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Ingenuidades Brasilianas - José Vicente J de Camargo


Ingenuidades Brasilianas
José Vicente J de Camargo


O fato que me foi relatado comprova mais uma vez o comportamento simples, efusivo e ingênuo do povo brasileiro, proveniente da miscigenação de raças e culturas. É também o que vem acontecendo nas comemorações na Olimpíada Rio 2016, por sinal uma vitória de ouro do “jeitinho” brasileiro seguindo ao pé da letra a regra: “Calma, que no final tudo vai dar certo!”, que está deixando o primeiro mundo, onde organização e planejamento são palavras chaves, com uma interrogação, se não está surgindo uma nova maneira de se organizar uma Olimpíada com menos formalidades, que possibilite um maior entrosamento do atleta com o calor do público − obedecendo, lógico, o limite do tolerável – proporcionando assim um ambiente mais festivo, humano e menos formal e etilista.

Mas voltando ao “causo” desta crônica, o fato se passou com um conhecido intelectual, membro da academia brasileira de letras, leitor assíduo, segundo ele próprio, de Guimarães Rosa, Machado de Assis, Clarisse Lispector, Fernando Pessoa.

De caráter humilde, avesso a ostentações, bajulações e a mídia − obedecendo ao conceito de “os mais inteligentes, são os que menos aparecem”− indo ao oftalmologista para um exame de rotina, precisou dilatar as pupilas. Ao sair do consultório, sentia a vista embaralhada e, querendo manter o costume de bom observador, de preferir andar de ônibus ao invés de taxi, justamente para ter um contato mais próximo com as pessoas e assim adquirir material para seus romances – “sigo a filosofia machadiana”, diz – dirigiu-se ao ponto de ônibus mais próximo.

Na fila de espera, dado ao estado embaçado da visão, sentia dificuldades em ler os letreiros que indicavam o destino dos coletivos, os quais, caso não recebessem sinalização de parar, continuavam sua trajetória. Já estava desistindo de seu costume de observador, e procurando um taxi para parar, quando o senhor atrás dele, notando sua hesitação sobre qual ônibus tomar e sua postura de desânimo cada vez que um passava sem ter tempo de fazer o sinal, lhe bate no ombro e lhe sussurra no ouvido como se fosse um velho conhecido:

“Não se importe, eu também não sei ler”...

O acadêmico sente uma vibração dentro de si, esse gesto e essa frase lhe valeram o dia, o desconforto da visão turva. Com certeza fará parte de seu arquivo literário a espera de um novo livro.

E essa situação, singela e humana, lhe remete instintivamente à uma outra, pela qual passou recentemente, que também retrata esse aspecto ingênuo de brasilidade. Recebeu uma solicitação de uma prefeitura do interior, lhe pedindo autorização para homenageá-lo “post mortem”, dando seu nome a uma biblioteca. Estranhou, pois, apesar da idade avançada, está em boas condições de saúde. Negou, alegando ser contra nomes de pessoas, vivas ou mortas, em logradouros públicos: “prefiro que ponham meus livros à disposição dos leitores”, disse. Então insistiram em colocar seu nome numa placa de bronze. No que ele enfaticamente discordou:

Aí então, meu erro seria eterno”....

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