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De Amor e dor - Ises A. Abrahamsohn


De Amor e dor
Ises A. Abrahamsohn


Michel nasceu na antiga Palestina de família árabe tradicional.  A família optou por morar no estado de Israel antes da guerra dos seis dias.  O rapaz  se formou com técnico de informática e, com 24 anos, ainda morava com os pais e um irmão em Haifa. A cidade é bastante cosmopolita e as muitas empresas de tecnologia oferecem bons empregos.  Michel era alto, magro de tez morena mediterrânea, olhos expressivos e cílios incrivelmente longos e recurvados, inveja de muitas moças vaidosas. Desde pequeno jogava vôlei e, adulto, treinava um time de crianças da vizinhança.

Foi lá, no centro esportivo do bairro que encontrou Leah.  A moça, da mesma idade de Michel, já tinha feito o serviço militar e com mais dois anos dera baixa como oficial do exército israelense. Estava no último ano da faculdade de enfermagem. Leah era a típica sabra.  Não era muito alta, mas compensava a altura com o porte altivo, corpo esbelto e musculoso. Os olhos verdes  e os cabelos escuros quase negros contrastavam com a tez bem clara do rosto. Um pontilhado de delicadas sardas na base do nariz e das maçãs do rosto suavizava a expressão franca e decidida do olhar.  A moça também era voluntária e treinava um grupo de meninas  em judô. A atração foi mútua. Em duas semanas estavam perdidamente apaixonados.

Porém um grande problema pairava sobre o casal. Michel era de família árabe maometana e Leah era judia. Nenhum empecilho para os dois namorados, mas muitos no futuro, tanto familiares como em relação à condição de Leah como oficial de reserva. Namoraram durante seis meses escondidos dos pais e longe das respectivas comunidades de Haifa. Nos fins de semana viajavam para a Galileia ou para Tel-Aviv. Finalmente resolveram falar com as respectivas famílias.  Iriam casar e morar em outra cidade. Como esperado, os parentes detestaram a união e ameaçaram cortar os vínculos para sempre. Mas nem uma nem outra família era tão religiosa a ponto de levar as ameaças realmente a ferro e fogo.

Os noivos viajaram para Chipre para um casamento laico um ano após se conhecerem.  Michel conseguiu um novo emprego nos arredores de Tel Aviv e Leah também, num dos grandes hospitais. Tudo parecia ir bem para o casal até que, depois dos vários  atentados palestinos de 2000  que culminaram no ano seguinte com o mais letal da pizzaria Sbarro, ocorreu a convocação dos reservistas e também de Leah.

A jovem enfermeira não ficou muito preocupada. Trabalharia na retaguarda, no serviço de saúde e dificilmente correria maiores riscos. Trabalhou dois anos em turnos de 4 dias por 3 de folga de 2002 até meados de 2004. Michel amorosamente  cuidava de Leah e lhe dava cuidados e carícias em dobro para compensar os quatro dias  de separação. A rotina de serviço militar assim prosseguiu  até que em junho de 2004 as unidades da retaguarda hospitalar onde Leah trabalhava perto de Nablus foram atingidas por um foguete do Hamas.  Ao acordar do ataque  Leah não sentia mais as pernas. A explosão a atirou a 50 metros de distância contra um muro de pedra, causando fratura da coluna e lesão à medula, além de fraturas nas pernas e lacerações no rosto e braços.

Ao acordar das cirurgias Leah sabia que não voltaria mais a andar. Michel estava ao seu lado e lhe deu outra notícia que no primeiro momento ocasionou sentimentos irreconciliáveis. Os exames havia detectado uma gravidez em fase inicial. Leah não conseguia imaginar um futuro como  paraplégica cuidando de uma criança.  Por outro lado, sentia que o marido queria aquela criança e que esta poderia ser um elo a mantê-los unidos.  Decidiu seguir com a gravidez  mesmo durante o processo de  recuperação e fisioterapia .

Leah agora se aproximava do sétimo mês de gravidez.  Sabia que em Tel-Aviv havia aquele grupo de reabilitação especial que poderia ajudá-la.

— O resultado vai depender  de como você se adaptar ao equipamento, foi o que ouviu do  médico chefe.

Queria  o novo equipamento, o exoesqueleto, disponível em principio apenas para os soldados mutilados  em ação.  Só ele poderia livrá-la da dependência total da  cadeira de rodas. Tinha atrás de si horas a fio de penosos exercícios para  estimular a musculatura.  Michel procurava estar  sempre ao seu lado, incentivando-a  a superar as dores e o cansaço e proporcionando carinho. 

Conseguiram de um  hospital a oportunidade de realizar o teste com o exoesqueleto, que atado às pernas e tronco  e ativado eletronicamente , permitiria ao paralisado o ato de  caminhar.

No dia D, Leah procurou não se animar muito. Tantas vezes tivera decepções ao achar  que poderia recuperar os movimentos. Manteve a calma enquanto lhe instalaram  as conexões.

Sobreveio-lhe um aperto no coração e fechou os olhos. Pensou em Gabriel que estava já quase pronto para nascer.
Alguém ordenou: mexa no relógio de pulso. Leah respirou fundo e apertou os  controles. Levantou-se e deu o primeiro de três passos. Parou quando as lágrimas lhe toldaram a visão. Abraçada a Michel desandou a chorar convulsivamente.


O impossível acontecera. Voltara a andar.  Deu mais uns passos e sentiu o líquido morno escorrer-lhe pelas pernas. Dali mesmo foi levada para a sala de parto. O pequeno Gabriel também tinha urgência em sair da sua reclusão imóvel para uma nova vida.

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