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Uma viagem às Ilhas - Feroé Fernando Braga


      Uma viagem às Ilhas Feroé
Fernando Braga

      Meu filho mais moço, hoje com 44 anos, sempre teve paixão em conhecer o mundo. Viajou muito pela Europa, USA e Sulamérica, com pouco dinheiro e sacola nas costas.   

     Há dois anos, agora já casado, pegou sua mulher e quis conhecer a Escócia, país onde eu havia quando moço, morado um ano e que passei a considerar como minha segunda pátria de tanto que gostei, principalmente pelo povo, gentil, cordial e amigo.

     Após viajar pelas principais cidades e pontos turísticos, a conselho de um amigo inglês decidiu ir às ilhas Feroé, um arquipélago de 18 ilhas no Atlântico Norte, entre o norte da Escócia e a Islândia. Era verão, ocasião propícia.

     A viagem aérea durou uma hora desde Edimburgo até a capital Torshavn, a maior cidade com 12.000 habitantes. Todo o arquipélago tem 49.500.

      A National Geografic falou destas ilhas como as mais interessantes do mundo, um paraíso social meio escondido. Comentou ainda que era o mais alto padrão social do planeta, com um povo cujo bem  estar próprio, depende do bem estar do próximo. Ainda, um território sem criminalidade!

     Dizem que Thomas More, humanista inglês, ministro de Henrique VIII e decapitado por ele, quando escreveu seu livro Utopia, onde falava ficticiosamente de uma sociedade perfeita, cinco séculos atrás, havia pensado em uma sociedade como a dos Feroenses.

     Chegando à capital, os esperava uma guia turística, que falava espanhol, encarregada de, por cinco dias, mostrar os principais pontos daquela ilha e de outras também.

     Tomaram conhecimento que o arquipélago ainda é uma província autônoma, mas dependente da Dinamarca. Apesar das várias tentativas politicas para se separar, ainda continuavam na mesma situação da Escócia em relação à Inglaterra, do País Basco ou Catalunha em relação à Espanha.

     Observaram a vida simples daquele povo, com língua própria, onde também é falado o dinamarquês. Padrão educacional perfeito onde 99,9% é letrado, há igualdade social, um povo simples e amigo, recebendo muito bem os estrangeiros.    

     O povo vive e se alimenta da pesca, principalmente do salmão e da criação de ovelhas, daí o nome Faroé. Criação de bovinos, equinos, aves como galinhas, patos, são raras, assim como árvores de médio e maior porte.

      Dada as baixas temperaturas, no telhado das casas é colocado terra com grama, que cresce como em um jardim e que tem que ser aparada com cortadores de grama.

     O país é bem montanhoso, vulcânico, a paisagem   lindíssima no verão. Tiveram a oportunidade de assistir a tradicional Maratona de Tornhavn, com muitos concorrentes, bebidas, comidas e alegria geral.

      Foram convencidos pela guia a irem à ilha Vagar, a terceira em tamanho do arquipélago, a mais ocidental, com apenas 2890 pessoas. Podiam fazer tudo em uma van, por estrada boa, asfaltada, utilizando um túnel construído sob o mar, interligando a capital às várias ilhas.

     Chegando a Vagar, um dos destinos era ir para oeste até Gasadalur, o menor vilarejo do mundo, com apenas 20 habitantes, o que se tornou possível agora, quando um túnel foi construído através das montanhas, para que aquela vila e outras, não desaparecessem.

      A guia ia explicando tudo, cada detalhe, contando lendas e histórias da região. Falou que o nome desta vila se deveu à presença de Gaesa, uma dama que vivia em Kirkjobour e que de lá foi expulsa com sua família, com todos os seus bens confiscados, por ter comido carne em uma comemoração conhecida como Lend Fast. Foi quando retirou- se   para a região mais alta e oeste da ilha Vagar, dando início à vila Gasadazur.

      A estrada, as paisagens até Gasadazur eram inacreditavelmente belas. Instalados em uma confortável casa que passou a funcionar como um pequeno hotel, por dois dias visitaram os principais pontos turísticos. Viram o rio que passa ao lado da vila e depois despenca pela falésia gigante uns 700 metros, formando a cachoeira mais alta da península.
      Foram então visitar uma casa branca, famosa, completamente isolada no alto da montanha, cujo corpo principal  foi construído  dentro da rocha e apenas o alpendre e a cozinha se encontravam fora da rocha.

      A lenda ou história dizia que há muito tempo, antes mesmo da fundação de Gasadalur esta casa havia sido construída por um artesão de nome Gueshye, que para ali levara sua mulher e onde viviam, com quatro filhos.  Tinha algumas ovelhas, das quais tirava seu alimento e a pele para sobreviver.   Ocasionalmente descia até o mar para pescar e depois montanha acima, por via íngreme, para voltar trazendo o alimento principal deste povo, o salmão.

     Em Miojavur, um vilarejo presente no meio da ilha, descia duas vezes por ano, para vender algumas peles de ovelha e fazer algumas compras de necessidade extrema. Aconselhavam-no a deixar sua casa e vir morar junto aos outros e, que seria auxiliado. Virava a cara e partia montanha acima.

     Ninguém sabia sua origem, como viera parar lá, onde nascera e como conseguia viver tão isolado.

     Certo dia, durante o inverno cruel, nesta vila com umas 120 pessoas, chegou uma mulher toda coberta com pele de ovelha, puxando três crianças pelas mãos, cobertos, mas esfarrapados. Chegaram à primeira casa e pediram ajuda.

     A população pequena logo se reuniu para ajudá-los. Estavam com muito frio, gelados e muito famintos.

