O desejo de ser um monge.
Fernando
Braga
No
começo do século XVIII, em um vilarejo bem próximo a Coimbra, em uma casa
humilde, morava Manoel Joaquim, Maria dos Anjos e o pequeno Manoel Maria, um
esperto garoto de 12 anos. Ele havia feito 4 anos de um estudo primário, onde
aprendera a ler, escrever, ter noções de geografia e história, enfim o que era o
necessário para aquela remota época. A família frequentava a pequena paróquia, assistia
às missas dominicais, sendo que o garoto tornou-se coroinha do padre João.
Apreciava tanto este pároco que teve desejo de ser como ele.
Quando
fez seus 14 anos, chegou para sua mãe, manifestando o ardente desejo em ser padre e dedicar sua vida à Deus. A sua mãe,
sendo uma mulher pia, ficou radiante, satisfeita, mas ao conversar com seu pai,
o mesmo ficou contrariado, tenso, pois queria seu único filho a seu lado, para
ajudá-lo em suas atividades braçais junto à pequena quinta que possuíam. De
tanto insistir e com o beneplácito de sua mãe, conseguiu a aceitação,
contrariada, de seu pai. Ele, com a ajuda de seu pároco foi para Alcobaça, onde
ficou interno em uma escola dirigida pelos noviços da ordem de Cister, supervisionada
por um monge. Após 4 anos de estudos religiosos, o que incluía o Latim, pôde ir
visitar sua família e convida-los para assistirem à sua passagem para ser um
noviço da ordem.
Agora
como um noviço, pôde adentrar o famoso Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça e
começar a se familiarizar com a rotina de vida que iria ter dali para a frente,
até tornar-se um monge, consequentemente um asceta.
Começou
por participar do árduo trabalho, que noviços e monges faziam nos campos que
rodeavam o mosteiro, agricultura, criação de animais, apascentar ovelhas e
também na vinhataria. Teve que deixar sua barba crescer e aprendeu a
guardar silêncio absoluto,
característica primordial da Ordem, que se comunicava somente através de gestos.
Aprendeu que a austeridade e o ascetismo eram dominantes no sistema e que o
domínio de seu espirito sobre seu corpo devia ser completo. Como noviço, as
regras não eram tão absolutas, a alimentação farta, as ideias podiam ser
trocadas comedidamente e a esplêndida biblioteca, era uma de suas maiores
diversões. Aprendeu com a leitura, muito sobre história do desenvolvimento de
Portugal, cujo primeiro rei o Afonso Henriques, vencedor dos Mouros em uma
batalha ali próximo, em Santarém. Este rei mandara, para cumprir uma promessa
feita a Deus se lhe concedesse a vitória, iniciar a construção daquele Mosteiro
em 1153, entregando-o aos cuidados de Bernardo de Claraval, um abade
cisterciense. A construção que foi auxiliada pelos monges, morando em casas simples
de madeira, com enormes esforços dispendidos, chegaram à sua inauguração cerca
de 70 anos após.
No
seu íntimo, Manoel Maria sentia falta da vida lá fora, de liberdade, companhia
de amigos e principalmente, como conseguir segurar os seus hormônios que eram
bem produzidos. Tinha um domínio apenas parcial de seu espírito sobre seu
corpo. Conseguira passar três anos como noviço e agora no último, teria que se
submeter àquela vida semelhante à dos monges, onde o sacrifício, a dedicação à
Deus devia ser perfeita. Quando completasse quarto anos como noviço, em uma
cerimônia com a presença do cardeal de Lisboa e dos familiares, tornar-se-ia um
monge de Cister. Daí em diante, não poderia dar passo para trás. Era a
consagração definitiva a Deus!
Tinha, portanto, um ano para viver a vida como
os monges, com todo seu aparato, incluindo a veste branca tradicional. Agora,
iria conhecer o restante do Mosteiro, todo seu interior.
Pela
primeira vez iria adentar a enorme cozinha onde era feita a preparação das
comidas pelos próprios monges, utilizando as verduras por eles plantadas, enfim
tudo o que produziam, para a alimentação própria. Preparavam sua comida na cozinha
e depois iam a um refeitório ao lado, onde sentavam-se em uma mesa, com o rosto
virado em direção à parede, em silencio absoluto. Eram vigiados por um superior
que ficava de costas para a parede. Havia também uma passagem de dois metros de
altura e 32 cm de largura entre a cozinha
e o refeitório, onde os monges deviam passar uma vez por mês, ao penetrar na cozinha.
Os que não conseguissem passar, teriam apenas pão e água por um mês. Era considerado
o regime perfeito, que funcionava! Isto para que não engordassem e pudessem
trabalhar melhor. Os monges trabalhavam o dia todo, e 7 vezes por dia tinham
que parar para efetuar as obrigações religiosas, isto é, rezar e ouvir as preleções
feitas pelos superiores.
Este noviço via tudo aquilo e à noite após
rezar antes de dormir, ficava a meditar:
— Meu Deus do Céu, será que esta é a
vida que você quer para mim? Será que foi para isto que você me criou? Para
viver enclausurado, sem poder falar, conversar, trocar ideias com os demais.
