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ROTEIROS PARA TEATRO

1978, VINTE E UM DE OUTUBRO - M.Luiza de Camargo Malina



1978, VINTE E UM DE OUTUBRO
M.Luiza de Camargo Malina


Voar, mais do que qualquer impulso, tomou conta de mim. A clareza do dia, o ar magnetizou-me. Era o tempo do ir.

Tracei a rota facilmente. Vento a favor. O Cessna brilhava e sorria como um convite à maior aventura que poderíamos viver. Eu o entendia, era parte de mim.

As lagostas, por um motivo banal a estrada em que o infinito se funde ao oceano, marcou minha passagem. Os instantes que se seguiram foram mágicos, a chance de avisar que estava tudo bem a quem eu bem queria, foi-me concedida, eles entenderiam entre linhas o que não poderia ser explícito.

A nave mãe aproximou-se. Era o meu tempo. Relaxei. Novamente senti-me no útero materno. Quente e aconchegante.

Por uma luz profunda, percebi o que falavam: “Uma alma pura, conservou-se tal qual o último procedimento, será muito fácil”.

A nave sobrevoava sobre a minha. O desejo de transmitir que eu estava bem a quem bem me queria tornou-se forte e me foi permitido. Eles me entenderiam. Foi rápido e novamente senti o calor do útero materno a me acolher.

A todos os vinte e um de outubro vasculho os hangares e sobrevoo no infinito à procura de bem maior. Sinto que alguém me procura com um sorriso entre as nuvens.

Vivo na inquietude de um amor sem fim, preso há trinta e sete anos entre idas e vindas.


AMAVA OS CACHORROS! JÁ OS HOMENS...- Jeremias Moreira


AMAVA OS CACHORROS! JÁ OS HOMENS...
Jeremias Moreira

O catalão Ramón Mercarder assassinou Leon Trotski!
O belga Jacques Mornard assassinou Leon Trotski!
O canadense Frank Jacson assassinou Leon Trotski!
Então, os três assassinaram Leon Trotski?

Não, apenas Ramón Mercader! Os outros eram identidades que Ramón adotou para sair da Europa logo que estourou a segunda guerra mundial e, via Estados Unidos, entrar no México e se aproximar de Trotski.

Esta terrível história é brilhantemente contada por Leonardo Paduro no romance “O homem que amava os cachorros”.

Através de um narrador fictício, o livro decorre em três momentos: o primeiro se concentra no exílio de Trotski e sua peregrinação pela Turquia, Noruega e México após ser expulso da União Soviética; o segundo conta o engajamento de Ramón Mercarder na luta contra Franco, durante a guerra civil espanhola; o seu recrutamento pelo NKVD, o serviço de espionagem soviético; o seu treinamento e preparação para a investida contra Trotski; e a consumação do fato, no México, em 1940; e o terceiro, o encontro, em Cuba, da época da guerra fria, entre o personagem fictício, escritor cubano Ivan Cardenas, o narrador, com o enigmático espanhol Jaime Lopez, que depois saberemos tratar-se de mais um codinome de Ramon Mercader, já na velhice.

É através dos relatos de Jaime que Ivan se embrenha na história e, mais tarde, a narra.

Trotski e Lenin foram as figuras proeminentes da Revolução Bolchevista de 1917. Mas,  é Stalin quem ascende ao poder, em meio a uma acirrada disputa, após a morte de Lenin, e dá início a uma era de terror. Persegue e elimina muitos dos seus antigos companheiros. Desterra Trotski e o declara o inimigo numero um da Revolução do Povo. Usa esse bordão para inflamar e incutir a aversão dos soviéticos por ele. Nesse clima de extremo ódio à Trotski que se dá o treinamento de Mercader.

A essa altura, Moscou já decretara a sentença de morte do proscrito, mas não deveria sujar as mãos. Nada melhor que um militante estrangeiro que, em último caso, poderia se passar por um fanático agindo isoladamente.

Como Jaques Mornard, Ramón consegue a amizade de Sylvia Agelof, secretária de Trotski, e através dela se encontra com ele sob o pretexto de ser um patrocinador canadense de suas ideias.

No dia 20 de agosto de 1940, no escritório da sua casa, Mercader feriu Trotski mortalmente na cabeça com um piolet (pequena picareta de alpinismo).

