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Amigos, amigos, negócios à parte. - Ledice Pereira



Amigos, amigos, negócios à parte.
Ledice Pereira

Após trinta anos de trabalho, Mara finalmente se aposentava.

Tinha iniciado a vida profissional lecionando numa escola maternal, com apenas dezoito anos assim que se formou na Escola Normal.

Sempre frequentou cursos de especialização e cursou a Faculdade de Pedagogia da USP tendo se formado brilhantemente.

Ao prestar concurso público, foi aprovada com louvor.  Galgou posições, graças à sua dedicação e competência. Como orientadora, ganhou a preferência dos alunos que a adoravam. Sabia equilibrar energia com doçura.

No seu último dia foi homenageada pela escola toda, recebendo muitas flores e abraços.

No seu primeiro dia de aposentada, sentiu-se como um pássaro, livre para fazer o que quisesse.

Como havia programado, realizou inúmeras viagens, tantas vezes adiadas, conheceu lugares incríveis, assistiu a todos os filmes que estavam em cartaz e leu os livros que se acumulavam em sua cabeceira.

Passados oito meses começou a sentir falta de  uma atividade diária. No auge dos seus 48 anos tinha energia de sobra.

E, após um ano resolveu aventurar-se numa sociedade proposta por Fernanda, uma jovem Chefe de Cozinha, filha de uma de suas melhores amigas.

Tinha amealhado uma quantia considerável durante todos aqueles anos de trabalho e se dispôs a investir no restaurante que a jovem chefe sonhava abrir.

Seria uma sociedade do tipo capital versus trabalho. De cozinha ela não entendia nada. E nem a amiga, e muito menos a jovem, tinham disponibilidade financeira.

Fernanda tinha vinte e sete anos. Formada em gastronomia há dois, estagiou em alguns restaurantes importantes de São Paulo. Talentosa, mas acostumada a um nível de vida elevado. A morte do pai obrigou-a a tomar contato com a realidade, entretanto não era nada econômica. Efetuava compras em qualquer lugar, sem se preocupar em pesquisar preços e ofertas. Insistira em montar o pequeno restaurante com pratos, talheres e toalhas da melhor qualidade numa quantidade bastante superior ao que Mara imaginava ser necessário. A cozinha nem comportava aquela quantidade de utensílios que Fernanda insistiu em comprar.

Convenceu Mara da necessidade do contrato imediato de dois ajudantes de cozinha, três garçons, um maître e uma promoter.

Um contador contratado por Mara alertou-a do alto valor dos impostos e obrigações trabalhistas que teria que arcar.

Mas a sociedade estava feita e Mara já não podia voltar atrás.

Resolveu assumir a contabilidade da casa e perdia o sono preocupada com os compromissos financeiros que era obrigada a cumprir. Ela que nunca atrasou qualquer pagamento. A sócia, por sua vez, ignorava as dificuldades. Jamais se inteirava da contabilidade. E, além de se julgar merecedora de altas retiradas, cobrava constantemente a necessidade de haver um capital de giro generoso.

O movimento do restaurante, no bairro boêmio de Vila Madalena, em São Paulo ainda era insuficiente para cobrir as despesas. E Mara se viu obrigada a fazer retiradas de sua conta particular, acima do que se propusera a colocar na sociedade.

Os irmãos de Mara percebendo o que ocorria e vendo que ela nem parecia mais a mesma pessoa, que trabalhava muito e tinha um aspecto cansado e preocupado, resolveram intervir e aconselharam-na a deixar a sociedade antes que sua saúde ficasse prejudicada e que o prejuízo fosse ainda maior do que já se observava.

Ela, concluindo que eles tinham razão, decidiu chamar sua grande amiga com quem sempre se dera muitíssimo bem e teve um papo sincero com ela.

Mas, entre ela e a filha, a amiga ficou totalmente do lado da filha, chamando-a de traidora e irresponsável e colocando-a para fora de casa.

E Mara a duras penas, representada por um ótimo advogado contratado por seus irmãos, conseguiu após alguns anos retirar-se totalmente da sociedade, que lhe trouxera apenas decepção, preocupação e  grande prejuízo, quase acabando com sua saúde.

Ela, que imaginava ter uma aposentadoria tranquila com o pé de meia que levou tantos anos para construir, e que julgava encontrar naquela sociedade, motivo de realização de vida, ao perder o que juntara, teve que se contentar em levar uma vida bem modesta, concluindo que sociedade só é boa em número ímpar menor que três. 





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