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CARMEM, A XERETA - Oswaldo U. Lopes


CARMEM, A XERETA
Oswaldo U. Lopes

        A cena parece mais de um subúrbio americano. Uma pessoa olha pela janela com cara de muito espanto e nojo e as casas mais  ao fundo parecem não ter cercas ou muros na frente. Para que esse quadro fosse brasileiro seria preciso voltar no tempo, buscar os bairros tipo jardins criados pela Companhia City onde não havia muros na frente e as laterais eram baixas e podiam ser formadas por cercas vivas. Bons tempos... As pessoas caminhavam pelas calçadas como se estivessem num parque.

        Carmem morava sozinha numa boa casa, visitas poucas. Em ocasiões especiais apareciam os três filhos e respectivos netos. Não se deixa enganar pelo plural machista, dos três filhos, duas eram moças o que, alias, não alterava muito a situação. Filhos e filhas não eram visitas frequentes.

        Talvez pela solidão, talvez por natureza própria Carmem gostava de xeretar nas casas alheias. O costume não era mal visto, vizinhos se ajudam e se conhecem. O problema de Carmem não era a bisbilhotice que não praticava muito, era a quadratura, a chatice e porque não dizê-lo a rabugice. Religiosa, não perdia missa pela manhã nem terço à tarde. Até o padre pensava nela como carola.

        E foi numa dessas tardes que Carmem antes de ir ao terço, resolveu espionar um pouco a janela de Luisa e André, quem sabe até filar um gostoso chá com biscoitos. No entanto o que viu da janela deixou-a pasma, chocada. Vamos então juntos a janela cujas cortinas claras estão recuadas.

        André que voltara cedo do trabalho, como o demonstrava o carro na garagem, estava deitado no chão, de camiseta, bermuda e chinelo. Luisa num lindo babydol escuro, cabelos soltos estava deitada sobre ele, num gesto amoroso e sensual; trocavam um beijo de tirar o fôlego. Meu Deus, nada de errado, a não ser que se considere a ausência de carinho dos casais atuais como regra.

        Luisa e André estavam demonstrando e selando seu amor de maneira digna e irreprochável. Nos tempos atuais em que o Papa Francisco vem enfatizando o amor e a misericórdia mesmo entre os mais excluídos pela hipocrisia reinante, aquele gesto era senão maior, igual a qualquer sacramento. Tem razão o pontífice, é o amor em todas as suas formas que pode salvar os homens, não a guerra nem a intolerância muito menos o ódio.


        Mas Carmem recuou horripilada, desistiu da companhia e do chá, benzeu-se três vezes e foi-se a caminho da igreja rezando pela salvação dos pecadores.

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