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O professor de linguística - Ises de Almeida


O professor de linguística
Ises de Almeida Abrahamsohn  

Estava na livraria enquanto o atendente  buscava no computador  alguma edição  dos  Maias do velho Eça.

— O “sistema” estava lento, explicou o moço. Distraída, deixei meu olhar vagar pelas alas  de estantes que se abriam como um leque à minha frente.  Apenas alguns fregueses  circulavam nos corredores naquela manhã de sábado.  Dois ou três se debruçavam   e  folheavam  algum livro apoiados às mesinhas altas da cafeteria.

 Reconheci-o  instantaneamente quando  se levantou em direção ao balcão do café .  

"É o Donato, sem dúvida aquele mesmo paletó  de tweed cinza com as cotoveleiras de couro já gastas aquele andar  ligeiramente curvado para frente e o curto rabo de cavalo, agora grisalho,  descendo pela nuca não preciso nem quero olhar  o seu rosto vê-lo de costas já  me basta para reviver  a repulsa que sinto.  Marcello Donato meu professor na universidade..."

Considerado  como o grande entendido em  linguística cognitiva.  As suas aulas eram famosas. Os alunos lotavam a sala para ouvi-lo  discursar. Era o que fazia de melhor e dominava o palco e a audiência  embevecida.  Lembrava   do seu rosto e  do  porte dominador de dez anos atrás.  Tinha  um  semblante vagamente mefistofélico  acentuado pelo nariz adunco e cavanhaque sedoso e bem cuidado.  Os rapazes o admiravam  e as moças rivalizavam pela sua atenção. 

Eu era uma delas. Chamou-me para  fazer parte do seu grupo de estudos.  Idiota que era, me derreti toda. Adulou-me dizendo que eu tinha um talento especial  para o estudo de  semântica. 

“Quando me lembro, tenho vontade de me beliscar!  O talento que mirava era o meu corpo. “

Mas o  “maledetto”   era bom de cantadas.  Foi devagar, uma reunião mais tarde num dia, um beijo noutro e assim foi. Piano, piano, se va lontano ....Era o que punha em prática.  Até que eu , totalmente apaixonada,  queria  era  me atirar em seus braços. E assim aconteceu. Tenho que reconhecer que  Marcello era um  amante de primeira.  Percorria-me o corpo  enquanto  me  sussurrava  palavras  de amor em italiano.  Foi também o meu primeiro amante sério, descontadas as duas  rápidas trepadas de adolescente  em alguma festinha.   

O interesse dele por mim  durou  seis meses. Depois, nada,  zero . Quando  me dei conta, já havia outra em meu lugar.  Simplesmente me cortou de sua vida e do grupo de estudos, sem mais nem menos.  Sofri todas as dores da paixão traída -  que  boboca  eu era  -  perdi até meu amor próprio ao procurá-lo e demandar explicação.  Humilhou-me   dizendo que eu era uma  garota  ciumenta e  imatura. Fui alvo da gozação dos colegas por mais de um ano até conseguir me  reafirmar.Perdi o interesse pela linguística – e eu era  boa nessa área. Não havia como eu  continuar por lá.  Mudei de departamento e de assunto de tese. Por tudo isso eu o odeio, com um  ódio profundo que pensei ter  superado. 


“Vejo-o agora, lá está ele absorto em alguma  leitura  e bebericando o café, a raiva cresce só de lembrar que nunca  lhe dei o troco. Cacete, pensei que já tivesse superado, sinto um mal estar no estômago , só de pensar me dá náusea. Não sei o que fazer , não consigo mais olhar para o Marcello. Quero ir lá e  falar tudo o que não falei  há dez anos., já imaginou ?  eu professora de literatura comparada  armar um barraco destes ! não, melhor  pagar o livro  e  cair fora. O que posso fazer  ?  algo tenho que fazer , vou rogar-lhe  uma praga !  Não que eu acredite,  mas nunca se sabe e fará bem para minha cabeça  !  Maledetto, mascalzone,  seu Don Juan barato tomara que o teu uccello  nunca  mais se levante !”

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