Trotsky, antes de morrer, impediu que seus seguranças matassem Ramón:

Não o matem! Este homem tem uma história a contar. − teria dito.
Mercader foi preso e, mesmo sob tortura, nunca revelou sua real identidade e manteve-se fiel a Moscou. Foi condenado por assassinato e sentenciado a cumprir 20 anos de prisão no presídio Lecumberri, na Cidade do México.

Solto, em maio de 1960, mudou-se para Havana, onde foi acolhido por Fidel Castro.

Sob a identidade de Jaime Lopes, num de seus passeios com seus cães Dax e Ix, numa praia de Havana, encontra-se casualmente com Ivan Cardenas, que também gostava de cachorros. São nesses encontros que Jaime conta a história de Ramón Mercader. A certa altura dos relatos, Ivan percebe que, para Jaime saber tantos detalhes sobre a  vida de Ramón, eles só poderiam ser a mesma pessoa.  

E, através de Ivan, Pagura nos leva a relatos inquietantes de episódios críticos da historia mundial. Episódios onde ruiram sonhos e abundaram atrocidades. Ao fim e ao cabo, Ramón Mercader foi algoz de Trotski e, ao mesmo tempo, vítima de um regime de terror e de mentiras que o fez acreditar que lutava por uma sociedade mais justa.

Se pensarmos bem, a história teima em se repetir. Nos dias de hoje qual governo  não espalha mentiras, a torto e a direito, com a promessa de um mundo melhor? 



O ENIGMA DO PILOTO FREDERICK VALENTICH E SEU AVIÃO - Oswaldo Romano

 

O ENIGMA DO PILOTO FREDERICK VALENTICH E SEU AVIÃO
Oswaldo Romano                                                                                                                          
                                                                                                          
        Há muitos anos, quando ainda moço, sabiam que Roni já no fim da 3ª idade, tinha sido investigador da R.G Dun, empresa internacional de investigações.

        Tão logo pode, deixou essa profissão, pois embora ela lhe proporcionasse sucessos, sempre tinha do lado oposto a tristeza o perdedor.

        Quando na notável empresa internacional, Roni levava a fama de um arguto investigador. Não cuidava de crimes, apenas casos enleados.

        Foi procurado por antigos contatos, queriam que ele investigasse o desaparecimento do famoso piloto Frederick Valentich. Aquele que de Melbourne na Austrália levantou voou com seu Cesna 182L rumo as Ilhas King e abalando o mundo desapareceu, deixando crer ter sido sequestrado por um OVNIs.     

        Roni começou seu trabalho. Descobriu que no Aéreo Clube, Frederich conheceu uma linda moça, também piloto, chamada Vera. Uma troca de olhar, um sorriso, selava o início do que se transformou num  apaixonado e perigoso amor. Frederich estudava com Vera o jeito de se afastar de Lúcia, sua noiva, sem magoá-la,  deixando-a ainda depois do ocorrido com esperança de poder realizar o sonho da sua vida.

        Vera queria Frederick, não importava como. Encontrou nele seu homem. Ele viu nela a mulher da sua felicidade.  Mas esforçava-se para não destruir a felicidade de  Lúcia, tão meiga, fiel e que sua mãe há tinha como filha. Uma simples separação jamais seria perdoada pelas famílias.

        Mas o novo amor de Frederich, sobrepunha-se, falava mais alto. Achando a saída, foram levados ao absurdo.  Armaram, um jeito de viverem juntos para sempre.

        Seus propósitos seriam realizados, ele ficaria famoso como sempre quis. Chorariam sua vida tolhida na sua melhor idade.

        Como o arguto Frederick, com a conivência de Vera  realizou sua cilada.
A história é contada assim:

        Voava de Camberra rumo as Ilhas King. Preencheu sua escala de voo com atenção redobrada, e entregou nas mãos do oficial da torre.

         Sobrevoava o mar, sobre o estreito de Bass, previsão de duas horas de voo. Vencida a primeira hora, pelo rádio, narrou um fato muito anormal. A torre de controle descrente ouvia. Ele mostraria o maior  susto. Aterrorizado dizia estar sendo perseguido por desconhecida nave. Incrível, dizia, parece um imenso charuto! Incrédulo e aos gritos soltava as palavras entre cortadas. —  Está sobre meu avião, está me seguindo... Muitas luzes piscam. Sai voando como uma flecha! O que eu faço? O que eu faço? Olha, de novo. Está sobre mim!

