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Você foi - Mario Augusto Machado Pinto



VOCÊ FOI.
Mario Augusto Machado Pinto


O consultório ocupava casa numa vila. Pequena, jardim manicurado, tendo música ambiente e iluminação a Leds, era jeitosa, apresentava decoração de muito bom gosto. A recepcionista gentilmente ofereceu-lhe a bergère, café com bolachinhas e o último exemplar da revista Femme. Informou que o Dr. Denis a atenderia em seguida.

Li folheava a revista sem ler ou ver o que continham as páginas. Há três semanas aguardava o resultado da consulta anterior. Durante esse tempo só pensava nisso.  No tratar com as pessoas a expectativa influenciava seu comportamento meigo tornando-a ríspida e agressiva. Dadú nem podia chegar perto que logo era afastado com um brusco “chega prá lá”. Depois, dava-lhe um beijinho. Estava impossível. Ainda bem que hoje terminaria essa agonia, pensava ela.

O Dr. Denis levou-a pessoalmente à sua sala. Há anos médico do clã Bergamós, perguntou por seus pais e alguns parentes. Li, que respondia por monossílabos, de repente pediu:

- Dr. Denis, vamos ao importante. Por favor, diga logo o resultado: Sim ou Não e me explique. Não aguento mais essa espera!

Ouvido com atenção, o resultado negativo a arrasou. Levantou-se da cadeira e, qual leoa, andava pela sala repetindo Eu quero um filho! Tem que ter um jeito! Tem que ter! Tem que ter!

Sem dizer nada, Dr. Denis deixou que ela se acalmasse, indicou a cadeira e comentou:

— Sim, há outras possibilidades. Há vários processos. Resumidamente, é o seguinte...

Atentamente Li ouviu toda a explicação e falou que escolheria o que fazer e que daria resposta em breve. Agradeceu, e saiu tão rapidamente que se esqueceu de pagar a consulta. O Dr. Denis fez sinal de “Deixe” à recepcionista. Cabisbaixo retirou-se para sua sala. Ele também estava perturbado.

Ela foi ao shopping e, do Filó, conseguiu um lugar para descansar. Estava gelada, tremendo como vara verde. Colocou os pensamentos em ordem, telefonou avisando a copeira para atrasar meia hora para servir o jantar. Em seguida, durante duas horas arquitetou seu plano. Satisfeita, tomou um sorvete antes de ir para casa.

Lá chegando, o espantado Dadú foi abraçado bem apertado, beijado e acariciado várias vezes. Da. Ignês também, assim como Tétéu, sua irmã. Surpresos, perguntavam O que aconteceu? Respondia: Depois eu conto.

O jantar foi rápido. Todos queriam saber, mas não adiantou.  Repetia: Depois eu conto.

Após a novela deu Boa Noite geral e pediu a Dadú para ir junto.

Já no quarto, sentou-se na poltrona de dois e falou de seu plano para terem um filho. Ele ouviu balançando a cabeça e murmurando Incrível, loucura! Ao termino da fala da Li sugeriu que era preciso ouvir Da. Ignês e Tetéu. O viver mudaria aumentando a responsabilidade de todos. Li concordou, chamou a mãe e a irmã, contou o que pretendia fazer esperando a aprovação delas. Durante dias a resistência foi ferrenha. Sua mãe a chamava de louca sonhadora, manipuladora e de outras coisas na intimidade. Aguerrida, Li, aos poucos, foi vencendo obtendo, ao final, a aprovação das suas ideias. Não foi com o entusiasmo e alegria de todos, mas mesmo assim ficou contentíssima. Avisou que falaria com o Dr. Denis pedindo orientação sobre como proceder. Da. Ignês só lamentava a ausência de Tonico, seu falecido marido. Tétéu comentou Vó, você pensa que vovô ia aceitar? Acredito que não. Foi o único comentário meio opositor, dissonante.

Para felicidade geral o procedimento efetuado foi um sucesso. Decorrido o tempo certo nasceu Flávia, menina sadia, a cara de Da. Ignês. A vida de todos mudou. Flávia recebia tantas atenções que a ama de leite dizia que ela era a TV da família.

Nem tudo eram rosas, porém. Li não estava totalmente satisfeita. Representava contentamento. Estava vendo que qualquer dia atiraria com a albarda ao ar. Isso aconteceu quando disse a Dadú que Da. Ignês deveria ir morar sozinha, sair da casa deles. Ele foi raivoso em sua fala contrária.

Não concordo e ponto final! - gritou.

— Você não tem querer neste assunto. Eu estou pondo ponto final na sua deslealdade. Pensa que eu não sei do caso de vocês dois aproveitando-se das idas ao médico, ao laboratório, caso que dura até hoje? Os exercícios da mamãe na academia de ginástica? As suas reuniões, seo Dadú, com clientes à tarde várias vezes por semana coincidindo com as aulas da mamãe? Você, bucaneiro de marca, comigo já falhando no preparo do tiro? Suas idas ao motel bem escondidinho na paralela da Marginal? Vocês pensaram que eu era cega? Que não via mamãe esfregar a bunda em você?

Li, não fala assim!

— Falo como quiser e digo mais: se não concordar com a saída da mamãe eu faço um baita escândalo e ponho vocês dois pra fora!. Ponho mesmo! Estou sendo clara?

Está.

— Então diga que concorda.

Concordo.

— E, Dadú, não se esqueça: tenha sempre presente que você FOI. NÃO SERÁ DE NOVO. LEMBRE *.


Mas conviveram por muitos anos. Simples assim.

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