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SEM EIRA NEM BEIRA - Oswaldo U. Lopes



SEM EIRA NEM BEIRA
Oswaldo U. Lopes

        A importância da rima no campo da poesia apesar de estudada nunca foi bem compreendida nem aceita. Não é de hoje, em que a poesia moderna como que colocou a rima para escanteio e ela é usada apenas esporadicamente, na Inglaterra na era Elisabetana, a poesia de Shakespeare, na maioria de suas peças teatrais destaca-se pelo uso e domínio do chamado verso branco.

Valoriza-se o ritmo e a métrica em detrimento da rima muitas vezes classificada em rica ou pobre. No entanto lá nos primórdios da formação das línguas modernas, a presença dos trovadores medievais, fundamentais na criação e divulgação da linguagem popular, muito se valia da rima quanto mais não fosse pela facilidade com que este elemento favorecia a memorização dos versos. Este princípio também se nota claramente na formação dos chamados ditos populares.

Sem eira nem beira serviria bem como clássico exemplo desse fenômeno. Eira vem do latim área e denota campo, espaço produtivo de onde se colhem grãos ou outros produtos agrícolas. O proprietário de uma eira é um cidadão conceituado. Lembremo-nos que nos tempo não muito remotos só podiam votar os proprietários de terras ou casas. A beira configura uma saliência no topo da casa. Sem eira nem beira é, por conseguinte, uma pessoa que não tem terra nem casa.

O ditado é tipicamente português e certamente de lá veio. Desde o falar até costumes sabemos que o nordeste brasileiro, aqui tomado num sentido geograficamente mais amplo, é o espaço brasileiro que mais guarda influência lusitana. O Maranhão, por exemplo, e o lugar onde se fala o português mais castiço. A associação que se faz de beira e eira, juntando-se tribeira, aos telhados coloniais do século dezoito soa falso. A expressão pode ser datada como existente já em 1526, pois encontramo-la na farsa de Gil Vicente intitulada o Clérigo da Beira:

Duarte:
Paguemos-lhe três tostões.

Almeida:
Duarte, tendes vós i
dinheiro na faldriqueira *?

Duarte:
Eu vendi patos na feira?

Almeida:
Nem eu tampouco os vendi
Nem tenho eira nem beira

        Nessa época não havia telhados coloniais e a colônia ainda era um sonho distante a ser explorado.


*faldriqueira- bolsa de couro que se levava presa ao cinto e que servia para guardar moedas. Ao tempo de Gil Vicente todo dinheiro circulante era composto de moedas.

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