     Depois de socorridos, tomarem banho quente, vestirem-se mais adequadamente e comerem esfomeadamente salmão e biscoito, começaram a contar sua história. Dos quatro filhos, o mais velho tinha 11 anos, os outros dois 9 e 8 e um havia morrido.

    A mulher disse que seu marido era um louco, ela o temia muito, assim como seus filhos que estavam cansados de apanhar.    Não podia pedir a ele para se mudarem para uma vila, que ficava possesso e batia nela.

     Logo após a morte de seu filho, ela decidiu que faria tudo para abandonar o local.

    Um dia de verão, pegou os filhos e saiu em direção à vila mais próxima que estava a 30 km. Fugia apressadamente, escondendo-se, mas ele não os encontrando em casa, saiu em disparada e conseguiu localizá-los. Ficou louco, encheu a mulher de porradas.  
  
     Chegando em casa, não lhes deu comida por dois dias e depois, quis fazer sexo.

     Certo dia ele saiu e não voltou.  A mulher e filhos foram procurá-lo na neve nos lugares mais comuns que costumava percorrer. Havia espessa camada de gelo no chão e próximo ao curral das ovelhas, a neve estava toda tingida de sangue. O corpo não foi encontrado. Após três dias, desceram até Miojavur. A polícia veio de Sandavagur, sede do departamento de justiça da ilha, e foram, acompanhados pela mulher, até sua casinha branca incrustada no rochedo.   O corpo não foi encontrado, apenas o sangue vermelho na neve.

      Com a história contada pela mulher, várias pessoas sugeriram que havia sido o Cramunhão, o Capeta, que executara a tarefa necessária.

      Ficou uma casa tida como mal assombrada, onde ninguém mais foi morar e tinham medo dela se aproximar.

     Meu filho, ao ver a casa, metido, mas corajoso, entrou   portando  uma lanterninha de bolso, que carregava sempre consigo, dirigindo-se até o fundo, dentro da rocha. La dentro, disse que começou a sentiu arrepios, calafrios fortes, mas na hora, associou ao frio reinante.

     Sua mulher não quis entrar e ficou fora da casa, junto com a guia.

     Nesta hora ouviram um barulho, um forte grito vindo do interior da casa, associado a gemidos.

     Minha nora saiu correndo de medo e dizia:

— Será que foi ele que gritou? Eu pedi para que ele não entrasse, mas foi teimoso! E agora?

     Não quiseram entrar, nenhuma das duas!

     A guia também estremeceu, arrepiou-se, pegou seu celular, pediu ajuda, que disseram   chegaria em 30 minutos. Ficaram aguardando a uns 100 metros da casa branca e meu filho não reaparecia. Será que ele esta brincando? Quer nos assustar? Não pode ser! Pensava minha nora.

      A guia, também medrosa, disse: - Bem que eles falam que o demônio ronda por aqui e passou a habitar a casa desde a morte do artesão. Eu nunca acreditei, mas...

     Minha nora contou que foi a meia hora mais comprida de sua vida. Chorava, gemia e era consolada pela guia, que por duas vezes deu alguns passos à frente como se fosse entrar na casinha branca, mas voltava, e correndo. Ambas estavam bem pálidas, bem ansiosas.

     Chegou ao local, uma Van da polícia e dois enfermeiros, que carregando uma maca penetraram na casa. Depois de uns 15 minutos, saíram carregando na maca, um corpo ensanguentado. Elas ficaram mais tranquilas quando perceberam que ele se movia e tentava se comunicar.

     Elas se aproximaram e olharam para ele, meu filho, muito assustado. Disse que quando penetrou em um quarto dentro da rocha, sentiu um empurrão e tombou. Bateu fortemente a cabeça, ficou muito atordoado e não conseguia se levantar.

     Os guardas disseram à guia que ele certamente havia escorregado batendo a cabeça. No interior da rocha, devido à infiltração de agua pelas pareces, forma-se um limo e o chão fica muito, muito escorregadio. Ele continuava afirmando que alguém o havia empurrado. Vai saber!

 
    Voltaram à capital e um dia antes da partida, tiveram o grande desprazer de assistir a uma das comemorações mais diabólicas, perversa, que nunca poderia acontecer nestas ilhas.

    No litoral, reuniram-se dezenas de jovens armados de lanças, facões, foices, anzóis gigantes, cercaram os golfinhos fazendo com que se dirigissem à parte rasa da praia, onde começou uma mortandade violenta dos animais indefesos.

   Os jovens cortavam os golfinhos, expondo suas vísceras, deixando aquele pedaço de mar completamente vermelho de sangue. Pura maldade com aqueles animais inteligentes que vão à praia para brincar e se comunicar com os ¨seres humanos¨.

      Esta ¨festa ¨é uma tradição na ilha onde os jovens assim procedem, para mostrarem que chegaram à idade adulta, que agora são maiores, são homens! Matam os Golfinhos Calderon, lentamente.

      Quando meu filho e nora viram esta cena deplorável, tiveram vontade vomitar, de interceder pelos golfinhos, mas foram retirados pela guia.

      Excetuando o acidente, em que ele feriu seu occiput, ficaram maravilhados com as ilhas Feroé, mas extremamente decepcionados com a aquela matança. Souberam também que os pescadores das ilhas, matam mais de 600 baleias por ano.

  Penso:    “Como pode um povo tão culto, tranquilo, cometer essa barbaridade? Absurdo!
      Merecem o que a natureza lhes deu?
      Talvez mereçam aquele sacana do Diabo que me empurrou!”
   

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