        Narrando demonstrava todo seu pavor. Perguntava se havia outra nave nas imediações. A torre negava. Falava detalhes assombrado. Previa colisão, anunciava que seu avião corria serio perigo. Seus balbucios foram sumindo causando extrema aflição nos oficiais do controle. Na torre despertou um enorme distúrbio. Insistiam reatar a comunicação. Nada, nada, mais nada vinha do Cesna.

        Os controladores dispararam alarmes para a Marinha e Aeronáutica. Lanchas salva vidas foram enviadas. Não encontraram um sinal sequer. A procura levou as autoridades a exaustão.

        Alguns amigos de Roni não acreditavam no ET. Achavam ter sido uma premeditada farsa. Não havia testemunho.

        Contrataram Roni para desvendar o mistério.

        Esse diabólico plano montado por Frederick foi para safar-se de um indesejado casamento, pois apaixonara-se perdidamente pela piloto Vera, sócios do mesmo aéreo clube, falavam a mesma língua.

        Isso aconteceu em 1978. Os radares existentes não registravam aviões em baixas altitudes.

        Queriam que realmente acreditassem ter sido tragado pela misteriosa  nave extraterreste. Seu corpo, nunca apareceu.

        Nosso investigador, por dois meses levantou dados da sua  vida particular, como se portava, como raciocinava, elevando seu futuro.    Era um garoto com apenas 20 anos, pouca experiência. Na Escola Aeronáutica propalava aos colegas que iria se tornar famoso, conhecido. Até então certamente não tinha nenhuma diretriz formada, a não ser querer aparecer.

        Vera em um plano de voo antigo encontrado por Roni, dava como seu destino uma fazenda, localizada nos confins de Vanuatu. Uma região inóspita, conhecida por terras cansadas, imprestáveis.

        Roni possuidor de apurado faro investigativo conseguiu esta informação pesquisando documentos no Aero Clube local. Lá passou uma semana remexendo arquivos. Foi uma preciosa descoberta.
                       
        Chamou os amigos e interessados e mostrou ter encontrado o caminho das pedras. Estava fácil o desfecho do misterioso desaparecimento. Caberia agora à Polícia Federal Australiana, sediada em Camberra, revelar o fim do mistério.

        Foi montado um aparato policial, e partiram para a distante ilha Vanuatu, onde prenderiam Frederick Valentich.

        A população de Camberra estava ansiosa, agitada esperavam notícias.
Nada de ETs, nada de charuto, nada de Ovinis. Mais uma lorota!

        — E a notícia finalmente chegou. Foi encontrada a falada fazenda.
   Muito longe! Muito mato, abandonada!

        — Sim... E Frederick ?    

— Acredita-se tenha fugido para PASSÁRGADA.



FUI AO TEATRO: MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS - Mario Tibiriçá

        

FUI AO TEATRO: MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS  
Mario  Tibiriçá                                                                                                                                                                                                            
Ninguém me pediu, porém me atrevo a fazer esta crônica, por  entender ser importante para a Cia das Duas, saber o resultado    do tremendo esforço que realizaram para efetiva apresentação   da peça. Só mesmo a majestade de todos os sonhos daria a força   indispensável para tal realização, afastando as náuseas da indecisão e mostrando entre os muros altos da audácia absurda,    a glória de ser grande não sendo nada.          
                                    
Ambas as atrizes, disputam a figura de Brás Cubas e ora uma ou outra, personificam o personagem, com notável desempenho,    com graça, alegria e competência apesar de falas e longos textos.  
    
Porém o texto exigia outros personagens, e eles compareceram    sob a forma de bonecos, com feições e roupas adequadas além   de falas explícitas pelas atrizes sempre muito bem. 

E foi sensacional a quebra dos diálogos encaminhando a peça, quando com suspense e simplicidade as atrizes dialogam entre si, sobre problemas eventuais da peça, completamente fora do texto. 

Brilhante!!!!!!!!

Formidável, excelente, ótimo são os adjetivos apropriados para a           exibição da peça.       
                                                                                   
Parabéns usivos às atrizes e diretoras da Duas Cia de Teatro que brilharam intensamente na emoção que a hora tece. 


MEU PRIMEIRO SONHO



TEMA DO CONTO PARA FAZER ESTA SEMANA: 

Meu primeiro sonho...


