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O Violino encantado - Ises de Almeida Abrahamsohn


O  Violino encantado
Ises de Almeida Abrahamsohn

Da calçada escutavam-se os sons, ora agudos ora graves, misturados à algaravia   das  serras, martelos e  formões que moldavam as madeiras preciosas vindas   do exterior. Plátano, abeto ou cedro envelhecidos     vindos  das várias regiões  da   Europa eram moldados em violinos ou violas ,  uns de som aveludado outros  de timbre grave  e ressonante.

Na loja, os instrumentos perfilados nas prateleiras esperavam silenciosos as mãos que os fariam vibrar.  Há alguns minutos entrara  aquela  moça que agora  os examinava um a um com olhar clínico.  Era uma jovem loira de ar contido, nem feia nem bonita; trazia os cabelos presos em trança ao redor da cabeça. De vez em quando soltava um pequeno suspiro e  passava  ao próximo violino.  Passado algum tempo acionou a sineta no balcão. Da oficina  surgiu  o luthier . A jovem perguntou o preço  de alguns violinos, os que julgara  serem mais baratos. Percebeu que  estavam fora do seu alcance.  Lágrimas  surgiram  nos cantos dos olhos.  Tal  reação não era estranha ao luthier.  Instrumentos  de  qualidade   eram  custosos. A moça  de repente apontou  para um  violino  de madeira clara de pinho,  ao centro da prateleira mais alta. 

—  E aquele,  quanto custa? 

O luthier admirando-se da escolha respondeu-lhe que não estava à venda.

— Mas por que? perguntou ela.

— Este violino  tem  significado especial para mim. Eu era de família pobre.  Tínhamos um sitio  perto de  Malmo, vizinho  a uma grande propriedade.  Nesta havia uma floresta  de pinheiros  onde eu  caminhava  e na primavera  procurava cogumelos . Ao me embrenhar  no bosque descobri um regato que formava uma pequena cachoeira, e ao lado havia  um  casebre que parecia desabitado.  
 No interior, apenas uma mesa e cadeira toscas, e este violino de pinho  de  qualidade inferior.  Mas, quando passei o arco pelas  cordas, embora eu não soubesse tocar,  o som me pareceu maravilhoso.  Não me atrevi a levá-lo. Voltei várias vezes no verão àquele lugar até me certificar de que estava abandonado. Ao aproximar-se o outono e a primeira neve  trouxe o violino comigo. Com ele aprendi a tocar e a ele devo o meu  atual oficio. Os meus mestres  maravilhavam-se com o som de instrumento  tão  modesto; curiosamente,  era apenas nas minhas mãos que o violino  exibia seus mais belos sons e eu o amava como se fosse  uma criatura . Parecia  retribuir-me o afeto. Com o tempo parei de tocá-lo, mas  dei-lhe um lugar de honra na minha loja. Ainda acredito que seja um violino mágico. Responderá apenas aos toques das  mãos  hábeis  de   quem  o admire.

— Deixe-me tocá-lo, disse a moça. Eu o percebi como especial em meio a  tantos outros  violinos  refinados  e  caros.

A moça, preparando-se para tocar, soltou os grampos que prendiam a sua cabeleira loira, aninhou  o  violino sob  o queixo e começou a tocar. Sons límpidos e  reverberantes se espalharam pela loja e  o trabalho na oficina parou para ouvir  a extraordinária  música. Os acordes sonoros pareciam conferir-lhe    estranha luminosidade,  tornando  a   jovem  etérea e  quase bela.

O luthier comovido,  exclamou : _ Pode levá-lo, o violino  é seu.  Ele não quer ficar aqui, mudo na prateleira de uma loja.   Encontrou você que o  escolheu;    pelas suas mãos  poderá  de novo encantar  o mundo com a  sua sonoridade.




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