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Uma seresta repentina. - Fernando Braga



Uma seresta repentina
Fernando Braga

Que tempo bom, quanta recordação do passado!

Certa ocasião há muitos e muitos anos, fomos passar um feriado em nossa fazenda em São José do Rio Preto, eu, minha mulher, a sogra e meus quatro filhos. Chegamos, já era noite corrida, estávamos bem alimentados, mas cansados pela longa viajem. Descarregamos o carro, guardamos os alimentos perecíveis, fomos assistir TV. As crianças logo adormeceram nos sofás, eu e a sogra os levamos para as suas caminhas. Já batia meia noite quando eu e minha mulher fomos para o quarto.

 Havia chovido. O silêncio era absoluto!

Deitamos-nos e como sempre faço, liguei o rádio em baixo volume, em uma estação onde tocava uma música suave e adormecemos.

Cerca de uma hora após, ouvimos próximo a nossa janela uma voz maravilhosa cantando assim:

As lembranças que trago na vida,
Você é a saudade que eu quero ter,
Só assim sinto você bem perto,
De mim, outra vez!

Acordei e pensei: Como o rádio está alto! E que musica linda!

E, a música recomeçou:
Você foi o maior dos meus casos,
E todos os abraços,
Que eu nunca esqueci...

Abri a janela e a uns cinco metros, sobre a relva verde e molhada, estava uma dama de negro, alta, com um violão colado ao peito, cantando com aquela voz maravilhosa. Logo apareceram meus dois tios com suas esposas a nos festejar, batendo palmas e querendo nos abraçar. Vestimo-nos rapidamente e saímos do quarto para participar da alegria. Disse um dos tios, muito querido: 

 — Estávamos voltando de uma festa na fazenda do Munia e sabíamos que vocês chegariam hoje e decidimos fazer uma surpresa.

Após muitos abraços nos apresentaram Leila, aquela bela dama de negro, a boêmia e trovadora Leila.

Muito simpática, cativante, expansiva e que logo disse estar com a garganta seca e queria um gole d´água. Servi-lhe água e perguntei se queria um uísque e todos aceitaram. Ficamos até as 3 horas da manhã bebendo e ouvindo Leila cantar músicas do repertório boêmio de nosso país e algumas internacionais, da época de ouro. Nos intervalos, colocava-se de pé e começava a declamar poesias e trovas, estas, criadas por ela própria.

Que figura! Era apaixonante! Nós ainda não a conhecíamos, mas logo ficamos grandes fãs da moça.

No dia seguinte, encontrei um dos meus tios que me contou a história de Leila. Havia recentemente se separado de seu marido, um português que não gostava muito de reuniões, cantorias   e mesmo de clube, mas que lhe dava carta branca para sair. No final não aguentou!

Leila agora se tornava cada vez mais boemia, da noite, ficando muito conhecida. Era o que amava: recitar, cantar e sabia que todos apreciavam sua voz, com aquele timbre diferente, próprio. Eu e minha esposa tivemos a oportunidade, em outras ocasiões, de ouvi-la novamente e ela, cada vez melhor!

O contato de meus tios com ela durou uns cinco anos, quando foi vitimada em um acidente grave, em uma de suas vindas a São Paulo e foi o seu fim.

Até hoje todos sentem muito sua falta, até o seu português. Meu tio enfatiza:

Lembranças que temos guardada, a saudade onde gostamos de senti-la perto de nós, outra vez. 

E acrescentava poeticamente esta trova:

Desejarmos novamente
Em tê-la perto de nós,
Traz uma sensação na mente,

De uma melodia atroz.

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