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A BEM ACHADA MALA AMADA - Oswaldo U. Lopes


A BEM ACHADA MALA AMADA
Oswaldo U. Lopes

       Pedro Henrique Mussarabe era dos últimos comerciantes turcos do res do chão da Rua 25 de março. Em volta só coreano. Onde ontem se ouvia árabe ou safaradin hoje era tudo falado em tom monocórdico. Passara-se do gutural áspero para o prosaico tom atonal.

        Perdeu-se qualidade nas peças e ganhara-se na quantidade de produtos baratos. Pedro Henrique sabia de onde vinha, pai e mãe libaneses, cristãos, emigrados de uma das inúmeras perseguições e confusões do oriente próximo que agora todo mundo chamava de médio, esquecendo-se de que médio era o Siri Lanka (antigo Ceilão)

        Havia, com ajuda de amigos, se estabelecido entre conterrâneos (vindos da mesma terra), conlinguases (falavam árabe) e conempresários (todos comerciantes), ou seja, todos descendentes dos etruscos, embora fossem chamados de turcos por causa do passaporte otomano.

        Os vizinhos de lado também eram errantes, moviam-se frequentemente e sempre carregavam consigo suas mercadorias, seus signos e costumes, a Torah e suas crenças, eram os judeus. 

        As vezes o clima esquentava, mas o negócio falava mais alto, afinal o oriente médio ficava longe e embora muitos tivessem parentes que ainda lá viviam, se começassem a se matar ali mesmo, ia ser uma carnificina doida. Alias o que mais os dois lados temiam era o exercito islâmico e sua absurda radicalização.

        Mas qual era o sonho de Pedro Henrique o turco que ficara para  trás? Ter uma loja especializada em tecidos caros num andar, não mais alto que o terceiro, para freguesa usar escada se necessário, nos prédios do entorno para onde se haviam mudado os demais turcos. Clientela não faltava o que faltava era grana.

        Ai apareceu a mão de Alah, perdão de Deus que Pedro Henrique era cristão. Ia pela estrada de São Roque buscar a mulher e filhos num sitio quando furou um pneu. Pão de pobre sempre cai com a manteiga para baixo.

Acostamento, mato alto, desgraça pouca é bobagem, onde vou achar uma madeira para calçar o macaco. Não achou a madeira, achou uma mala, pequena, dessas antigas, fechada e em bom estado de conservação. Não era muito pesada, talvez pesasse algo como um pacote de açúcar.

Não foi difícil de carregar nem de abrir, dentro tudo verde e cinza, não, não eram adereços de escola de samba, eram notas de cem dólares. Colocou na parte de trás da perua.

Por fé de ofício Pedro Henrique sabia muito sobre elas. Pelo peso estimou que ali houvesse perto de quatrocentos mil dólares. Brincava que a segunda lição que seu pai lhe ensinara era que desde tempos muito antigos uma nota de cem dólares pesava uma grama. Quatro quilos é  igual a quatrocentos mil dólares. Ah, não esquecendo a primeira lição fora a clássica: “Não confiar nem na papai” e dera com a cara na grama. Até que seu pai gostava dele conhecia amigos que tiveram a primeira lição no cimentado.

Bem ali estavam US$ 400.000,00. Origem: tráfico. Quem perdeu não ia querer achar para não ter que explicar. Como aqueles aviões abandonados  recheados de cocaína.


Devolver para quem? Entregar a policia só ia dar aporrinhação, suspeitas e outras besteiras além de aparecer na primeira página do jornal e o infeliz proprietário saber quem fora o imbecil que achara a mala. Estava ali a chance do primeiro andar do prédio ao lado. Ia por a mala no armário da garagem e ia ficar sacando devagar que nem uma poupança. Adeus armarinho, como vai loja fina de tecidos!

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