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Saideira - Jeremias Moreira





Saideira
Jeremias Moreira

Para combater a oxidação de peças de metal, Washington usava uma mistura de ácido hidroclórico com bicarbonato de sódio. Objetos pequenos como cinzeiros, guarnições de portas, espelhos de tomadas e galheteiros ele mergulhava na mistura, dentro de um velho balde de plástico. Agora, ele precisava de um recipiente grande, onde coubessem quatro candelabros.  Toni sugeriu uma banheira. Poderia ser encontrada, por uma pechincha, no depósito de ferro velho do Tomazelli, que ficava na Rua Piratininga, no Brás. Washington gostou da ideia e decidiu ir naquele instante. Foram na velha Belina. Lá encontram diversas banheiras e Washington comprou uma que considerou adequada, por um bom preço. Para transporta-la até a Alameda Tietê, onde ficava sua loja, resolveram deitar o banco traseiro do carro e colocar a banheira naquele espaço. Depois de muito esforço perceberam que apesar de o bagageiro ser espaçoso, o artefato não cabia. O único jeito seria deixar a porta traseira do veículo aberta e metade da banheira pelo lado de fora. Assim fizeram e tocaram de volta. Pouco antes, naquela manhã, Washington havia comprado, por telefone, um jogo de porcelana inglesa de uma cliente. Lembrou-se disso e aproveitou para ir buscar na casa dela, na Rua Tupi, em Santa Cecília. De lá, rumaram para a loja e pegaram a Avenida Pacaembu. Logo à frente, na Praça Charles Miller, havia um comando do DSV. Quando Washington avistou o cerco policial já era tarde. Não havia mais como escapar. Ele transportava uma carga de forma arriscada que contrariava a norma de trânsito. Além disso, não tinha carteira de habilitação. A solução seria Toni assumir a direção do carro: 

- Toni, você vai ter que dirigir o carro. Eu não tenho carta de motorista.

- Eu também não! Nem dirigir eu sei! - respondeu Toni.

A banheira pendurada na traseira do carro chamou a atenção de um policial. Ele acenou para Washington entrar na área de inspeção. Diversos veículos já estavam por ali. Washington estacionou, o guarda se aproximou, pediu sua carteira de habilitação e os documentos do veículo. 

- Olha, sargento eu estava tentando colocar essa banheira no carro.  Mas aí, meu funcionário sentiu-se mal e eu saí apressado para levá-lo ao Pronto Socorro do Hospital das Clínicas. De tão aflito, nem deu tempo de retirar a banheira e, na pressa, também esqueci os documentos em casa. - explicou Washington de forma dramática. 

Ao ouvir a história, Toni fez cara de doente e, o guarda, de “conta outra que esta eu já ouvi”. 

- Transportar sua carga dessa maneira perigosa como o senhor está fazendo, já é uma tremenda infração. Além disso, está dirigindo sem os documentos. Vou ter que aplicar multa e apreender o veículo. - respondeu o guarda.

Washington desceu do carro e quase que se postou de joelhos implorando que o deixasse ir. Explicou que o Toni estava muito mal e tinha urgência de socorro médico. Nesse momento, o guarda foi chamado pelo comandante da operação. Washington aproveitou e mandou Toni ir até a loja procurar os documentos e trazer alguém, com carta de motorista, para dirigir a Belina. Toni pegou um táxi e se foi. O local já estava apinhado de carros com irregularidades e o oficial que comandava decidiu suspender a operação e levá-los todos para o pátio do Detran. Formaram um comboio com cada motorista dirigindo seu próprio veículo, escoltados pelos policiais. Os documentos estavam apreendidos e quem evadisse, seria multado por isso, também. Washington se deu conta de que o guarda que o interpelou não tinha nada que se referisse a ele. Pensou em se mandar, mas o esquema policial estava cerrado e ele não viu alternativa senão seguir a fila de carros. Colocou-se imediatamente atrás de uma camionete Toyota. Quando a estranha caravana, escoltada pelas motos e carros do DSV, alcançou a Avenida Doutor Arnaldo, os primeiros carros entraram à direita, na rampa que dá acesso à Avenida Rebouças. Porém, a camionete, que Washington seguia, acelerou e tocou em frente, em direção à Avenida da Consolação. Washington percebeu a manobra do sujeito. Ele estava fugindo. Impulsivamente acelerou e o seguiu. Um carro do DSV percebeu a fuga dos dois e foi atrás. A Toyota impôs velocidade e Washington também. O carro do DSV ligou a sirene e virou uma verdadeira caçada pela Consolação. As pessoas olhavam curiosas aquela perseguição: uma Belina, com metade de uma banheira emborcada na traseira, seguido por um carro de polícia.  O semáforo da Rua Matias Aires, logo à frente, fechou. A camionete atravessou com o vermelho aceso e foi-se embora. Washington ficou indeciso, mas resolveu parar. O carro do DSV o alcançou e mandou que encostasse. O policial desceu furioso e Washington com a maior cara de pau deu a desculpa de que estava seguindo a camionete.

- Estávamos em comboio e minha referência era a camionete. Apenas cumpri as ordens que me foram dadas.

O policial espumava de raiva. Desviou o olhar para a Consolação, mas a camionete já tinha desaparecido. Isso o irritou mais ainda. Passou a ser uma questão de honra ir atrás e trazer a Toyota de volta. Furioso, ordenou que Washington o esperasse aí, onde estava, até sua volta. Entrou no carro e partiu cantando pneu. A Belina estava num recuo de calçada para embarques e desembarques de táxis. Conforme ordenara o policial, Washington permaneceu no recuo até se perguntar o que estava fazendo ali. Lembrou-se que nenhum documento seu ou do carro fora apreendido. O guarda sequer anotara a placa do carro. Como resposta a si próprio ligou a Belina, aproveitou o farol aberto, e se mandou em direção à loja, na Alameda Tietê. Quando chegou, avistou Toni no bar da esquina. Ele ainda procurava alguém para levar até o Pacaembu. Quanto aos documentos da Belina ele lamentava, mas revirara o escritório todo e não os encontrara. Washington caiu na risada:

- Você não poderia encontrar, mesmo. Agora me lembrei, perdi os documentos assim que comprei a Belina. Deixa prá lá, vamos descarregar a banheira que o freguês vem buscar os candelabros amanhã e a gente ainda precisa limpá-los. 

Caminharam em direção à loja e de repente Washington parou, deu meia volta e disse categórico:

- Antes, vamos tomar uma cerveja.

O dia seguinte amanheceu esplêndido. Um sol loiro brilhante penetrava pela Alameda Tiete e tingia tudo de dourado. A Belina continuava estacionada no mesmo lugar, com a banheira ainda dentro.

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