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Aquele dia - Fernando Braga


Aquele dia
Fernando Braga

Ricardo tinha 13 anos e estudava em São Paulo, em colégio interno. Vinha para sua cidade no interior, apenas nos períodos de férias. Sempre acompanhava seu pai quando ia à fazenda, localizada a 15 quilômetros. Levantavam cedo, tomavam um café com pão e manteiga, pegavam o Fordinho 29 e saiam, pegando uma estrada vicinal estreita e com muitos buracos. Esta era a rotina três vezes por semana. Ricardo gostava muito, primeiro por fazer companhia a seu pai, depois para andar a cavalo, caçar passarinhos com estilingue, mas o que adorava era quando seu pai deixava-o guiar o fordéco na volta. Aprendera a ligar o carro, usar o desembreio e o breque, mudar o câmbio e manusear a direção, que era bastante dura. Quando era permitido que guiasse, sentia-se grande, importante, já um homem!
Um dia, na volta seu pai disse estar com muita pressa, pois tinha compromissos à tarde e que ela não iria guiar. Ricardo ficou bravo com o pai, mas aceitou. Quando tomaram a estrada ele dirigiu-se ao pai e perguntou:
— Porque o senhor não me deixa guiar agora, que a estrada está tão boa?
Seu pai parou o carro, e consentiu:  
— Pode vir!
Ele abriu a porta, deu a volta e tomou a direção. Desembreou, passou à primeira, mas ao sair o carro deu um solavanco e afogou. Ligou-o e novamente ao sair, o carro deu um salto para  frente e morreu. Nesta hora recebeu um sopapo do pai:
— Você é um barbeiro! Pode vir para cá.
Ricardo, na hora, começou a chorar de raiva, abriu a porta e saiu correndo, entrando no meio de um cafezal. Correu uns 300 metros e não atendia ao seu pai, que gritava que voltasse. Quando parou, olhou para ver se seu pai o estava seguindo, e nada. Resolveu voltar, mas quando olhou para o lado, deparou com um corpo caído, embaixo de um pé de café. Ficou apavorado e disparou de volta. Seu pai estava esperando, com a cinta na mão:  
— Eu já ia te buscar e você ia levar uma sova se...
—Espera aí pai! Tem um homem morto debaixo do pé de café!
— O que? Você está brincando!
—Não pai, é verdade, te juro.
Ambos voltaram pelo carreador e lá estava o coitado, um moço caído, agora, respirando forte e já se movimentando. Aproximaram-se dele, viraram seu corpo, ele abriu os olhos avermelhados e tinha sangue na língua, mordida.
— O que houve?
— Eu não sei, mas, às vezes tenho isto.
— Onde você mora?
— Moro aqui, na fazenda do seu Haddad.
Ah, você é colono do Haddad? Vamos tentar levá-lo até a sede.

— Não precisa, daqui a pouco vou estar bom e posso ir caminhando.
— Não senhor, nós vamos levá-lo, venha.
Foram até o carro, ele ainda grogue, pegaram a estrada e logo após entrarem em uma porteira viram a bela sede da fazenda. Lá chegando, logo foram atendidos pelo administrador.
— Viemos trazer este rapaz que diz ser colono, que estava caído debaixo de um pé de café.
— Ah! É o Beto, filho do Joaquim, nosso meeiro. Ele tem epilepsia. Quando se esquece de tomar o remédio, sempre acontece isto. Tudo bem!
— Então já vamos! Missão cumprida.
— Desculpem o incomodo. Obrigado por o terem trazido até aqui. Mas, uma perguntinha, o que vocês estavam fazendo no meio, dentro da fazenda do seu Haddad?
Sem responder, viraram as costas, entraram no fordéco e saíram. Era difícil explicar.
Mais tarde, nem mesmo o Beto conseguiu responder à mesma pergunta. Era longe da estrada!

Ricardo, jamais se esqueceu daquele dia, mesmo após passados quase 70 anos.

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