Será que estou no caminho certo? Será que meu pai não tinha razão? Bem, o
importante é que amo a Deus e quero me dedicar a ele.
Voltava a seu trabalho, a seus afazeres
diários e reza...reza...reza.
Nos
dias seguintes, as mesmas ideias voltavam à sua cabeça e sempre à noite quando
ia dormir. Pensava:
—
Apesar de estarmos sempre juntos, lado a lado trabalhando, não consigo saber o
que um pensa do outro, o que têm dentro de suas cabeças. Será que pensam como
eu?
— Mas,
quem é Deus? Jesus é realmente filho de Deus? Era um homem como nós e já era
Deus ou tudo é criação da cabeça dos homens? Preciso ter fé...fé...fé! Por
favor Cristo, fale comigo, mostre-me que você realmente existe!
—
Porque não nos é permitido ler outros tipos de livros, dos iluministas
franceses por exemplo? De suas ideias. Consegui,
ainda antes de vir para cá, ouvir alguma coisa sobre eles e gostei. Falavam de
um mundo diferente! De ciência! Será que conseguirei passar 20,30,40 anos aqui
dentro, sempre na mesma?
Bem,
agora antes de minha decisão final, antes de fazer os meus votos definitivos, tenho
o direito de ir passar 4 dias junto de meus pais, que estão aqui tão perto, umas
4 horas a cavalo, e morro de saudade deles. Será a última vez que terei esta
permissão, a não ser na morte de um deles. Quero ver meus pais vivos, vivos!
Quando
faltavam dois meses para a sua consagração, o abade lhe permitiu que fosse
passar 4 dias junto dos seus, e também para convidá-los para a cerimônia.
Ao chegar, foi uma festa, uma alegria só. Seus
pais convidaram vizinhos para
participarem, para conhecerem seu grande filho que agora seria um membro do
eclesiástico, da famosa Ordem de Cister. Dezenas de pessoas de sua pequena vila
vieram vê-lo e ao cumprimenta-lo beijavam sua mão. Estranhava muito.
Em
dado momento viu aproximar-se a Rosa, sua vizinha, que era também uma criança, mas
que agora:
— Que bela rapariga! Brincavam juntos.
Lembrou-se que uma vez tinha lhe dado um beijinho na boca!
Ela
veio e lhe deu a mão, apertou sua mão como já fizera antes, chegou bem perto e
olhou para cima, fixou seus olhinhos nos dele e disse: Nunca, nunca mesmo
pensei que você pudesse vir a ser um padre! Como você continua bonito, apesar
desta barba cerrada. Sonhei muitas vezes que iríamos nos casar. Agora acabei de
perder todas minhas esperanças. Felicidade Manoel Maria.
Ele
aproveitou os dias para fazer companhia a seus pais, comer tudo o que tinha
vontade, os doces de sua mãe, o bacalhau com batatas e aquele pão feito em
casa. Era demais. Que Deus perdoasse a sua gula e ...o pensamento naquele
rostinho lindo!
Voltou
para o Mosteiro com sua cabeça um pouco diferente, vendo o mundo com mais
alegria, com mais satisfação. Manoel Maria era alto, forte, comia bem e adorava
o vinho, que tomava desde pequeno no café da manhã antes de ir para a escola. Lembrava
disto tudo e ainda dos carinhos de sua mãe.
Qual
não foi seu desespero quando no primeiro dia ao dirigir-se à cozinha, o
superior pediu que antes passasse pelo estreito vão antes de entrar! Ele não
conseguiu.
Teve
que ficar um mês a pão e água. Era para ele aprender a não engordar.
À
noite após rezar, ia dormir, mas não conseguia, seu estomago apertava e tinha
aquele trabalho árduo do dia seguinte. Assim conseguiu passar 1 semana. O desespero tomou conta e com ele, a perda de
sua crença, a sua devoção ao Senhor. -Quero que todos se danem. O abade, o Superior,
aquele trio maldito de monges que forçavam meu trabalho. Pensava agora nos
seus hormônios, naquele rostinho lindo que deixou para trás. Era muito sacrifício em uma vida
apenas.
Decidiu-se
de vez que, não queria mais ser padre, muito menos da Ordem de Cister. Até
chegou a pensar: - E se eu procurasse os
Jesuítas, pelo menos eles viajam, vão para o Brasil! Estava nesta, quando soube
que o Marques de Pombal, ministro do rei José I, despachara uma ordem
banindo-os de Portugal. Era 1759!
Largou tudo, pegou o rumo de casa, montado em
um corcel e muito, muito contente! Seu pai ficou radiante, tinha pensado que
ele era da ordem dos Jesuítas! Confundira as Ordens!
Se
não fosse aquela maldita, não, bendita porta pega-gordo, talvez tivesse
continuado lá!
O
Mosteiro de Alcobaça é considerado hoje a sétima maravilha de Portugal, tombado
pela UNESCO em 1989.
Os monges de Cister saíram de Alcobaça em 1833.
“O Monge de Cister” tornou-se uma das maiores
obras de Alexandre Herculano.
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