia roubar o cofre e desaparecer, mas descobririam e ela seria caçada pelos filhos, um dos quais era delegado e outro, advogado. Em certo encontro, expôs toda a sua angustia a Alfredo, que viu na situação, uma oportunidade de ganhos, ele que era um duro. Quando ela falou do cofre, ele logo se animou, e muito!

      Ela, Carmen, que até então sempre fora uma moça correta, sem más intenções começou a se deixar levar pela conversa do companheiro.

       Pensava com seus botões: - Podemos roubar e sumir sem que ele perceba que fomos nós. Mas, a culpa vai recair sobre mim, que serei a primeira suspeita.

      Alfredo argumentava: - Vamos simular um assalto.  Bem preparado.

       — Mas como, o controle na portaria é infalível e tudo é filmado.

       — Infalível não é nem o Papa!

       Muito estudo foi feito, minucioso e por fim, acharam que o plano traçado, só poderia dar certo. Os dois toparam.

       Ela saiu com Otavio para irem ao Shopping, assistir um filme. Ela guiando. Quando desceram, ela apertou o botão para fechar o carro, mas antes, o botão para o porta-malas ficar aberto. Ela conhecia tudo e Otavio, não estava nem aí. A sessão durou duas horas. Alfredo logo chegou, estacionou seu carro, localizou o carro de Carmen pela chapa. Quando Alfredo os viu se aproximando entrou no porta-malas e bateu-o. Carmen pegou o carro e foi para o condomínio. Na portaria viram os dois calmos, abriram a cancela, permitindo a entrada. O carro foi colocado na ampla garagem, que tinha comunicação direta com a casa. O chofer já tinha ido embora e no dia seguinte, que era domingo, ele não trabalhava, nem a arrumadeira. Alfredo ficaria dentro da casinha em que o chofer descansava. Local em que nunca Otavio entraria. A ideia era permanecer ali, para agirem no dia seguinte. O carro, quando na garagem não era fechado. Ela daria um jeito de rapidamente trazer alguma comida para Alfredo.

       No dia seguinte Carmen e Otávio combinaram pela manhã irem a uma feira de exposição de artes, o que duraria umas duas horas. Alfredo já sabia de tudo. Quando o casal saiu ele entrou na residência e foi direto ao escritório, abriu o cofre e apoderou-se das joias e de todo o dinheiro exposto. Deu uma bela sacola de valores. Usou luvas para não deixar digitais. Pegou ainda do escritório, dois quadros pequenos e uma estatueta que lhe pareceu ser bem valiosa. Comeu e bebeu alguma coisa da geladeira, e voltou para seu esconderijo junto à garagem. Guardou tudo debaixo da cama do motorista e voltou para o interior da casa. Quebrou um pequeno vitral da janela lateral, retirou os cacos, colocou um vaso de flores para ocultar o vidro quebrado e, a janela foi deixada aberta, encostada. Molhou um pouco a sola dos sapatos, subiu no móvel próximo para deixar pegadas e no sofá. Aquilo era para despistar a polícia, que certamente viria investigar o roubo. Desceu à garagem e ficou esperando a chegada de ambos, bem escondido. Tudo saíra como planejado. Eles chegaram, descansaram um pouco e depois saíram novamente para almoçar no Shopping. Alfredo neste ínterim voltou à sua posição no porta-malas, após colocar toda a tralha do roubo junto a si. Cerca de uma hora da tarde saíram livremente pela portaria e foram novamente ao shopping. Desceram. Carmen fingiu que fechou o carro, deixou o porta-malas aberto e foram almoçar. Após alguns  minutos, Alfredo abriu lentamente o  porta-malas para verificar se não havia alguém transitando próximo, e saiu.

       Caminhou uns 100 metros, pegou seu carro que lá estava estacionado, colocou tudo dentro e saiu, sem quaisquer problemas.

      — Vitória! Vitória! Vitória! Gritava ele. É preciso ter coragem! Eu sou o bom!

       Naquela tarde de domingo os familiares vieram visitar o seu Otavio. Sentaram-se todos na ampla sala de visitas e ao sentar-se no sofá, uma das noras sentiu uma dor aguda na coxa. Gritou e notou um pouco se sangue no local. Logo percebeu que havia se cortado com um pedaço de vidro. Foram ver e notaram o vitro da janela quebrado. Notaram também que a janela estava apenas com as abas encostadas.

       Roberto, o filho que era delegado, chamou o pai e avisou-o de que havia sido assaltado. Foram ao escritório, abriram o cofre, que estava vazio. Logo percebeu a falta dos dois quadros e da estatueta.

       Exclamou: - Como é possível, ontem estava tudo certo, o dinheiro e joias no cofre, as minhas obras de arte! Minhas moedas antigas de ouro! Foi alguém que entrou hoje pela manhã quando saímos! E por esta janela!

       A polícia logo tomou ação do caso. Todos os empregados foram arguidos, incluindo Carmen, que com muita tranquilidade apresentou os seus álibis.   Otavio dizia:

       — Qualquer um, menos ela, que esteve sempre ao meu lado!

       Como haviam conseguido abrir o cofre, sem saberem o segredo? Otavio comentou:

      — O único que sabe o segredo sou eu e mais ninguém O filho delegado enfatizou:

       — Só pode ter sido alguém muito profissional, que tem a manha de abrir encostando o ouvido junto à porta do cofre. Os porteiros do condomínio, também foram apresentados como suspeitos, as gravações das câmaras da entrada nada mostraram a não ser a presença de condôminos e seus familiares. Percorreram o muro alto, com a cerca elétrica superior, que fecha o loteamento e nada estava alterado.

Em conclusão...

Após seis meses de investigação nada se conseguiu apurar. A vida continuou como antes.

       Apenas um detalhe. Carmen nunca mais conseguiu localizar Alfredo. Ele sumiu! Ela poderia acusá-lo! Mas, teria coragem?


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