A poção da bruxa Gamela - Ises de Almeida Abrahamsohn






A poção da bruxa Gamela
Ises de Almeida Abrahamsohn

Gamela enfim terminara  o curso de pós-graduação em bruxarias especiais.  A sua tese tinha merecido a nota mais alta da banca examinadora. Aquelas bruxas retorcidas com séculos de atividade ficaram  boquiabertas.  Além de ter produzido  uma  nova  fórmula mágica,  Gamela  pôde demonstrar ao vivo o seu efeito espetacular.

A bem dizer, Gamela também não era das mais novas.  Nascera há cerca de 150 anos na República Veneziana, antes da unificação da Itália, em uma família  tradicional  de  bruxas ,  “Streghe” como as chamam por lá.  Herdara o espelho mágico da família que  datava  do século  VIII.  Era um espelho de bronze  polido em suas duas faces  e  nele Gamela podia escolher como queria se ver: na sua idade real,  com a face escalavrada   ou  na idade que escolhesse. Infelizmente o reflexo  jovem  era fugaz, só durava mesmo alguns segundos.

O seu árduo trabalho  de quatro anos  nos laboratórios  da  Faculdade de Bruxarias e Sortilégios  fora enfim  recompensado.  Conseguira  uma poção de efeito rejuvenescedor  duradouro.  Uma colherinha engolida da poção  e  mais  algumas palavras  encantadas, pronto,  o efeito era imediato.  As palavras, a bem da verdade, eram apenas para impressionar  os  ingênuos.  Uma  espécie de efeito placebo, como aprendera nas aulas de sortilégios  especiais.

A banca  julgadora pôde conferir  os efeitos  da poção ali mesmo na sala de teses. Após descrever  o seu trabalho,  Gamela ingeriu a poção, pronunciou as tais palavras e, súbito, a face enrugada se alisou, o corpo encurvado endireitou e em vez da velha vassoura de transporte, um lindo par de asas  brotou  de suas costas.  Mais ainda, vestindo o corpo jovem e perfeito, surgira uma roupa super transada, na ultima moda da revista “Witches Now”. A única marca de seu antigo rosto, herança das Streghe   venezianas  eram as  pequenas  orelhas pontiagudas.


Após patentear  e vender o seu filtro mágico , Gamela se tornou uma bruxa rica e famosa no circuito das bruxarias.

A crise do talento - Judith Cardoso


A crise do talento
Judith Cardoso

Mariana aos quatro anos de idade já gostava de dançar. Seu pai dizia que ela mal sabia andar, mas já sabia dançar.

Entrou na escola de ballet e dançou muitos  por muitos anos. Era sua maior alegria se ver no palco e, quando a música começava, ela não se continha. Dançava com a alma e era seu status mais autêntico.

Qualquer ocasião de apresentar sua performance, ou sempre que surgia ocasião, lá ia ela com as sapatilhas e os discos para se apresentar.

Uma ocasião, na escola em que estudava, apareceu uma professora, com provável baixo nível de instrução e inteligência. Esta, para enriquecer suas pobres aulas, colocou um dos discos que Mariana sempre carregava, a tocar. Mariana rapidamente aprontou-se para representar sua dança.

Qual não foi a surpresa? A Mestra ajustou para rotação inadequada ao tipo de disco, mais lenta, muito mais lenta. A então criança Mariana, educada para respeito aos mais velhos, ainda mais professores, não se pronunciou.

Sua tentativa de ajustar sua dança ao nível distorcido de rotação, mostrou-se um fracasso. Coitada!

Mariana dançava e dançava a interminável e distorcida melodia, monótona e ininteligível, perdeu sua graça habitual e autoconfiança.

Sua decepção e falta de arte passou à plateia que mal a aplaudiu ao final da  apresentação. Plateia insatisfeita e dançarina desiludida.

Apesar de sua ótima aptidão e vocação para o ministério de dança e intenções de personificar uma futura bailarina de brilho chocou-a profundamente essa situação.

Essa intensa crise desencantou-a, para sempre. Nunca mais quis dançar.


