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Gustavo o sacristão - Oswaldo Romano


GUSTAVO O SACRISTÃO
        Oswaldo Romano                                                                      
        Gustavo é o sacristão da igreja matriz, desempenhando essa função desde os dezesseis anos. Hoje com vinte e cinco, assiste àquelas que eram crianças, cantar no coral adulto da igreja.
        Umas mudaram-se da cidade, outras chegaram. O coral estava sempre completo para a alegria dos fieis. A presença era muito concorrida.
        Impressionante a história que ele me contou da Luzia. No horário da Ave Maria, pendurava-se nas cordas dos sinos, acionando-os. A cidade tinha esse horário como uma divisão das águas. Na preocupação de possível queda, ou mau funcionamento  do carrilhão, olhava para cima aguardando o momento oportuno da próxima puxada.
        Luzia a principal voz do coral, há meses foi vítima de um enfarto fulminante. O coral guardou luto fechado por uma quarentena e o Padre Guerino a referenciava em todas as missas.
        Gustavo contou-me que no dia 13 de dezembro, dia de Santa Luzia as cordas ficaram leves. Logo imaginou que os sinos se soltavam. Olhando  para cima vê Luzia segurando as cordas, corpo flutuando, ajudando-o a puxá-las. Com seu vestido de tule branco esvoaçando, ela olhava-o, enquanto repetia aquele ensurdecedor  som: Tóiimm! Tóiimm! Tóiimm! Tóiimm! Enquanto o som vibrava, ela mostrava um sorriso angelical.
        Ao me contar essa passagem, disse depois ter sonhado várias vezes com essa ajuda, Uma cena tão inusitada, que ele tinha dúvidas ter sido apenas uma visão. Sentia o tecido da saia de Luzia roçar-lhe o rosto, sempre que algum sopro de vento o tocava.
        Emocionado contava-me isso, quando estávamos sentados no banco do jardim da matriz. A igreja foi erguida no centro de um quarteirão e recebeu ao seu redor lindas árvores e flores, custeadas pelos fieis da cidade.  Árvores altas, copas viçosas  dificultavam a iluminação, ficando o ambiente na penumbra.
        Ouvindo seu relato, escondia meu ceticismo para não desiludi-lo. A missa da noite, ha horas havia terminada. A igreja estava às escuras.
        Nessa noite, não havia previsão de chuvas, mas bateu aquele vento que a precede. Gustavo olhou para a igreja. Os sinos adormecidos, começaram primeiro emitir um toque muito forte. Seguiu-se o costumeiro repicar, repicar da Ave Maria. Gustavo atirou-se de joelhos no chão.

Eu, ali estático, senti passar por todo meu corpo, um estranho calafrio.                            Era o calafrio que ronda a morte.

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