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O naufrágio - Maria Luiza C. Malina


O Naufrágio
Maria Luiza C. Malina


Um estrondo!  Aquele navio já saíra predestinado em seu carregamento a desgraça, o desespero, como um sinal de fim de linha.
Poucos conseguiram salvar-se. Eu sou uma que, não acreditei que aquilo pudesse estar acontecendo. Reverti todas as minhas forças no sentido do encontro de uma tábua de salvação.
Tornei-me surda e muda, liberando espaço na mente, invertendo todos os sentidos, cujas ideias influenciaram a minha existência vital. Queria viver.
Apoiada a um pedaço do navio, não me recordo se haviam mais passageiros. Cheguei à terra firme. Vomitei. Fui socorrida entre perguntas irrespondíveis e inentendíveis.
Eu estava lá!
De tudo só me recordo da mão aberta em meio às vagas. Ela tinha vida. No entanto era eu, apenas eu.  Foi o momento de escolha. Esta mão impregnou minha mente. Os belos dedos com prolongamentos afilados, as unhas, desmaltadas, em muito devem ter acariciado alguma face, escrito cartas, tirado fotos, seguraram um copo com um bom drinque. Eu a vi. Fui a testemunha ocular de um adeus a ser enviado – para quem? – não o sei.
Baseada no meu sentimento pelo belo, na arte, passei a fotografar mãos, a rabiscá-las  de todas as maneiras possíveis.  Dediquei-me às mãos, na profissão de artista plástica. Isto me rendeu boas exposições.
De passagem pelo Uruguay, mais precisamente em Punta Del Este, para uma das exposições que enfeitam a cidade nas temporadas, acalmei minha alma quando me encontrei cara a cara com a escultura gigantesca – A Mão, feita em concreto na praia, em um ponto estratégico, delicadamente escolhido. O Sol de Punta nasce em meio aos dedos.
Fiquei sem palavras.
Refleti muito sobre a obra, sem quebrar a magia da criatividade, a xeretice em vasculhar o por quê dos porquês. Lá estava. Pronta na magnitude.
 As obras adquiridas antes da abertura mereceram um destaque especial na imprensa, o que causou um acúmulo maior de convidados esperado para o coquetel.
Um olhar, um senhor de porte nobre, elegante, em seus setenta e poucos anos, chamou-me atenção. Brindou o sucesso à distância. Aproximou-se. O sotaque pronunciado o delatou. Não lhe perguntei a origem, pois era um local que atraía pessoas de todas as nacionalidades, classes e posições sociais, devido ao cassino.
O folder, através dele o raio X estava completo. Sutilmente agendou um almoço para o dia seguinte, entregando-me o cartão pessoal. Talvez fosse um colecionador em seu país. Aguardei.
Na hora marcada no próprio cassino, estávamos almoçando.
Qual não foi minha surpresa ao descobrir que se tratava de um marajá, cuja esposa viajava, no mesmo navio atropelado pelo destino, em que eu me encontrava. Procurava algum sobrevivente entre os passageiros, que lhe trouxesse alguma lembrança da amada, uma vez que ela viajou em companhia de serviçais para uma temporada de férias na África. Iriam se encontrar em três semanas.
Soube, através de registros de fotógrafos macabros que, ela na tentativa de segurar-se, teve o braço amputado por uma corrente, também registrado por lentes impiedosas. A ama que a acompanhava nada pode fazer. Os serviçais foram tragados na escala do desespero.
Desde então, a imagem da mão na foto foi última lembrança que ele tive dela.
Contei-lhe minha parte.
As cartas encaixaram-se na mesa de pôquer. Ele foi o responsável pelo meio sucesso.

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