Noites escuras em Papolândia - Ises A. Abrahamsohn



Noites escuras em Papolândia
Ises A. Abrahamsohn

Sem iluminação nas casas e nas ruas os habitantes da vila  Papolândia tinham que se virar com velas e lampiões. Gás também não havia  e os fogões eram à lenha. As promessas feitas pelos candidatos que por lá  passavam apenas na época de eleições não resultavam em nada. Uma estradinha de terra, pouco mais que uma picada, ligava Papolândia à cidade de Baturi onde havia prefeito e energia elétrica. Eram seis  horas em lombo de burro para percorrer os 80 km até Baturi. Tal como Papolândia, existem centenas de outras vilas pelo Brasil. Havia entretanto uma diferença: o pessoal de Papolândia era muito bom de conversa e mais ainda de articulação.

   Reunidos à luz de lampião bolaram um plano para conseguir as melhorias. Seria executado na  próxima visita do prefeito que tentava a reeleição. Pois então veio lá o prefeito e sua comitiva. Foram recebidos com festa, feijoada e a famosa pinga da vila. Seguiram-se os habituais discursos, promessas e beijinhos nas crianças. Lá pelas cinco da tarde o prefeito e sua turma não viam a hora de se mandar dali. Despedidas feitas, puseram-se a caminho. Meia hora depois a consternação! A estrada estava interrompida por uma profunda cratera: impossível de passar veículo, ser humano ou animal. Restava voltar à vila  e pedir socorro. Mas como? Sem energia não havia telefone e naquele fim de mundo nenhum sinal de celular. Alguém lembrou que talvez houvesse um rádio na vila. O Belarmino, que parecia ser o líder local, já os esperava com um lampião na mão. Sim, havia um rádio, mas infelizmente estava com defeito. Suas excelências teriam que pernoitar em Papolândia e, com sorte, amanhã tentariam comunicação. Poderiam jantar e se alojar nas redes a serem estendidas na varanda da escolinha. Após o jantar, Belarmino e os habitantes da cidade vieram em peso ver como se ajeitariam as autoridades. Estas tropeçavam e praguejavam enquanto, à luz de lampião, tentavam achar o caminho para a latrina atrás da escola.

 Belarmino ofereceu uma rodada da célebre pinga, servida na sala de aula, e começou o papo, assim com quem não quer nada...
 _ “Pois é, se houvesse energia, daria prá consertar o rádio e se a estrada fosse melhor não teria desabado e vosmicês poderiam voltar prá cidade....”  E por aí foi a conversa, com os papolandinos fazendo uso do seu melhor papo. Aí pelas tantas, alguém sugeriu:

_ “Seu prefeito, agora que vosmicê viu a nossa situação, escreva aí a ordem para a companhia instalar a fiação pra nós aqui!” Apareceram papel e tinta e o prefeito não teve outro remédio senão escrever a ordem de serviço requerida. A bem dizer, ficou com medo de ter que ficar ali por mais dias. A professora leu em voz alta o documento e o povo se dispersou. Ao clarear apareceu o Seu Miguel com a notícia de que o rádio voltara funcionar. Transmitido o pedido de socorro, foi improvisada uma ponte e prefeito e sua turma puderam passar. Uma semana depois começaram a puxar os fios e a erguerem os postes na estradinha de Papolândia.


A próxima batalha seria conseguir asfalto na estrada!

A socialite suburbana - Ises de Almeida Abrahamsohn



A socialite suburbana
Ises de Almeida Abrahamsohn

Malu  estava com medo. A  chantagem chegara  em uma carta anônima  há uma semana.  Não tinha falado com ninguém sobre isso. Nem poderia... Maria Luiza  Carneiro Neves  era agora a socialite Maria Luíza  Baeta de Mendonça, Malu  Mendonça  para as colunas sociais. 

Ao telefone  a  voz estava disfarçada.  Tinha quase certeza de que era mulher. Devia ser aquela última cuidadora  do Neves.  Nunca gostara daquela  mulher,  mas ela  não esteve de plantão no fim de semana do acidente.  Só viera na segunda  quando  o ex-paciente já havia sido enterrado e  apenas para receber e pegar  os pertences. Por mais que pensasse  e repensasse  Malu não  conseguia  lembrar  de nenhum deslize  seu  que   a pudesse    incriminar.  Teria a chantagista de fato alguma prova  ou indício  suficiente para  tal?  Ou, estava apenas  jogando  verde? Afinal, o  Neves  tinha  87  anos  quando  rolou pela escada   e  fraturou o crânio.  Malu  tinha apenas ajudado um pouco.  Nada a desconfiar: a doença de  Parkinson mais o sonífero  habitual  por si  justificariam  a queda  na escada.  Ela  apenas   aumentara  a dose  do  sonífero. 

