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Lições de física à mesa de um boteco no Leme - Ises de Almeida Abrahamsohn


Lições de física à mesa de um boteco no Leme
Ises de Almeida Abrahamsohn

          O bar era o do português Abílio, no Leme, em frente à praia, com suas mesinhas de mármore e cadeiras dobráveis na calçada. Era ponto de parada obrigatório aos domingos quando voltávamos da praia lá pelo meio dia. A nós, crianças, era concedido o direito de escolha do refrigerante que, qualquer que fosse, era servido na chamada "temperatura ambiente" que, àquela hora, já beirava os 40 graus. Mas, logo depois - oh ! injustiça ! - vinha o Abílio com as garrafas de Brahma geladíssimas a serem servidas aos adultos nas tulipas também geladas. Nós, suados e invejosos víamos as garrafas marrons se recobrirem de gotículas, pérolas transparentes e geladas que se fundiam e escorriam lentamente formando riozinhos frios no mármore. Às vezes a tentação era maior e um ou outro de nós abraçava com as mãos a garrafa suada e deliciosamente gelada até que algum adulto estrilasse. Nas palmas das mãos refrescadas, restava um vago cheiro de queijo ou bolor.

          Foi assim, ao pé das mesas de mármore do Abílio, que eu e meus primos desenvolvemos a nossa teoria: a cerveja transpirava pelas garrafas enquanto que os nossos refrigerantes não suavam com o calor.  A teoria ganhou força além das nossas observações tácteis e olfativas: o vidro das garrafas de cerveja era marrom e, portanto, obviamente diferente das garrafas de refrigerantes, verdes ou incolores. O argumento final de peso foi inspirado pelos cartazes da Oktober Fest de Munique nas paredes do bar. A cerveja era de origem alemã e, vinda de um clima frio, nada mais lógico que suasse e, especialmente, suasse frio no alto verão carioca. 

          Passamos assim a maior parte do verão, resignados aos nossos guaranás mornos que jamais suariam em suas garrafas verdes mornas. Até que a filha de uma prima de minha mãe veio nos visitar, vinda da Alemanha para onde se mudara há anos. Chegado o domingo, levamos a Elke à praia e, em seguida, como de praxe, ao Abílio. Mas Elke queria voltar a tomar guaraná e pediu um, bem gelado. E então, o primeiro grande abalo na nossa teoria: a garrafa verde de guaraná começou a suar.... Tivemos que nos segurar para não avançar na garrafa da Elke para conferir a natureza das gotinhas que se formavam na superfície.

          Elke teria uns 18 aninhos, loiríssima, linda e esbelta, em nada se parecendo com as garçonetes dos cartazes da Oktober Fest e percebeu a nossa cobiça pelo guaraná gelado. Aí eu lhe disse, meio encabulado, que nunca tínhamos visto uma garrafa de guaraná transpirar, só as de cerveja ... Ela então encomendou ao garçom para cada um de nós uma garrafa de guaraná gelado, sob os olhares desaprovadores de meus pais, é claro, e para si pediu uma cerveja "sem gelo", escandalizando o  Abílio. E, assim, tivemos lá mesmo a nossa lição de física dos estados da água dada por Elke: o vapor de água contido no ar ao encontrar uma superfície mais fria sofre condensação e muda para o estado líquido.

          Elke voltou anos mais tarde ao Rio e eu, já adulto, descobri que ela era uma loura nada gelada, que no calor carioca transpirava deliciosas gotinhas salgadas.

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