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Burrico Teimoso - José Vicente J.de Camargo


Burrico Teimoso
José Vicente Jardim de Camargo

Duas vezes por semana ouvia-se lá pelas dez da manhã o som ranzinzo da buzina, tipo chupeta, da carrocinha do seu Firmino: FonFon-Fonfon
Paulinho! - Gritava a mãe ─ Diga ao seu Firmino para esperar que vou querer fruta e verdura.
Lá ia eu, nos meus nove anos, pra calçada esticar o braço indicando que aqui tem freguês interessado.
A minha chatice de ter de ajudar a mãe a escolher as melhores laranjas e tomates e depois carregar pra cozinha, se misturava com a alegria de alisar a crina do burrico, sentir o ar quente das suas narinas e tentar abaixar suas orelhas espirradas para cima. Seu nome era Teimoso e, segundo seu Firmino, muito apropriado, pois, não havia animal mais burro e teimoso. Quando dava pra empacar e desobedecer os comandos do patrão, só Cristo para movê-lo.
Minha vontade era poder montá-lo, mas seu Firmino – para não desagradar a freguesa habitual - quanto muito me levava de carona no banquinho da carroça até a próxima esquina:
O Teimoso fica cansado e empaca de vez! Desculpava-se para eu descer.
No caminho de volta, quando Teimoso deixava rastros de bolinhos, ia eu recolhendo- os no balde emprestado do seu Firmino – com a promessa de devolvê-lo na próxima visita – para a alegria da minha mãe na adubação  dos seus antúrios e avencas, admiração das amigas da vizinhança.
Dado a minha intimidade com Teimoso, meus pais já comentavam com todos que eu estudaria veterinária. Além do mais que colecionava o almanaque dos animais, sabia na ponta da língua os nomes e as características dos grandes felinos e dizia não ter medo de nenhum.
De cabeça eu com tudo concordava - mal sabendo eles que passando pra real as coisas mudavam – pois, de galinhas e galos não chegava nem perto, com medo das bicadas.
Certo dia, qual não foi minha surpresa, quando, ao atender seu Firmino, deparei com um cavalo baio no lugar de Teimoso. Ele, vendo minha frustação, foi logo dizendo que burro é burro mesmo e ainda mais se chama Teimoso. Desprendeu-se da corda atada no murão da cocheira e foi pastar no capinzal do vizinho. Foi ai que uma cascavel lhe deu o bote sem salvação. Na falta do soro e de outros cuidados especiais, o jeito foi sacrificá-lo para não sofrer.
Desta vez não aceitei a carona que seu Firmino ofereceu para experimentar o trote macio do baio.
 ─ E o esterco, quando vem, é o dobro do burro ─ disse.
Não me interessei!
Meu pensamento tava no burrico, no seu olhar dócil, no seu pelo pixaim, no seu porte pequeno que combinava com o meu franzino, nas suas orelhas levantadas qual antenas em alerta.
A partir daí, meu interesse pelo almanaque dos animais diminuiu. As páginas das cobras rabisquei com tinta vermelha e informei minha mãe que não queria ser mais veterinário.
O que você quer ser então! Perguntou ela
Inventor! Quero inventar um aparelho que apita quando a cobra se aproxima.
─ Mas, os animais já tem esse sentido meu filho, eles preveem o perigo.

─ Ah! Mas, burro é burro ainda mais quando se chama Teimoso. Não dá pra confiar...

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