Aguentara o estrupício por  10 anos de casamento .   Conseguira fisgar o  velho  que,  afinal,  a  tirara de uma vida  penosa  e suburbana  para  a ociosidade  cômoda dos ricos .   O Neves  afinal  estrebuchou,  e  ela   ficou livre  para alçar  voos mais altos. 

Valeu a pena  !   Agora aos 35 anos, casada com o Baeta de Mendonça, finalmente  ingressara nos circuitos  sociais.  Não era tola, tinha se educado e adquirido um verniz  pelo menos suficiente para não dar vexame.  Já tinha  uma casa e um apartamento em seu nome, e um saldo bancário razoável. Certamente não iria abrir mão de tudo isso.  Se houvesse alguma  denúncia ou suspeita,  o Baeta,   presunçoso  e  esnobe como ele só, não hesitaria  em pedir o divórcio.  Tinham casado  com separação de bens, a família dele  tinha  exigido devido a diferença de idade.  Por outro lado, sabia que  se pagasse uma única  vez a sangria  continuaria.  A única solução era liquidar  a  vigarista. 

Ao telefone tinha pedido alguns dias para poder  juntar a quantia.  A sacana  iria ligar hoje à noite para combinar  o local e a hora  da   entrega.  Tinha  arrumado  dez mil em notas de cem , em vez  dos  cinquenta  mil pedidos.  Iria  colocar as notas por cima do maço de papel  mas ainda  precisava   de uma estratégia para  acabar de vez  com a  patife.  Ainda bem que o Baeta estava viajando. À tarde ainda teve que aguentar  as  irmãs  Veiga Castilho  que vieram tomar uns drinks e convidá-la para uma daquelas chatíssimas  festas beneficentes   de  dúbios benefícios.  Lá pelas sete da noite  tocou o celular.  Mal podia falar  direito de tão nervosa.  Mas não era a chantagista, era o Baeta avisando que  voltaria de  Recife   amanhã.  Mais um complicante...  Tinha que agir  ainda esta noite.     Tinha um revolver  guardado dos tempos  difíceis  pré-Neves. Planejou  deixar   o  pacote   e se afastar, mas  disfarçada ficaria  perto o suficiente para  acertar  uns bons balaços no alvo.  Atendeu ao primeiro toque.  Até se surpreendeu, a fulana  escolheu um lugar que ela conhecia bem.  A rua escura que dava acesso à cozinha na parte de trás do seu clube.   Devia deixar o pacote na lixeira  às 11 horas.  Melhor não podia ser.  Preparou-se  vestindo  uma  jeans velha e um moletom cinza , prendeu o cabelo,  pegou  um boné  do armário do marido, e um saco plástico  para o pacote de dinheiro  . O revolver ia no bolso do moletom. Poderia passar por um  dos  funcionários  do clube   se alguém a visse. Por cima vestiu o  casaco comprido bege.

Estacionou  a  três quarteirões .  Em dez minutos  chegou ao local. A rua estava vazia e escura. Apenas uma luz fraca filtrava  por baixo da porta de serviço do clube.  Depositou o pacote  e caminhou  alguns passos  até  dobrar  a  esquina. Rapidamente  se desvencilhou da capa que escondeu no saco.  De  volta,  se  agachou   atrás  de  uma caçamba  e esperou.  O pacote ainda estava lá.  Pouco depois  apareceu  da outra esquina  um homem  de gorro e  roupa escuros  caminhando na direção  do  pacote. Estava esperando uma mulher, mas o homem poderia ser o comparsa. Deixou-o pegar a grana e ao vê-lo de costas disparou  2 vezes. O homem caiu. Ela esperou  ainda mais um pouco: silencio  completo.  Correu, agarrou o pacote de dinheiro, dobrou  a esquina e chegou ao carro. Jogou o revolver num bueiro. Só se sentiu segura  ao  vestir de novo o casaco bege. Tinha conseguido! Por via das dúvidas, ainda parou na padaria do bairro, tomou  um suco  de  tamarindo – poucas pessoas pediam- iriam se lembrar dela ali  e  na farmácia ao lado  perguntou por um bom anti-gripal.

