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Fetiche - Ises A. Abrahamsohn




Fetiche
Ises A. Abrahamsohn 

Os policiais do 5º DP da Bela Vista encontraram o cadáver na cozinha do pequeno apartamento. Estavam acostumados a bizarrices  mas esta era inédita.  Faltavam à moça os pés, o assassino os cortara na altura do tornozelo.  Aparentemente usara os instrumentos de cozinha, ali mesmo disponíveis  largados junto às  poças de sangue agora coagulado.

Não havia sinais de roubo ou arrombamento. A vítima era Paula Nogueira, o zelador a conhecia bem, era jovem, funcionária  da prefeitura  e trabalhava a poucas quadras dali. De temperamento alegre, a moça lhe confidenciara há poucos dias que  em breve iria casar-se e mudar  de bairro.

Na repartição de Paula trabalhava  também  Nestor.  Solteirão angustiado era incapaz de se relacionar com as mulheres.  Fazia um trabalho medíocre e passava por esquisitão. As colegas de trabalho não suspeitavam que durante o expediente eram cuidadosamente observadas. Nestor tinha predileção por pés. Amava os pequenos, delgados, de unhas esmaltadas  e calçados em sandálias de tiras que realçassem os músculos firmes e a pele macia. Odiava a moda dos tênis!  Diariamente fotografava os pés de suas favoritas. Metódico, tinha arquivos de cada uma no celular. Em casa, datava  e imprimia as melhores fotos.  As paredes do quarto eram forradas pelos cobiçados pés.

Paulinha, era a  dona do par de  pés favoritos de Nestor. Tamanho 35 e calçados por sandálias pretas ou vermelhas de salto altíssimo.  A garota era mignon, de corpo bem feito e  bonitinha em seus vinte e poucos anos. Era namoradeira e dizia-se ao café  que vários colegas já haviam frequentado sua cama.  A  Nestor, as fofocas não abalavam, seu interesse eram os pés. Nunca teria coragem de abordá-la. À noite, solitário no seu leito de solteiro, bastavam-lhe as fotos dos pés de Paulinha. Mas com o passar do tempo, Nestor tornava-se cada vez mais obcecado.

Naquela tarde,  na sala de café, Nestor ouviu a terrível noticia: Paulinha iria se casar e pedira demissão. Já não viria na segunda feira próxima. Nestor ficou transtornado. Esperou a moça ao fim do expediente e seguiu-a. Subiu atrás dela no elevador e atacou quando Paulinha abria a porta do apartamento. Estrangulou-a com a gravata. Na cozinha  encontrou cutelo, facas  e  um martelo batedor de carne. Removeu  os delicados pés calçados com as sandálias vermelhas, suas preferidas. Ao embarcar no metrô ainda cogitou se o sangue pingaria através da mochila, mas a lógica lhe dizia que o sangue já coagulara.


Em casa ajeitou delicadamente os pezinhos  calçados sobre uma bandeja  na mesa em frente ao sofá. Finalmente os pés de Paulinha seriam só seus.

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