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Nonna Carmela - Vera Lambiasi



Nonna Carmela 
Vera Lambiasi


Matriarca da família Marinelli, comandava a caravana que partia em agosto, de Roma à Cortona, para as férias de verão. A canícula da cidade grande abrandava-se durante o trajeto de pouco mais de duas horas, subindo para o campo.

A velha casa de pedras já pertencia aos antepassados há seis gerações.

Nonna Carmela dedicava-se a cozinha com doçura, e autoridade. Nada fugia de seus olhos vincados, pele sofrida, cabelos esmaecidos. Era a figura da avó despida de vaidade.

Hospedava filhos, genros, noras e netos num sobrado de cinco quartos. A farra na fila do único banheiro contagiava até os mais crescidos. Crianças fingiam pegar no sono de tanto esperar. E quando a porta se abria era aquela gritaria para disputar quem seria o próximo.

A nonna dava um tom de festa durante todo o mês, inventando menus temáticos para cada região da Itália.

De manhã cedinho já buscava a pizza rústica, cheirosamente distribuída na rotisseria, em frente à fonte.

Perto da hora do almoço a casa exalava um inebriante aroma de pimentões colocados na brasa para soltar a casca. Raspados, servidos com azeite e alho, abriam apetites dos meninos que vinham do campinho de futebol.

Spaghetti, carne, salada, e mais parentes e vizinhos na grande mesa do jardim dos fundos, junto a cozinha, numa comilança reconfortante. Não podia sobrar nada, que a nonna se ofendia.

Sobremesa, café, e as meninas partiam com suas bonecas, enquanto as mães ajudavam com a louça.

Os homens pestanejavam, disfarçados atrás de jornais e fumaça.

A tarde corria fácil, de tantos afazeres. A manutenção da casa exigia trabalhos desde a costura de cortinas, até o conserto do telhado. Tarefas eram divididas conforme a aptidão de cada um, nada de preguiça para consertar um cano furado, ou o desgaste da fiação.

Jantar de capeletti in brodo, jogos de cartas e cama, para recomeçar na manhã seguinte.

Nonna Carmela tinha o coração de fogos de artifício. Espalhava entusiasmo por onde passava. Depois das férias, era esperada pela população de Cortona em cada feriado.

Mas o ano de 1983, trouxe um novembro gelado para Roma.

A calefação do apartamento não dava conta de aquecer Nonna Carmela. Resfriava-se com facilidade, insistindo em sair ao pátio para estender a roupa. Esquecia janelas abertas, já não atinava em cobrir-se para dormir.

A senhorinha tão querida foi gelando, ninguém conseguia agasalhá-la.

Murmurava as saudades que sentia do finado Giuseppe.

Não queria mais saber do fogão e seus quitutes. Pouco comia, deixando esfriar.

A gripe a pegou.

E, para a morte, foi um pulo. Não resistiu nem até o Natal.

O que restou foi a tradição do Ferragosto na Toscana. Onde estiverem, todos os descendentes Marinelli seguem para Cortona, ao aconchego da casa da família.

Lá, Nonna Carmela continua soltando sua chama.


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