Tomou um longo banho e  adormeceu aliviada.  Acordou lá pelas dez  e  lembrou que  tinha dado folga à empregada  até  o dia seguinte.  Acionou a máquina de café, fez duas torradas e sentou-se para um  café da manhã tranquilo. Ligou  a televisão  enquanto lia o jornal . Queria saber  se  o crime apareceria no noticiário local.  Aí  começou a  prestar atenção.... 


_ “Foi encontrado  assassinado o empresário Baeta de Mendonça de 73 anos,  sócio fundador da Supermercados  Mendonça.  Não havia sinais de roubo; a vítima foi   baleada pelas costas  com arma de pequeno calibre  nas imediações do clube  Harmonia do qual era sócio e  assíduo  nas  rodas de carteado.  Não há pistas  do  possível criminoso  ou do motivo do crime.  Conhecidos  porém  comentaram que  o outrora  abastado  empresário  estava quase na penúria  e devia  mais  de  cinquenta mil reais  apenas  aos parceiros  de jogo”.

Cafezinho Literário - José Vicente J. de Camargo


 Cafezinho Literário
José Vicente J. de Camargo

Leem-se contos, crônicas
Recitam-se poesias, prosas
A literatura em regozijo
Reina suave pelo ambiente
E contente observa
O festim dos amigos das letras
Que a declamam com modéstia
E a aclamam com fervor
Musa de seus cultos anseios
Agradecida
Retribui a homenagem
Distribuindo aos convivas
Saudações literárias
Com votos de profícuas criações
Para a satisfação do espírito
E o enriquecimento do Escreviver
Na realização de outros tantos cafezinhos
Ao som contagioso do violino cigano...

                                                      

ENVELHECIMENTO - MARIO TIBIRIÇÁ




ENVELHECIMENTO
VANTAGENS DE SE TER 80 ANOS OU MAIS                                           

Mario Tibiriçá

Mesmo  que  me  ofertassem vantagens para trocar minha vida boa e meus queridos amigos, por menos cabelos  brancos e alguma juventude, além de uma barriga mais lisa, jamais aceitaria.

Envelheci, porém permaneço curioso do mundo, não vou despir-me do que aprendi, mas explodem em espumas todas   as minhas ânsias e assim  viverei todas as horas mortas que perdi.

Quando  idoso, fiquei mais amável comigo mesmo, e muito menos crítico. Não me censuro por comer balas e chocolates demais,  ou ainda  pela  compra de algo  bobo, sem precisão. Tenho o  direito de ser desarrumado, de ser  extravagante.

Assisti familiares e amigos deixarem este mundo cedo demais, antes de compreenderem a enorme liberdade que temos ao envelhecer. Quem vai me censurar se resolvo dormir apenas  de madrugada e levantar-me ao  meio dia? 

Eu dançarei quando e com quem quiser, e se desejar chorar pelo amor da mulher da minha vida, eu o farei.

Se eu tiver vontade de andar na praia com um maiô justo  sobre um corpo decadente, sob olhares críticos e penalizados de terceiros eu  o farei, eles também vão envelhecer.

Sei que por vezes sou esquecido, mas na vida existem coisas que  devem ser esquecidas. E  por vezes, as pessoas  me esquecem.

Ao longo do tempo,  meu coração quebrou-se várias vezes, quando uma criança sofreu, ou quando perdemos um ente querido. Quando um coração nunca sofreu é imaculado e estéril, e jamais conhecerá a alegria de ser imperfeito.

Sou abençoado por ter vivido até os cabelos grisalhos, e possuir os risos da juventude e da maturidade gravados em sulcos no meu rosto.

Conforme envelhecemos mais fácil é sermos  positivos e mantermo-nos na floresta do alheiamento. Pouco ou nada nos preocupa, e  o que os outros pensam, não mais nos questionamos no interior de nossos corações. O mundo deixou de ser importante.

Aprendi a ser velho e gosto da pessoa que me tornei! Não viverei para sempre, mas enquanto estou por aqui, não perderei tempo procurando nuvens restantes de chuva derrotada, ou ter vontade inútil de chorar.

Vamos ser sorridentes, alegres e felizes.                                                              

Obs. Texto criado baseado em papel encontrado na rua, sem qualquer identificação.               
                                                        

FIGURAS DE LINGUAGEM - TABELA DEMONSTRATIVA COM MUITAS DELAS

Figuras de Linguagem 
Figuras de construção
Elipse
Omissão de termos que podem ser subentendidos facilmente.
Exemplo
Quanta perversidade no mundo! (Subentende-se o “há”.)
Zeugma
Variedade de elipse; omissão de termo anteriormente expresso.
Exemplo
O inocente foi, preso; o culpado, solto. (Subentende-se o segundo “foi”.)
Assíndeto
Falta de conjunção entre elementos coordenados.
Exemplo
Estava mudo, pálido, trêmulo, assustado. (Repare que poderia haver um “e” entre os dos últimos termos da frase.)
Pleonasmo
Repetição de ideias (com as mesmas palavras ou não) para realçá-las ou enfatizá-las.
Exemplo
Vi com meus próprios olhos. (Está claro que ninguém pode ver com os olhos alheios.)
Polissíndeto
Repetição do conectivo entre elementos coordenados.
Exemplo
Foi e voltou e correu e pulou e brincou. (A repetição do “e” enfatiza a quantidade de ações enunciadas.)
Hipálage
É atribuir-se a uma palavra o que pertence a outra na mesma frase.
Exemplo
“Em cada olho um grito castanho de ódio”. (Note que, pela lógica, “castanho” se refere a “olho”. A frase é do escritor Dalton Trevisan.)
Hipérbato
É a inversão da ordem natural das palavras numa oração ou das orações num período.
Exemplo
“Ouviram do Ipiranga as margens plácidas...” (A ordem natural ou direta seria: “As margens plácidas do Ipiranga ouviram...”)
Anáfora
Repetição da(s) mesma(s) palavra(s) no começo de cada um dos termos da oração.
Exemplo
“Este amor que tudo nos toma, este amor que tudo nos dá, este amor que Deus nos inspira, e que um dia nos há de salvar...”
Silepse
Também chamada de concordância ideológica. Faz-se a concordância com a ideia subentendida e não com a palavra expressa. Pode referir-se ao gênero, número ou pessoa.
Exemplos:
Deixei a agitada São Paulo. (Silepse de gênero, a rigor São Paulo é masculino.)

Grande parte dos eleitores estavam longe de aprovar os descaminhos da CPMI. (Silepse de número: a ideia é de plural, embora, a rigor, o sujeito – “Grande parte” – esteja no singular.)

Os que conseguimos pular fora, pulamos. (Silepse de pessoa: a frase deveria ser “Os que conseguiram pular fora, pularam”, mas quem a enuncia se inclui entre os que praticaram as ações expressas pelo verbo).
Ambiguidade
Vício de linguagem onde as palavras da frase que causam duplo sentido de interpretação.
Exemplos
O cachorro do seu irmão não me deixou entrar. (refere-se ao cão, ou está xingando o irmão de cachorro?)
Marina discutiu com o namorado e estragou seu dia. (o dia de Marina ou do namorado?)

Figuras de pensamento
Antítese
É o uso de palavras opostas numa mesma construção.
Exemplo
Às vezes, fazemos o mal, quando queremos fazer o bem.
Paradoxo
Raciocínio aparentemente contraditório, um aparente contra-senso. Todo paradoxo contém, em última análise, uma antítese.
Exemplo
Há muitos ricos que são muito pobres. (No caso, a contradição se daria entre a riqueza material e a pobreza espiritual.)
Ironia
Consiste em se afirmar o posto do que se pretende dizer, com intenção de crítica ou escárnio.
Exemplo
Os políticos brasileiros são tão honestos! (Sem comentários...)
Eufemismo
É a suavização de uma ideia desagradável ou agressiva.
Exemplo
O senhor está faltando com a verdade (ou seja, com todas as letras, está mentindo).
Alusão
Referência a um fato, um trecho, ou personagem conhecido.
Exemplo
“Andei sobre as águas, como São Pedro” (verso de Paulo Vanzolini).
Preterição
Fingir não afirmar aquilo que se está afirmando.
Exemplo
Nem vou mencionar o excessivo esforço que me causa ouvir a sua argumentação. (Ora, o excessivo esforço foi literalmente mencionado.)
Gradação
Expressão progressiva do pensamento, numa ordem que parte da menor para a maior intensidade.
Exemplo
Caminhou apressado, correu, disparou pela rua.